segunda-feira, 23 de dezembro de 2019

Um dia de Chuva em Nova York

Um dia de chuva em Nova York é um ótimo filme para  se assistir numa tarde... chuvosa. Da linha leve de Woddy Allen, ele nos leva para uma Nova York exuberante, linda e de extremo bom gosto. Os diálogos sarcásticos estão lá, o alter ego do diretor está lá, a hipocondria e a neurose estão lá, mas o filme traz uma qualidade extra na qual o diretor tem se concentrado ultimamente: a estética.
Em sua parceria com o diretor de fotografia Vittorio Storaro,  formada desde 2016, Allen constrói em seu filme o que o crítico Sihan Felix  do site "Canaltech"  chamou de "esculturas de luz no mundo de Allen": "Alguns closes em Gatsby (Thimothée Chalamet) e especialmente em Ashleigh (Elle Fanning) transformam o casal em esculturas angelicais", descreve Sihan. Esta preocupação trouxe às obras mais recentes do diretor um acabamento que não tinham antes. E isto traz um prazer maior em assisti-los. São cenas lindas e bem construídas, nas quais a fotografia também traz significado. 
   Tarde de chuva em NY começa com Gatsby e Ashleigh decidindo passar um fim de semana romântico em Manhatan. Gatsby acaba de ganhar um bom dinheiro no pôquer e Ashleigh, aspirante a jornalista, conseguiu uma entrevista com o famoso diretor de cinema Roland Pollard (Liev Schreiber).
   Ocorre que o fim de semana não acontece da maneira que  Gatsby planejou,  já que, de uma entrevista prevista para durar 01 hora,  Ashleigh é convidada pelo diretor para a exibição de seu mais recente trabalho e passa a seguir um roteiro completamente diferente do percorrido pelo namorado naquela tarde. Acompanhamos o caminho dos dois paralelamente. E, por incrível que pareça, não torcemos para que os dois se reencontrem logo. Queremos acompanhar mais daquelas trajetórias repartidas.
    Naquela tarde, Ashleigh conhecerá um diretor, um roteirista e um ator muito famosos. E Gatsby contracenerá com a irmã de sua ex namorada, Chan (Selena Gomez) em uma cena que está sendo gravada no Soho. Ao longo da trama, escutamos comentários irõnicos e que são a marca do diretor. Como quando Gatsby comenta: "Emy é bonita" e seu amigo retruca: "Para quem gosta de Grace Kelly..."; ou, quando o protagonista reflete sobre a atração das mulheres por homens mais velhos: "Não sei o que há de tão charmoso na perda de memória recente...". 
   Conforme a sinopse do filme descreve, este dia de chuva em Nova York será o suficiente para fazer com que Ashleigh redescubra suas paixões e Gatsby aprenda que só se vive uma vez. Citando a personagem de Chan, ao analisar certa atitude de Gatsby,  ele está em um 6, mas, até a primavera, chegará ao 10, podemos dizer que Allen já esteve várias vezes no 10 e que, neste filme, está no sete. Mas no sete dele. Há certos diretores a que eu vou assistir sem medo de errar. Para mim, seus filmes  já são acima da média. Woody Allen é um deles. Nesta lista, coloco também Billy Wilder, Almodóvar, Hitichcock, Milos Forman, Tarantino; só para citar alguns. É sempre reconfortante  saber que posso contar com eles em uma tarde chuvosa. 

sexta-feira, 6 de dezembro de 2019

Coringa

 Coringa não é um filme de super heróis e também não é um filme sobre um vilão. Pelo menos, não um desses que estamos acostumados a ver nestes já citados filmes de heróis; que se tornaram um gênero. O fato de ser o Coringa acrescenta um contexto ao filme. Mas, se fosse a primeira vez que ouvíssemos falar dele, o filme nos impactaria. Não sairíamos indiferentes do cinema.
Esta versão do personagem, interpretada de forma brilhante por Joaquin Phoenix, não tem a autoestima elevada e nem é um poderoso vilão que acha que pode destruir o mundo. Muito pelo contrário. Ele sofre e não está nada confortável em sua pele. Talvez, por isso, goste tanto de se maquiar. Em determinado momento, Arthur Fleck (Joaquin Phoenix), afirma: “Só espero que minha morte tenha mais sentido que minha vida”.  E comenta com a assistente social: “É impressão minha ou o mundo está ficando maluco?”. Realmente, a Gothan City retratada não possui cidadãos muito diferentes do vilão.  Dirigido por Todd Philips, o longa se passa numa Gotham inspirada na Nova York dos anos 70. E não é só essa inspiração que percebemos, Philips também reverencia os filmes de Scorsese, principalmente Taxi Driver. Trata-se de uma abordagem nostálgica, incômoda e, sombria.
O irônico é que o filme está todo o tempo se remetendo às comédias. É tudo baseado no sorriso, mas não há um momento feliz. Mesmo nos delírios de Arthur, a atmosfera é lúgubre. Há sempre uma contradição, uma incoerência, entre a mensagem, a trilha sonora, os programas a que o personagem assiste, as risadinhas típicas de tais programas, a expressão dele, a carreira de comediante almejada e o que assistimos.
E este contraponto reforça o nosso incômodo. Temos Chaplin na tela e na trilha sonora, mas a nossa reação é inversa. É estranho ver  Chaplin ali. Não por acaso, o personagem sofre de um distúrbio mental que o faz rir ou, até mesmo, gargalhar nos momentos mais inapropriados. Não sabemos se, em algum momento, ele acha graça com sinceridade. As pessoas o criticam, falam coisas desagradáveis, e ele gargalha com a  câmera nele. Aquela gargalhada soa como um grande lamento. Este paradoxo é resumido na seguinte reflexão de Arthur: "Eu achava que minha vida era uma tragédia, mas eu descobri que é uma puta comédia.". 
 Com isto, Coringa acaba por abordar um tema bastante atual. O protagonista comenta:  “É tão difícil ser feliz o tempo todo...”. As redes sociais trouxeram este drama/obrigação para as pessoas: ser feliz/perfeito/bonito o tempo todo. Ninguém é, mas precisa parecer ser e isto é muito difícil. De certa forma, a síndrome do personagem está se tornando endêmica e precisamos parar e pensar sobre isto. Vale errar. Vale ficar triste. Vale não sorrir o tempo todo. Mas, quando o fizermos, vamos sorrir  de verdade.