terça-feira, 2 de março de 2010

Amor sem Escalas (Up in the air)

Branca Moura Machado, 02/03/2010



“O que vocês carregam na mochila?”. Este é o tema da palestra de Ryan Bingham (George Clooney) em Amor sem Escalas. Ele propõe um exercício: “Comecem pelas coisas que vocês têm em casa, nas prateleiras e gavetas... Está ficando pesado não está? Agora, pensem nos relacionamentos... A alça está se desfazendo? Acordar de manhã sem nada... É excitante, não é?” Para Ryan, mover-se é viver. E bagagem, incluindo lembranças e pessoas para quem voltar, um peso a mais.
A cena inicial focaliza o rosto de várias pessoas sendo demitidas e suas reações. Para muitos, ser demitido causa “o mesmo estresse que uma morte na família”. Um deles pergunta para o interlocutor do outro lado da mesa: “Que merda é você?” Ele, então, dirige-se ao espectador em off : “Que merda eu sou?”. Finalmente, aparece Ryan do outro lado da mesa: “Para me conhecer, voe comigo. É aqui que eu vivo.”
A partir daí, assistimos a uma eficiente montagem na qual o protagonista surge, arrumando a mala, fazendo o check in e passando pelo detector de metais com extrema habilidade. Ele não tem dificuldades em aeroportos, nada o pega de surpresa. Ali, é sua área. Ryan é um consultor que passa a vida viajando para demitir pessoas cujos chefes não têm a coragem de fazê-lo. No ano anterior, ele viajou por 322 dias. O que, para ele, significa que passou 43 miseráveis dias em casa.
A dinâmica de Ryan é abalada quando Natalie Kreemer (Anna Kendrick) é contratada para reestruturar a empresa. Ela apresenta um novo conceito, o “Glocal”: Global - Local. A ideia é cortar os custos, realizando demissões por videoconferência. Ryan, claro, detesta a inovação.
A discussão entre Natalie e o protagonista sobre essa reestruturação sinaliza a dinâmica entre os dois no restante do filme. Ele a testa, pede para ela fingir que vai demiti-lo. Na simulação, levanta e diz que vai falar com seu chefe, ela tenta ir atrás; ele conclui: “não pode fazer isto pelo vídeo!”. Natalie tem muito que aprender com a experiência de Ryan. Então, sai em viagem com ele. Ao longo dessa convivência, a personagem faz algo importante com o protagonista: ela o questiona.
Ao mesmo tempo, Ryan conhece Alex (Vera Farmiga) no bar de um hotel, em uma de suas viagens. Conversam sobre empresas de aluguéis de carros, competem sobre quantas milhas acumulam por ano: Ela, 06 mil milhas. Ele, “não quer se vangloriar...”. Os dois são muito parecidos e iniciam um romance pontual. Se coincide de trabalharem numa mesma cidade em um mesmo período, encontram-se. A convivência entre Natalie, Ryan e Alex irá transformá-lo de uma forma inesperada.
É interessante observar os três personagens juntos. Eles são inteligentes, perspicazes. E fazem de seus diálogos uma espécie de jogo. Como quando Ryan questiona Natalie: “Ele terminou com você por um torpedo?” E acrescenta, sarcástico: “É a mesma coisa de demitir alguém pelo vídeo!”. Ou, quando Natalie fala para Alex: “Você é tão linda. É exatamente como eu quero ser daqui a 15 anos!”. Ou ainda, quando Alex questiona Ryan: “Sr. Mochila Vazia, você odeia as pessoas ou a bagagem que vem com elas?”.
Assistimos a um personagem tão afeito às suas teorias ser confrontado, obrigado a refletir. A experiência serve para todos nós que muitas vezes nos agarramos tanto a um princípio ou modo de ser que não percebemos o quanto ele nos obriga a viver de um jeito só. Acordar de manhã com opções é mais excitante ainda.