quarta-feira, 4 de novembro de 2020

Rebecca – A Mulher Inesquecível (Netflix, 2020)

 

Rebecca – A Mulher Inesquecível mal estreou no Netflix e já é sucesso. A adaptação feita pelo streaming  está no Top 10 do canal. Baseada no romance homônimo de Daphne du Maurier, a história traz uma jovem humilde (Lily James) que se casa com Max de Winter (Armie Hammer), um lord inglês. Depois de se conhecerem e rapidamente se apaixonarem, a moça se muda para Manderley, a mansão do marido na Inglaterra. A propriedade está na família há mais de 300 anos e foi um presente de Henrique VIII para a família Winter. Só isso já cria um sentimento de não pertencimento à nova senhora; que, em  nenhum momento, tem seu primeiro nome revelado e é chamada por todos de Sra Winter. Rebecca é o nome da primeira esposa de Max. Onipresente, mesmo depois de sua morte, de alguma forma sua lembrança subjuga e inferioriza a nova dona da casa. E a falta da menção a seu primeiro nome simboliza bem este domínio.

Muito desta atmosfera sufocante se deve à governanta de Manderley, a Sra Danvers (Kristin Scott Thomas),  que venera Rebecca de uma forma doentia. Muitas vezes, não entendemos a postura de Max que parece amar ainda sua falecida esposa e não se importa com a forma com que sua nova esposa é recebida na mansão. Por que, então, ele se casou novamente? O que sabemos é que Rebecca morreu misteriosamente e Max não fala sobre o assunto. Suas motivações são desconhecidas. Ao longo da trama, vamos percebendo que nem tudo é o que parece. E a nova senhora Winter se fortalece diante dos recentes fatos. Na medida em que o mito de Rebecca se desfaz, a heroína ganha forças.

Deste modo, o filme passa por três fases bem diferentes: o romance elegante em Monte Carlo; o suspense misterioso em Manderley; e a imposição da nova senhora Winter. É um filme elegante, que nos instiga, mas não chegamos a nos cativar pelos personagens. Como afirma a Sra. Danvers para a protagonista: "Estamos na Inglaterra. Controle as emoções.".

Esta mesma história foi o tema do primeiro filme americano de Alfred Hitchcock, que ganhou o Oscar de melhor filme de 1940.  O diretor dizia que a obra de Du Maurier não tinha nenhum humor, mas possuía o mérito da simplicidade. Os protagonistas de sua adaptação foram Joan Fontaine e Laurence Olivier. Alguns aspectos plásticos do filme são mantidos nesta adaptação do Netflix como a montagem com um rosto imóvel e um outro rosto que o aterroriza ou a presença da vítima e do carrasco na mesma cena. Por sua vez, Hitchcock fez uma Sra. Danvers que não andava. A Sra Winter ouvia um barulho, e a Sra Danvers já estava ali, em pé, sem se mexer. O diretor optou por essa solução pois queria mostrar o ponto de vista da heroína: ela nunca sabia onde a governanta estava e isto era mais aterrorizante.  

Sobre a versão de Hitchcock, François Truffaut comentou: "Nesse filme, a situação psicológica sobrepõe-se a tudo e presta-se pouca atenção nas cenas explicativas, justamente porque não afetam essa situação.". A afirmação serve também para a adaptação do Netflix. Trata-se de uma obra em que o foco está na transformação dos personagens, em como são subjugados pelos fatos e pelos mitos que se criam. E, quando finalmente se desconstrói o mito, percebemos que a força pode surgir de onde menos se espera.