sábado, 7 de fevereiro de 2015

Relatos Selvagens (2014)

Branca Machado – 18/01/2015



O cinema, além de vários outros aspectos, funciona como uma ferramenta para que o espectador experimente aquilo que não pode realizar na vida real devido a limites, leis, moral, superego, entre outros. A arte, muitas vezes, proporciona este escape. Os protagonistas de Relatos Selvagens, de certa forma, representam-nos. E esta identificação faz com que a gente se sinta atendido pela narrativa. 

Candidato ao Oscar 2015 de melhor filme estrangeiro, o longa argentino, dirigido por Damián Szifron, mostra 06 episódios nos quais os personagens extrapolam. Quando todos teriam parado, eles continuam. E isso é, ao mesmo tempo, prazeroso e chocante. Alguns episódios remetem a Um dia de Fúria (1993), de Joel Schumacher, no qual Michael Douglas vive situações de stress corriqueiras nas grandes cidades, mas que, juntas, são o gatilho para que ele saia do sério e cometa ações como largar o carro no meio de um engarrafamento, ou, destruir uma cabine telefônica porque o telefone engoliu sua ficha. Outro relato lembra Encurralado (1971), de Spielberg, no qual um homem dirige seu carro pelas estradas da Califórnia, quando começa a ser perseguido por um caminhão gigantesco, que parece querer brincar com ele perigosamente na estrada. Três deles tratam da vingança: a da mulher traída, a do homem que cresceu recalcado e a da criança que se tornou adulta e se encontra com o algoz dos seus pais, que está numa posição particularmente vulnerável. Também não podia faltar um clássico sobre a burocracia do serviço público e a incapacidade do cidadão de escapar dela. Há episódios melhores que outros, mas todos mantêm a qualidade narrativa e prendem nossa atenção. 

Ao longo dos relatos, escutamos diálogos como o da garçonete e o da cozinheira, no qual a garçonete comenta: “Ele é candidato a prefeito. Acredita?” E a cozinheira responde: “Como não acreditar, se são os filhos da p. que governam o mundo?”. Ou como aquele do cidadão que teve o carro rebocado e multado que afirma para o funcionário do departamento de trânsito: “Os que trabalham para delinqüentes são delinqüentes também, empregados desse sistema corrupto.” Tais diálogos sugerem que estamos diante de personagens prestes a explodir diante de um contexto “injusto” e, assim, a reação deles seria “justa”. 

A abertura do filme apresenta uma série de imagens de animais selvagens. Numa associação com aqueles personagens que basicamente agirão pelos instintos. Relatos Selvagens é um retrato do que faríamos sem nossas regras e limites. É bom de ver, mas não tão bom de fazer. A sensação, ao assistir aos episódios, mistura realização com uma certa expiação. Rimos, nervosos, com as atitudes dos personagens. Pensamos “Não...Agora chega... Não acredito que ele vai fazer isso!”. Saímos do cinema e vamos para casa, achando melhor não buzinar para o carro da frente, ou brigar por aquilo que não tem solução. Deixa isso para o filme. Qualquer coisa, a gente assiste de novo.