terça-feira, 27 de novembro de 2012

Argo (2012)



               
Branca Machado – 23/11/2012

      Argo seria o nome de um filme de ficção científica no final dos anos 70, se seu roteiro tivesse sido escolhido pelos produtores de Hollywood. Mal sabia sua autora, que sua obra teria uma utilidade e um peso histórico muito maiores e, muito menos, que, anos depois, Argo seria realmente o nome de um filme. Mas não de ficção e sim de uma produção baseada em acontecimentos reais.
     A história, dirigida por Ben Affleck, conta fatos ocorridos no Irã em 1979. Fatos esses tão inacreditáveis que só acreditamos por que aconteceu. O filme se inicia com um breve resumo histórico do país. Com quadrinhos, story boards e imagens documentais ele vai do império persa ao golpe, apoiado pelos E.U.A, contra o presidente Mohammad Mosaddeq e sua substituição pelo  xá Reza Pahlevi. Em 1979, a população depôs Pahlevi. Aiatolá Khomeini tomou o poder. Queriam fazer um acerto de contas com o xá. Os americanos tinham dado asilo político para ele. A população, então, invadiu a embaixada. E esta é a situação, a partir da qual, o filme contará sua história.
    A embaixada americana foi invadida, fizeram 52 funcionários reféns, mas, neste meio tempo, 06 diplomatas fugiram para a casa do embaixador canadense e deveriam ser resgatados de lá o mais depressa possível,antes que os autoridades iranianas descobrissem a ausência deles. Para isso, a CIA pensou em diversas estratégias extravagantes: fuga de bicicleta para as fronteiras, diploma de professores. E acabaram resolvendo pela “melhor da piores ”: A produção de um filme em terras exóticas.O agente Tony Mendez ( Ben Affleck) contou com a ajuda do maquiador John Chambers (John Goodman) e do produtor Lester Siegel (Alan Arkin) para simular a existência dessa produção, A busca pela locação justificaria a presença da equipe de filmagem no Irã. Equipe que, na verdade, seria formada por Mendez e, posteriormente, pelos seis diplomatas, que assumiriam os papéis de integrantes do projeto. Para esta farsa funcionar , até uma leitura para imprensa daquele roteiro “rejeitado” foi realizada por atores. Sua campanha publicitária foi publicada em revistas. Em entrevista a revista Istoé, Affleck salienta que o filme demonstra “ O poder que se tem o ato de contar histórias”. Que não deixa de ser o próprio poder do cinema,
     O ponto alto de Argo é o contraste entre o núcleo americano e o irariano. Ele gera um ótimo equilíbrio entre a tensa situação no Irã e o clima de farsa de Hollywood. Ao procurar Chambers para lhe fazer a proposta do plano, Mendez pergunta sobre o que ele está filmando. O maquiador responde: “Um filme com monstros”. O agente replica: “É bom?”. O outro responde: “O público-alvo vai detestar”. Mendes, curioso: “Quem é o público-alvo?” Chambers conclui: “Pessoas com olhos”. Ainda em Hollywood, na coletiva com a imprensa, quando se diz que as filmagens serão no Irã, o jornalista, incrédulo, pergunta: “Irã com ã?”Em contrapartida, quando Mendez vai pegar seu visto em Istambul, assistimos com apreensão ao atendente rasurar o carimbo, consertando de “Reino do Irã “para “República Islâmica do Irã”. Seu olhar desconfiado, as cores mais cinzas do núcleo oriental; tudo isso contribui para este contraste interessante.
    Ao final, John Chambers comenta com Lester: “A história começa com uma farsa e termina com uma tragédia. Ou seria o contrário?” . Quem fez esta afirmação foi Marx, numa metáfora com o teatro, afirmando o contrário, a propósito da repetição histórica, que os acontecimentos, as personagens e as formas de governo começam como tragédia e terminam como farsa. Conclusão melhor para o filme não há. 

quinta-feira, 1 de novembro de 2012


Um divã para dois (2012)

Branca Machado, 18/10/2012
                

        “Um divã para dois” começa onde as comédias românticas nunca chegam: 31 anos de casamento. Ele não enfeita, nem idealiza a relação; algo raro em filmes americanos neste estilo. O que vemos chega a incomodar de tão verdadeiro. E é bem mais comum do que se gostaria. Na cena inicial, Kay ( Meryl Streep) está de camisola azul e entra no quarto de Arnold (Tommy Lee Jones), seu marido, que, assustado, questiona: “ O que? O que foi?”. Ela responde timidamente: “Pensei em dormir aqui hoje... “Ele rebate: “Por quê? O ar condicionado está com defeito?”. A cena é uma ótima síntese do que será tratado no filme. 
        Kay está disposta a mudar seu casamento. Não pretende mais viver daquele jeito. E, para isso, encontra uma terapia de casal intensiva em Maine. Quando ela sugere a viagem  ao marido, salienta que nunca havia lhe pedido nada. Ele rebate: “ E aquele geladeira nova que eu comprei?”. Ela olha descrente: “Não foi isso que eu quis dizer.” Na discussão sobre ir ou não ir ou sobre se o casamento está em crise, ele afirma: “Eu beijo você todos os dias”. Ela olha daquele jeito novamente. Um olhar desanimado. Este olhar de Meryl Streep nos diz tudo sobre a personagem. Ela quer dizer tanta coisa, mas, simplesmente não diz. É um olhar de quem precisa falar, mas não sabe como. 
        O filme possui pequenas sutilezas que colaboram com o discurso. O hotel econômico e frio em que eles se hospedam contrasta com as pousadas pitorescas da cidade, bem mais apropriadas para um casal de férias. Na primeira sessão de terapia, eles sentam no sofá cada um no extremo oposto do outro. Dependendo da situação, sentam-se mais próximos, depois, afastam-se novamente. Ela abotoa a blusa  numa situação que a deixa particularmente desconfortável. Não por acaso, no quarto do hotel, enquanto conversam, a televisão exibe “Mad about you”,  uma série que tem como tema principal as neuroses e confusões de um casal recentemente casado. 
        Para o terapeuta (Steve Carell), Arnold responde que seu casamento é bom o suficiente, já Kay afirma que quer um casamento novamente: “Ele costumava me tocar. No braço. No ombro. Não apenas para aquilo, mas por que ele queria...” Nessas sessões, o diretor costuma deixar a câmera em um, enquanto o outro fala, mostrando a reação de quem ouve e não a atitude de quem fala. A ênfase é no  efeito da revelação. Eles sabem pouco um do outro atualmente. Não se ouvem e não se olham mais. Em uma discussão, durante a viagem, Arnold  pergunta à esposa: “Alguma vez eu disse alguma palavra grosseira para você?”.  Ele não percebe mais quando está sendo grosseiro. É este tipo de coisa que o casal vai descobrir ao longo daquela semana. 
        Acompanhamos a terapia e sabemos o quanto está sendo difícil para eles. Expor-se daquela forma requer coragem. Quando voltam para casa, Arnold diz para Kay: “ São só expectativas. Como quando você muda a cor  do cabelo ou a roupa. Você muda  por um momento, mas, no final, você volta a ser você mesmo.” Sim. A gente volta a ser a gente mesmo. Mas todos  queremos mais e não  paramos de querer só por que nos acostumamos. Talvez, essa estagnação é que não faça parte da nossa natureza. Como afirma Kay “Deve haver sempre algo para almejarmos no futuro". 

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Intocáveis

           
Branca Machado – 20/09/2012

  
           Um carro. Dois rostos. O negro dirige. Tamborila os dedos no volante. De repente, sai em alta velocidade, ultrapassando perigosamente pelas ruas de Paris. Esta é a primeira cena de Intocáveis que, ao contar a história de Philippe (François Cluzet), um aristocrata rico que, após sofrer um grave acidente, fica tetraplégico e contrata Driss (Omar Sy), um jovem contraventor sem  experiência como seu enfermeiro, configura-se como uma comédia leve e despretensiosa. E, por isso mesmo, surpreende,  já que a origem de sua  trama é dramática. 


        Dirigido por Olivier Nakache e Eric Toledano e baseado numa história real, na maior parte do tempo, esquecemos a deficiência  de Philippe ou, o que é melhor, divertimo-nos com ela. Durante a sequência inicial, percebemos a relação de cumplicidade entre o paciente e seu enfermeiro. Quando a polícia para o carro de Driss para multá-lo, ele fala para Philippe: “  Aposto 100 euros que eles vão nos dispensar. 200 euros que eles vão nos escoltar.” Aqui, a doença é tratada pela dupla como escudo, tornando-os, de certa forma, intocáveis. 


        O filme, então, volta para o momento em que aquela improvável contratação aconteceu. A fila de candidatos é filmada pelos pés e vemos sapatos clássicos, formais, ternos, maletas de couro; quando chega em Driss, ele está de tênis e moletom. Na entrevista, faz comentários do tipo: “ Mas vejo que o humor é como a música para você: Não conhece nada”. Quando Philippe pergunta o que o motiva (para o emprego), Driss responde, apontando com a cabeça para a secretária de Philippe: “Ela (Magali) é uma motivação”. Só quando pede para Philippe assinar o papel do seguro desemprego e este afirma:“não posso assinar nada agora”, é que Driss percebe a deficiência de Philippe. E este é o maior diferencial do enfermeiro. Ele não se compadece de Philippe e , muitas vezes, esquece que seu patrão é deficiente. Então, discutem de igual para igual. Em certo momento, Philippe questiona Driss: “Como é viver de seguro-desemprego? Não o incomoda viver à custa dos outros?” Ele responde: “Pergunto isso a  você.” No fundo, Philippe é esclarecido e se diverte com esta naturalidade do enfermeiro. Gosta principalmente do fato de Driss não sentir pena dele. Quando questionam Philippe sobre a estranha contratação, ele explica: “É o que eu quero. Nenhuma compaixão. Ele não tem dó de mim.” 


        Quando Driss vai para casa, conhecemos seu apartamento no subúrbio de Paris, pequeno, com  muita gente morando.  Seu banho não é privativo. O banheiro está cheio de crianças. O enfermeiro é muito grande para a banheira. Esta cena é uma importante cena de comparação. Quando vemos o banheiro privativo que ele terá na mansão, imediatamente associamos ao primeiro banheiro. A trilha incidental é “Ave Maria”.Não precisa mostrar mais nada. A diferença de vida dos dois é discrepante, mas, mais discrepante é a deficiência de um diante da destreza do outro. 


        O melhor do filme é mesmo a relação de Driss e Philippe. Há uma dinâmica muito interessante entre os dois, como quando, no avião particular do patrão, Driss comenta: “Não gosto muito disso...” Philippe  pergunta o motivo e o enfermeiro responde: “É que você não dá muita sorte. O voo, o acidente, sua mulher...Me lembra os Kennedy... Está acostumado com a tragédia. Eu não!.” E o fato de Driss afirmar não estar acostumado à tragédia, apesar de, em certa forma, ele viver uma, faz com que Philippe reveja a sua própria condição e, com isto, ganham os dois. 

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Deus da Carnificina


Branca Machado – 18/02/2012
        "O inferno pode ser uma sala de estar confortável e um casal insatisfeito", escreveu Edward Albee sobre sua peça "Quem Tem Medo de Virginia Woolf?. Podemos tirar esta mesma conclusão sobre  Deus da Carnificina de Roman Polanski.
         Também baseado em um peça de teatro, a ação do filme  desenrola-se na sala de estar de Penelope (Jodie Foster) e Michael (John C.Reily). Zachary, filho de Nancy (Kate Winslet) e Alan (Christoph Waltz) bateu em Ethan,  filho de Pen e Michael e, por isso, os casais resolveram se encontrar e resolver  a questão da forma mais cordata possível.
        Ao longo do filme, este encontro será desconstruído e, ao final, cada uma daquelas pessoas estará totalmente exposta. Polanski, a cada cena, tira camadas das  personalidades dos quatro personagens, E, aos poucos, eles revelam quem realmente são e o que verdadeiramente pensam. Uma verdadeira carnificina. O processo é devastador , mas absolutamente factível. 
        Pelos comentários iniciais, já percebemos que há uma tênue camada pronta a se quebrar naquela camaradagem aparente. Os pais de Zachary vão assinar um termo em que assumem que o filho agrediu Ethan. Leves rachaduras surgem no diálogo Há uma discussão sobre o uso das palavras “armado” ou “munido” com um bastão a respeito do modo como a agressão se deu. Depois, Penelope ainda comenta : “Que ironia! Sempre achei o Brooklyn Bridge Park tão seguro...”. As leves indiretas evoluem e Pen numa “distração” afirma que Zachary desfigurou o colega. Nancy não gosta: “Desfigurou?!”. Alan  também chama a atenção de que Pen fala “deveria” demais. 
        Ao longa daquela situação, a luz muda, o céu por trás da janela também. Entardece. A discussão adquire profundidade e chega ao subsolo. Os casais se unem para agredir ao outro e, depois, separam-se para agredirem-se mutuamente, até perceberem como são ridículos individualmente. Sem camadas, podemos ser muito feios. “ Estes personagens, atacando-se de um modo muitas vezes cruel, expõem também um lado comovente, apresentando-se, ao final, não como hienas com instintos predadores, mas sim como seres humanos com fragilidades, ilusões desfeitas e mágoas profundas.”. Este comentário é sobre a peça “Quem tem medo de Virginia Woolf?”, mas, novamente, é perfeito  para Deus da Carnificina. 


quarta-feira, 8 de agosto de 2012

A Dançarina e o Ladrão

Branca Machado – 19/06/2012






Vera, a professora de dança de Victoria, a bailarina, afirma sobre sua aluna para Angel, o ladrão: “No Teatro Municipal, só vão os cisnes, não as ratazanas.” Angel considera que Victoria só precisa ser descoberta. Sobre ela, afirma: “ É como um cisne que afogou o pescoço em um lago e não consegue levantá-lo.” Seu encantamento pela bailarina é tocante. Mas, desde o início, uma atmosfera trágica paira sobre o filme. Parece uma daquelas peças do balé de repertório com suas tristes histórias que começam bem como Lago dos Cisnes ou A Sílfide.

O ladrão é um personagem que nos encanta, faz rir, mas, ao mesmo tempo e numa dimensão maior, tememos por ele. O tempo todo prevemos que, com aquela simplicidade e inocência , fica muito difícil sobreviver. Ele, que estava preso há 03 anos, explica a Victoria: “Eu estava em um internato. Lá, aprende-se de tudo. Por exemplo: qual o melhor lugar para se enfiar uma faca? Aprende-se anatomia e código penal.”

Angel (Abel Ayala) e o veterano Vergara (Ricardo Darín) foram anistiados após a saída de Augusto Pinochet do poder. Vergara está disposto a abandonar o crime, mas Angel, que não o conhecia, procura “o mestre” para ajudá-lo em um golpe. Vergara sai da prisão bem intencionado mas vários fatos farão com que ele repense sua decisão. Um deles, sua própria fama. Logo na saída, o motorista de táxi que o conduz oferece: “É uma grande honra.... Desculpe a confiança, mas se tiver planejando algo...”. A sua família ( esposa e filho) já parece não ser mais a “sua família”. Fora isso, a persistência de Angel o comoverá.

Já Angel, no primeiro dia fora da prisão, conhece Victoria (Miranda Bodenhofer), uma jovem muda que sonha dançar no Teatro Municipal. Ele, buscará, a sua maneira, realizar o sonho da amada. Realizar o sonho dela passa a ser o sonho dele.

O filme possui aspectos fabulares em Angel e Victoria e alguns mais ligados à realidade no personagem de Vergara. Ela é como uma gata borralheira que um príncipe não lá muito ideal tentará salvar. Vergara não deixa de ser a fada madrinha desta história que, com todos os elementos para o final feliz, está sempre nos indicando o contrário.



domingo, 3 de junho de 2012

A Separação



"A separação” retrata um problema atual e cada vez mais comum entre os casais: o de cada um querer seguir um caminho e nenhum dos dois abrir mão dele. A primeira cena mostra uma audiência de divórcio iraniana. Logo, constatamos que se trata de uma família moderna para o país, já que Nader (Peyman Moaadi), o marido, concorda em conceder o divórcio à esposa, Simin (Leila Hatami).Ela quer sair do Irã e o visto que conseguiu para a família está expirando. Ele não quer ir para o exterior e deixar o pai (Ali-Asghar Shalbazi), que sofre de Alzheimer. Ambos possuem fortes argumentos para não ceder. Com um claro fundo político, ela diz que prefere que a filha não cresça “naquelas circunstâncias” e o confronta: “Seu pai não sabe que você é filho dele”. Ele conclui: “Mas eu sei que ele é meu pai!”. Um conflito sem um lado certo. Ou com dois lados certos.Em nenhum momento, somos induzidos a escolher um deles.

Nader, sem a esposa e com o pai doente, contrata Razieh (Sareh Bayat), uma religiosa mulher iraniana, para trabalhar em sua casa. Ela está grávida e o marido não sabe que está trabalhando fora. Um incidente envolverá o patrão e a empregada num conflito moral e religioso. Ele foi provocado por várias situações. Uma delas, claro, pela própria separação. Outra, por Nader insistir em ir trabalhar naquele dia. Ou ainda por que o marido de Razieh estava desempregado e preso por dever dinheiro.

O filme é entremeado de detalhes que dão profundidade aos personagens, como quando a empregada conta a Nader que seu pai havia urinado nas calças e ele comenta com uma expressão chateada: “Ele sempre pedia para ir ao banheiro...”. Ou, nesse mesmo episódio, antes de limpar o idoso, a empregada liga para um serviço de consulta religiosa e questiona se seria pecado se ela o trocasse. Em outro momento, Nader pede que a filha Termeh (Sarina Farhadi) peça a gorjeta de volta ao funcionário do posto. Ele a observa pelo retrovisor do carro e vemos o orgulho estampado no seu rosto. São particularidades que nós acompanhamos e os outros personagens, não. O diretor Asghar Farhadi amplia nosso contexto para que não seja fácil tomar partido na história.

"Eu sabia que ela estava grávida, mas não naquele momento”. Esta é a resposta que Nader dá para a sua filha quando ela o confronta sobre se ele realmente não sabia sobre a gravidez da empregada. Num momento de cólera, de forte emoção, ele poderia muito bem ter esquecido isso. Entendemos Nader. Uma série de situações levaram ao acontecido. É possível que as coisas chegassem naquele ponto. Ninguém é mal de fato. Cada um com suas qualidades, defeitos e, principalmente, razões. “A separação” é um filme muito próximo.



sexta-feira, 18 de maio de 2012

A Invenção de Hugo Cabret




Hugo Cabret (Asa Butterfield) tem uma forma interessante de pensar. Ele imagina que o mundo é uma grande máquina e, por isso, ele não poderia ser uma peça extra. Numa engrenagem, tudo tem uma função e a de Hugo não poderia ser mais encantadora. Em busca de consertar um autômato, atividade que seu pai deixou inacabada antes de morrer, Hugo vai reviver uma história que merece ser contada. A história de George Méliès (Ben Kingsley).

George Méliès, o cineasta precursor dos efeitos especiais que viu na imagem em movimento uma real forma de se contar histórias e uma oportunidade de fazer mágica e encantar, já estava esquecido quando Hugo o conheceu. Ao reformar o autômato, Hugo faz reviver Méliès. E, talvez, seja isso que Scorsese faça com o cinema e com o 3D neste filme. Aqui, este efeito é mais que um simples efeito. Scorsese faz mágica, encanta e cria uma finalidade para ele no discurso além de ser... 3D. Ele aproxima, assusta, emociona, diz. Como quando o guarda da estação se aproxima de Hugo para interrogá-lo e seu rosto se aproxima da gente tão ameaçador como deve ser para Hugo. Ou quando Isabelle (Chloe Grace Moretz) cai na estação e todas aquelas pessoas apressadas começam a atropelá-la. Sentimos o tumulto. Somos pisoteados também. Por causa do 3D, a profundidade de campo vem com mais camadas. Um bom exemplo disso é a bela cena em que temos Hugo em primeiro plano, olhando por uma grade, atrás dele, avistando o guarda conversando com o motorista do camburão e ainda mais ao fundo, a Torre Eiffel.

Tanto em “Hugo” quanto em “O artista” há sonhos incluídos. O cinema pode falar de sonho, mas pode também falar da realidade. O filme transita fácil entre esses dois extremos. Hugo assiste a realidade ao observar as pessoas que passam pela Gare du Nord, onde vive. Ao centrar sua trama numa estação de trem e pontuar as pequenas ações que acontecem ali por meio das observações do protagonista, Scorsese também homenageia os irmãos Lumière, que buscaram “capturar” o real com suas imagens.

Assistir ao “ A invenção de Hugo Cabret” é reviver o encantamento que os espectadores de Lumière e Méliès tiveram no início do século. É revalorizar uma arte e uma forma de discurso tão cheia de alternativas que se corre o risco de utilizá-los sem propósito. O livreiro, no filme, tem um propósito: “Mandar o livro a um bom lar”. Parece que o propósito de Scorsese é o mesmo.

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Os Descendentes

Os Descendentes (2012)



Li que a corrida de Matt King (George Clooney) em “Os descendentes” seria a antítese da corrida “tecnicamente perfeita” de Tom Cruise em Missão Impossível. Não há melhor descrição. A correria de Matt é desesperada. Uma corrida atrás do que se perdeu. Uma pressa que, muitas vezes, não é mais necessária. Ele já não se lembra da última vez em que buscou sua filha Scottie (Amara Miller) na escola. E não entende por que não comprou o barco que sua esposa Elizabeth King (Patricia Haste) tanto queria.

Elizabeth está entre a vida e a morte no hospital e Matt ,que sempre trabalhou demais, vê-se às voltas com suas filhas de 10 e 17 anos. De repente,ele começa a descobrir o que passou despercebido nos últimos anos. Sobre sua família, ele conclui, enquanto viaja pelo Havaí, onde mora: “Somos como um arquipélago. Cada um de nós é uma ilha, morando na mesma casa.”

Matt corre para esse tempo que não volta. Mas também corre para aquilo que pode recuperar; para o que ainda não viveu. E, aos poucos, poderá alcançar algumas “chegadas” pretendidas. Não todas, claro.

O protagonista, de imediato, esclarece que o Havaí não é o paraíso como todos pensam. Nenhum lugar é. Temos nossos dramas onde quer que estejamos, Havaí ou China; mar ou montanha. O que temos de fazer é prestar mais atenção ao que está em volta para não precisarmos correr demais quando o acaso intervir. Ao final, somos a quarta pessoa sentada na sala com Matt e as filhas. E isso nos faz tão bem quanto a ele.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

O Artista





Antes de mais nada, “O Artista” é uma grande homenagem ao cinema. Como “Cantando na chuva” e “Crepúsculo dos Deuses”, ele trabalha com a metalinguagem para nos contar a história da transição do cinema mudo para o falado e de como artistas de grande sucesso ficaram para trás nesse caminho. A diferença é que “O Artista” é um filme mudo. E, claro, pela própria lógica da evolução cinematográfica, preto e branco.

O filme tem início em 1927, na estreia de mais um filme de George Valentim (Jean Dujardin), grande astro do cinema mudo. Mais um tremendo sucesso. George, no auge de sua glória, agradece com vaidade. Na saída do teatro, Peppy Miller (Bérénice Bejo), uma aspirante a atriz, pede o autógrafo de seu ídolo. Seus caminhos se cruzarão durante toda a estória e, de certa forma, seus papéis se trocarão. Não por acaso, 1927 foi o ano de lançamento de “O cantor de Jazz”, o primeiro filme falado do cinema. Mais alguns anos e tudo mudará na dinâmica dessa indústria.

Em1929, o estúdio em que Valentim trabalha já não produzirá filmes mudos. Enquanto isso, George afirma que ninguém gostará das produções sonoras. Mais tarde, ele sonha que coloca um copo na penteadeira e ouve seu vidro, batendo na madeira. Ele começa a perceber o som das coisas, a sonoplastia, como é que tudo tem som: o vento nas plantas, o riso das pessoas. E, principalmente no cinema, uma pena chegando ao chão pode ter o som de uma bomba explodindo.

E é exatamente como uma bomba que o som atinge a carreira de Valentim. Ele não quer mudar. Tudo o que construiu está no cinema mudo. Enquanto isso, a evolução da carreira de Peppy Miller é demonstrada por uma sucessão de letreiros de filmes nos quais a atriz trabalhou. Seu nome vai subindo de posição e ela já não faz mais “a garota”, mas a “Mrs. X”. Até que seu nome é apresentado sozinho. Peppy sobe. George desce. Na cena em que eles se encontram no estúdio, ela está acima dele na escada, claramente, numa posição de ascensão

Sem falar nada, o diretor Michel Hazanavicius   nos disse tudo. E assim é, muitas vezes, durante o filme. Quando George lança o longa que insistiu em produzir em tempos de cinema falado, o filme dentro do filme reflete a história de “O Artista”. O herói afunda na areia movediça. A heroína não pode salvá-lo. Quando Peppy observa Valentim atravessando a rua após uma ocasião particularmente triste, há, ao fundo, um teatro que anuncia “Estrela Solitária”. Naquele momento, tal descrição serve tanto para ele, quanto para ela.

“O Artista” não é saudosista. Essa evolução é natural e adaptar-se,  sinal de amadurecimento. Com o som, vieram os musicais. E esta é a cereja do bolo deste filme encantador.