sexta-feira, 4 de setembro de 2020

Agnus Dei

 

Agnus Dei é um filme franco polonês, de 2016, dirigido e roteirizado por Anne Fontaine. Nele, acompanhamos Mathilde (Lou de Laâge),  uma jovem médica da Cruz Vermelha, que está na Polônia para ajudar os feridos no fim da Segunda Guerra. Mathilde foi escalada somente para cuidar dos franceses, mas começa a ajudar as freiras de um convento polonês de forma secreta. As religiosas foram engravidadas por soldados soviéticos que, por lá, passaram 3 dias abusando daquelas freiras e noviças. Antes deles, foram os soldados alemães. Nesta última invasão, sete freiras ficaram grávidas; algumas outras pegaram doenças sexualmente transmissíveis. A madre superiora está com sífilis...  

A angústia daquelas mulheres é visível. O título utilizado no Brasil enfatiza este conflito, já que Agnus Dei significa "Cordeiro de Deus", aquele que tira o pecado do mundo. E elas se sentem pecadoras. Não são mais puras. Não entendem nem a dimensão do que aconteceu com elas. Mathilde precisa enfrentar inclusive as próprias pacientes que não querem ser tocadas durante os exames. 

Além disso, o que fazer com aqueles bebês? Voltar para a casa não era uma opção, já que, para as famílias cristãs daquela época,  ser mãe solteira (não importando a forma como se deu a gravidez) era considerado vergonha pública. Elas estão perdidas, não podem pedir ajuda para médicos poloneses, pois eles não podem saber o que  aconteceu ali. Se o segredo fosse descoberto, o convento acabaria por si só. Aquelas mulheres tinham, então, que se defender. E Mathilde, apesar de comunista e, desta forma, agnóstica, foi a pessoa que acabou salvando aquelas mulheres. No embate entre a ciência e a religião, ganhou a empatia, a compreensão e a resiliência. A cena em que a médica fuma, olha através da janela, observando a paisagem branca, quando percebe a noviça ajoelhada, rezando sozinha no meio da neve, é emblemática. A razão de um lado, o divino de um outro. Foi preciso transpor esta janela e perceber que , acima de tudo, aquelas eram mulheres que precisavam de ajuda. Naquele momento, sabemos que Mathilde percebeu isto.

Ao longo do filme, a médica descobrirá ainda que o aconteceu com aquelas freiras poderia ter ocorrido com ela... O fato é que, para as mulheres, a guerra acabou, mas os inimigos permaneceram dos dois lados. Quando as resistências e  o preconceito diminuem, a solução aparece e a esperança ressurge. Nesta guerra, que ainda não está vencida, é possível acreditar na vitória.

Como eu contei aqui uma vez, quando escrevi sobre "O Pianista", eu estive na Polônia em 2018. Fiquei impressionada em conhecer um país colorido, moderno, quente em um lugar que, no meu imaginário, era cinza, frio e triste. Por tudo que aconteceu a este país, era para ele estar em ruínas. Mas não. Ele renasceu. E, tal qual as freiras daquele convento, sobreviveu tanto aos alemães quanto aos soviéticos.