quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Uma loura por 01 milhão (1966)



               
Branca Machado – 07/08/2014


     Na entrada da sala Humberto Mauro, para assistir a um dos filmes da Mostra Billy Wilder: Gênio do Sistema, ouvi o seguinte comentário: “Uma loura por 01 milhão... Deve ser com a Marilyn... Com um nome desses, só pode ser com ela!” Na verdade, o filme não é com a atriz e seu nome original é The Fortune Cookie  (O Biscoito da Sorte).
    A suposição da espectadora não foi sem motivo. O diretor trabalhou com Marilyn em “Quanto mais quente melhor”  e “O pecado mora ao lado” e conseguiu o melhor dela. Quando alguém pensa em Marilyn como atriz, pensa em primeiro lugar nos papéis que interpretou com Wilder.  Mas este filme não era para ela. A loura em questão é maliciosa (não “tolinha”), fria (não sentimental), vulgar (não sensual).  Como afirmou Natalie Wood: “Quando a gente vê Marilyn na tela, deseja que tudo vá bem com ela; que seja feliz.” Definitivamente, não é esse o sentimento que o diretor queria que tivéssemos pela loura do filme. 
   O filme possui alguns aspectos da filmografia de Wilder como o tema da farsa que se volta sobre o próprio farsante e o uso da comédia para tocar em assuntos sérios e relevantes. Trata-se do primeiro dos dez filmes em que Jack Lemmon contracena com Walter Matthau.  Ele é dividido em capítulos cujo primeiro trata do acidente que dará início a toda a trama. Harry Hinkle (Jack Lemmon) é um cinegrafista que filma uma partida de futebol americano. Em certo momento do jogo,  um jogador corre em sua direção, esbarra nele, que é empurrado com força e desmaia. Hinkle é levado para o hospital e não tem nada demais, mas seu cunhado Willie Gingrich (Walter Matthau) o convence a processar o estádio e o time. Para isso, ele deve fingir que não consegue andar e que alguns dedos de sua mão esquerda estão dormentes. Esta farsa é o motivo para gags hilárias de Jack Lemmon. Há uma cena em que ele fuma com o cigarro entre os dedos anelar e mindinho de sua mão esquerda, já que os outros estão “dormentes”.
   Walter Matthaw é o advogado que fará qualquer coisa para ganhar a causa e cujas falas são o melhor do filme. Não à toa, ele ganhou o Oscar de melhor ator coadjuvante pelo papel. Sobre Willie, alguém comenta: “Ele é capaz de encontrar brechas nos Dez Mandamentos...”. Quando seus filhos andam de skate pelos corredores do hospital e sua esposa os recrimina por isso, ele observa: “Deixe para lá, se forem quebrar uma perna, este é o lugar certo para se fazer isto”. Ainda no hospital, seus filhos pedem uma moeda para doar para a causa das mães solteiras, ele, então, entrega a moeda e comenta: “Mães solteiras? Sou a favor!”. Quando Hinkle afirma que não vai levantar um dedo para continuar com aquela farsa. Ele replica: “É isso mesmo que eu preciso: que você não levante um dedo!” Há muitos diálogos como este no filme, nos quais identificamos o ácido humor de Billy Wilder na boa interpretação de Matthaw.
   Hinkle só havia topado aquela encenação por amor, já que Sandi Hinkle (Judi West), sua ex-mulher e a loura em questão, voltou assim que soube do acidente e, principalmente, do processo. Quando ele percebe que as intenções dela não são nenhuma daquelas que, a princípio, imaginou, ele retorna ao que considera certo. Em determinado momento, o protagonista provou um biscoito da sorte com a seguinte mensagem: “Você pode enganar algumas pessoas o tempo todo ou todas as pessoas durante algum tempo, mas você não pode enganar todas as pessoas o tempo todo”.  Supomos que o aviso é uma antecipação sobre o que acontecerá com a farsa de Harry e Willie mas, ao que parece, esta mensagem era para a “loura”  e coube a Hinkle dar esta lição para ela.