quinta-feira, 16 de dezembro de 2021

Maid (série da Netflix)


 Maid é uma série de 10 episódios da Netflix que mostra a história de Alex (Margaret Qualley), uma mulher de 20 e poucos anos que vive com o marido Sean (Nick Robinson) e com Maddy,  a filha do casal de 03 anos em um trailer. Certa noite, Sean bebe demais e começa a quebrar objetos dentro de casa. A atitude é uma evolução do comportamento abusivo do marido. E a tendência é piorar. Alex não quis esperar. Por ela e pela filha, ela foi embora sem dinheiro, sem emprego e, praticamente, sem bagagem. A trama é  baseada no livro de Stephanie Land, que conta a história real de como deixou para trás um relacionamento difícil e passou a trabalhar como empregada doméstica para dar uma vida melhor à Maddy. 

A partir daí, acompanhamos a difícil e sacrificada busca da protagonista pela sobrevivência após esta decisão.  Ela procurou ajuda na Delegacia de Mulheres, mas teve dificuldade em comprovar a violência. O abuso psicológico não é palpável. Tanto seu pai (Billy Burke), quanto sua mãe (Andie Macdowell) simpatizam com Sean e não entendem o motivo pelo qual Alex decidiu sair de casa. Em muitas cenas, percebemos como é complicado para a protagonista explicar sua decisão. Em certo momento, para nós, aflitivo, a filha não consegue o testemunho do seu pai - que viu determinada situação entre ela e o marido - mas afirmou não ter achado nada demais. Talvez, para ele, seja até uma negação. Pois, ao admitir que Sean teria feito algo errado, teria admitido vários erros próprios...O fato é que não deveria ser tão difícil para Alex explicar sua decisão. A reflexão que se deveria fazer é por que as coisas chegaram ao ponto de ela sair de casa praticamente só com a roupa do corpo? Por que, em nenhum momento, Sean é questionado ou censurado por ter deixado a situação a chegar neste ponto? No caso dele, há sempre uma explicação (própria ou de terceiros); uma compreensão por ele beber, ser abusivo ou, às vezes, tornar-se violento. Andie MacDowell, em uma entrevista, comenta: "Acho que o livro e a série são uma forma de que as mulheres vejam outra mulher dar os passos certos para mudar sua vida, ser consciente de que foi vítima de abuso. Em Maid, você percebe que há diversos tipos de abuso e alguns não são reconhecidos como tais." Narrativas como esta podem ajudar no entendimento de que decisões como a de Alex não vêm do nada. Não são frescura. Muito menos, loucura. É uma escolha difícil, doída." E ainda tem o outro lado da moeda. Na série, a personagem enfrenta tanta dificuldade em arrumar um emprego, abrigo, cuidados para a filha, que, algumas vezes, nós, espectadores, pensamos que, talvez, fosse melhor ela voltar para Sean. Esta é a grande identificação que a história nos traz. Ao nos colocarmos no lugar dela, colocamo-nos no lugar de todas as mulheres que passam por este conflito e passamos a entendê-las de uma forma menos superficial, menos simplista.  

Não há soluções fáceis ou coincidências milagrosas na trajetória da protagonista. As lembranças de sua infância ecoam todo o tempo todo e ela luta para que a filha não tenha estas mesmas lembranças. Ao mesmo tempo, ecoam números em sua mente. Na tela, aparecem os cálculos entre os dólares que ela possui e os que ela tem que gastar; com um resultado sempre negativo... Apesar da batalha que trava, Alex tem sempre um sorriso, uma palavra doce e um momento especial para compartilhar com Maddy. E é assim que entendemos sua força. 

Ao assistir Maid, entendemos a escolha de muitas mulheres em permanecer em um relacionamento abusivo. Ou voltar para um, depois de terminado. Não é simples sair. Requer coragem, firmeza e muito sacrifício. Não há garantia de que as coisas ficarão melhores ao terminar a relação. O que Alex sabia é que, ao sair de casa, a vida dela podia até não melhorar; mas que, se permanecesse, iria piorar. E isto já é motivo suficiente. 

Sociedade do Cansaço (série da GNT)


 Na coluna de ética da edição do mês de Setembro, "O lugar da pausa", Mônica de Aquino mencionou  o livro "A Sociedade do Cansaço" do filósofo coreano Byung-Chu Han, sobre o qual comentou:"O livro foi escrito em 2010, mas parece mais atual do que nunca - neste momento em que são cada vez mais recorrentes os esgotamentos físicos e psíquicos e doenças como o burnout e a exaustão. Em uma sociedade marcada pela aceleração e pela hiperatividade, com a movimentação excessiva tornando-se um valor em si mesma, Chu Han lembra a importância de parar e da capacidade de hesitar. "

Esta obra de Byung-Chu Han inspirou uma série documental nacional de mesmo nome exibida no canal GNT. Em cada um dos episódios são tratados efeitos como ansiedade, depressão, insônia e distúrbios alimentares; resultantes desse cenário de exaustão da atualidade. No centro desta temática, são abordados os prováveis causadores destes efeitos: trabalho, internet, lazer, padrão estético, remédio, sono, relacionamento, consumo, positividade tóxica e necessidade de segurança.

Em um mundo no qual o desempenho saiu da esfera exclusiva do trabalho, o descanso é visto como ineficiência. Então, daí o cansaço crônico, não percebido. Conforme se afirma no primeiro episódio "Trabalho me cansa", a sociedade adoeceu e se adaptou a esta doença. O indivíduo é considerado o único responsável pelo seu sucesso. E nem percebe que se autoexplora e chama de sucesso. No episódio, são tratados fênomenos como a uberização, o trabalho sob demanda, que dependem de uma avaliação que, muitas vezes, chega a ser invasiva. Neste cenário, o trabalhador não tem mais garantia de quanto vai ganhar ou quanto tempo vai trabalhar. 

A série, possui um total de dez episódios, todos têm no título a temática que será focada, acompanhadas da aceitação: "me cansa". Capítulos como "Perfeição me cansa" e "Remédio me cansa" buscam refletir sobre como chegamos a esse ponto de cobrança e o que podemos fazer a respeito. Talvez, o primeiro passo seja realmente admitir o problema como os títulos nos sugerem.

Sociedade do Cansaço inclui entrevistas com especialistas como Gilles Lipovetsky, filósofo francês e teórico da Hipermodernidade, Ailton Krenak, ambientalista, filósofo, poeta e escritor brasileiro, Maria Homem, psicanalista, professora e pesquisadora, que fazem análises e questionamentos sobre os temas e apresenta também depoimentos de personalidades, afetadas por esses assuntos. "Foram meses de pesquisa de conteúdo, personagens e especialistas que permitiram que o programa informe com a maior credibilidade possível e que possa gerar uma reflexão no público sobre a forma como estamos lidando com as pressões que a Sociedade do Cansaço nos impõe", conta Patrick Hanser, diretor geral da série. 

A pergunta que se faz a cada início é "Como é que chegamos até aqui?". Não creio que esta seja a principal questão, mas sim "Como é que saímos daqui?". Tratar do tema, perceber as consequências, pensar sobre são um bom começo. E, durante a exibição, alguns direcionamentos já nos são sugeridos como " Na sociedade da selfie, é preciso virar  a câmera para o outro lado e buscar as relações"; ou "As pessoas precisam de um senso de controle do seu  tempo. E, com este controle, elas orientarão sua vida ao aprendizado". Fica a dica.