sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Valsa com Bashir

Valsa com Bashir (2009)


Branca Machado – 03/08/2009

O início de “Valsa com Bashir” mostra imagens de cachorros raivosos, cinzas, olhos e dentes iluminados, correndo e latindo em uma direção. Trata-se de um sonho. Um sonho que persegue um ex-soldado do exército de Israel que cumpriu missão na 1a Guerra do Líbano, no início dos anos 80.

Eram 26 cachorros. Exatamente o número de cachorros que o soldado se lembra de ter matado no Líbano. Os cachorros anunciavam a chegada do exército nas cidades. O colega contou seu sonho para o diretor Ari Folman que também serviu no Líbano à mesma época. A partir desta conversa, Folman percebe que praticamente não tem memória da guerra: “Não lembro nada da Guerra do Líbano. Só de uma imagem.” Assim, ele decide remexer no seu baú de lembranças.

Ari Folman construiu, então, um documentário em animação. Um desenho adulto, raro e o primeiro longa de animação a ser indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro. Bem dosado, em alguns momentos, chegamos a confundi-lo com uma película normal e, por outras vezes, as nuances, que a animação oferece, são a única técnica capaz de transmitir a dimensão simbólica que o diretor almeja.

O diretor entrevistou ex- companheiros e testemunhas do ataque de milicianos cristãos a palestinos em Sabra e Shatila, na periferia de Beirute. E, com este resgate histórico do massacre, não deixou de reconhecer a culpa de Israel no evento e, de certa forma, expiar seus “cachorros”. Como um dos seus amigos diz no filme: “Não vamos a lugares que não queremos ir. A memória nos leva a lugares que precisamos ir.”. Assistimos às lembranças de cada um. Foi assim que eles viram. É como se eles desenhassem com as palavras.

Ari Folman não se lembrava da guerra, mas tinha lembranças das licenças que tirou e, sobre elas, chega a comentar: “Quando voltei, a vida continuava normalmente na cidade. As pessoas iam à boate, dançavam”. A vida continuava, apesar do drama no Líbano. Disso, ele lembrava. Talvez, pelo choque da descoberta.

A milícia libanesa cristã-falangista, revoltada com a morte de seu líder Bashir Gemayel, executou centenas (ou milhares) de palestinos observados pelo exército de Israel. Que apenas olhou “Estavam levando civis em caminhões”. E os soldados israelenses chegaram a comentar: “Estão atirando em pessoas”. Mas acrescentaram: “Não percebemos que era um genocídio” . O filme demostra que, no fundo, as autoridades sabiam e que a alegação de que o exército de Israel não percebeu a ocorrência do massacre é uma falácia.

A guerra parece ainda mais profana em animação. Acompanhada de músicas clássicas, chega a machucar: Os desenhos, a música e o tema não combinam. E, justamente por isso, reforçam a mensagem. Ao final, ainda assistimos às imagens reais documentadas à época do massacre que, no contraste com o restante do filme, formam o desfecho perfeito. Aquilo não foi um pesadelo surreal. Aconteceu. É fato.É triste.

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