sexta-feira, 22 de março de 2013

Django Livre


Branca Machado – 12/03/2013

 
        Orson Welles considerava que fazer filmes é ter um olhar sobre o que se quer mostrar. Neste sentido, o olhar de Quentin Tarantino está cada vez melhor. O diretor sabe exatamente o que quer mostrar em Django Livre. Sua premissa é a vingança. Muitos filmes do diretor tratam do tema. E os mais recentes tratam de vinganças universais, que trazem uma aproximação ainda maior da plateia com a trama. Em Bastardos Inglórios, judeus contra nazistas. Em Django Livre, escravos negros contra seus senhores brancos.
        Tarantino personaliza o tema com personagens emblemáticos. No filme, convivemos com Django (Jamie Foxx), o escravo que dá nome à obra, e seu proprietário, King Schultz  (Christoph Waltz) , um caçador de recompensas. Acompanhamos a trajetória dessa inusitada dupla durante uma obra bonita de se ver, repleta de referências cinematográficas (western , blaxploitation ) e trilha sonora adequada. Não é por acaso que Django é também o nome de um filme italiano de 1966, dirigido por Sergio Corbucci; a obra é um dos melhores exemplos do gênero western spaghetti, com trilha sonora agitada, duelos de armas e um anti-herói de poucas palavras.
Os filmes de Tarantino ao mesmo tempo que homenageiam a narrativa clássica, transgridem-na. Seus filmes são modernos, pop e ao mesmo tempo clássicos. A quebra da linearidade da história, diálogos inusitados que rodeiam o que realmente está sendo tratado, a violência exagerada e abrupta; são alguns dos recursos utilizados pelo diretor e que  funcionam praticamente como sua assinatura. Em uma das sequências, ocorre uma discussão entre os membros da Ku Klux Klan sobre o capuz que lhes é característico. A máscara não está permitindo que eles enxerguem direito, pois seus furos não foram bem feitos. Um dos membros se ofende, já que sua esposa passou o dia trabalhando naqueles capuzes. Alguém, então, pergunta: “ A gente tem mesmo que usá-los?” E o fazendeiro que comanda o ataque “Se não usá-lo, perde o propósito”. A discussão quase faz com que o grupo desista do ataque e retrata, de forma satírica, o quanto é ridícula a mentalidade destes grupos secretos que resolvem colocar um capuz ou algo que se equivalha e se insurgir contra pessoas de quem se consideram superior.
O pano de fundo é  o período da escravidão no sul dos Estados Unidos, assunto raramente tratado nos filmes americanos. Pelo menos, sob este olhar crítico realizado pelo diretor que é também o roteirista.  Tarantino, inclusive, ganhou o Oscar de roteiro original pelo filme. Django, após ser libertado por Schultz, decide acompanhar o caçador de recompensas: “Você quer dizer que vou matar brancos e ainda ganhar dinheiro com isso?”. Após a “temporada de caça”, será a vez de Schultz acompanhar Django na busca por sua esposa Broomhilda (Kerry Washington) que foi vendida a Candie (Leonardo DiCaprio), o dono de "Candyland", uma plantação famosa que treina os escravos locais para a luta. Candie é a caricatura dos senhores de escravos. Toda ação do fazendeiro é exagerada. Todos seus castigos vão além.
O nosso horror vai num crescendo que, quando o massacre acontece, estamos torcendo por ele. E a violência fica tão plástica que deixa de parecer real. Esta violência choca, mas transcende pela forma com que a trama evolui e a maneira com que o diretor a mostra. De tão literal, ela sublima. De tão plástica, ela torna-se falsa. E, de qualquer forma que apareça, a vingança é sempre um tema fascinante. Nas mãos de Tarantino, torna-se original. Todas as vezes.