sexta-feira, 6 de dezembro de 2019

Coringa

 Coringa não é um filme de super heróis e também não é um filme sobre um vilão. Pelo menos, não um desses que estamos acostumados a ver nestes já citados filmes de heróis; que se tornaram um gênero. O fato de ser o Coringa acrescenta um contexto ao filme. Mas, se fosse a primeira vez que ouvíssemos falar dele, o filme nos impactaria. Não sairíamos indiferentes do cinema.
Esta versão do personagem, interpretada de forma brilhante por Joaquin Phoenix, não tem a autoestima elevada e nem é um poderoso vilão que acha que pode destruir o mundo. Muito pelo contrário. Ele sofre e não está nada confortável em sua pele. Talvez, por isso, goste tanto de se maquiar. Em determinado momento, Arthur Fleck (Joaquin Phoenix), afirma: “Só espero que minha morte tenha mais sentido que minha vida”.  E comenta com a assistente social: “É impressão minha ou o mundo está ficando maluco?”. Realmente, a Gothan City retratada não possui cidadãos muito diferentes do vilão.  Dirigido por Todd Philips, o longa se passa numa Gotham inspirada na Nova York dos anos 70. E não é só essa inspiração que percebemos, Philips também reverencia os filmes de Scorsese, principalmente Taxi Driver. Trata-se de uma abordagem nostálgica, incômoda e, sombria.
O irônico é que o filme está todo o tempo se remetendo às comédias. É tudo baseado no sorriso, mas não há um momento feliz. Mesmo nos delírios de Arthur, a atmosfera é lúgubre. Há sempre uma contradição, uma incoerência, entre a mensagem, a trilha sonora, os programas a que o personagem assiste, as risadinhas típicas de tais programas, a expressão dele, a carreira de comediante almejada e o que assistimos.
E este contraponto reforça o nosso incômodo. Temos Chaplin na tela e na trilha sonora, mas a nossa reação é inversa. É estranho ver  Chaplin ali. Não por acaso, o personagem sofre de um distúrbio mental que o faz rir ou, até mesmo, gargalhar nos momentos mais inapropriados. Não sabemos se, em algum momento, ele acha graça com sinceridade. As pessoas o criticam, falam coisas desagradáveis, e ele gargalha com a  câmera nele. Aquela gargalhada soa como um grande lamento. Este paradoxo é resumido na seguinte reflexão de Arthur: "Eu achava que minha vida era uma tragédia, mas eu descobri que é uma puta comédia.". 
 Com isto, Coringa acaba por abordar um tema bastante atual. O protagonista comenta:  “É tão difícil ser feliz o tempo todo...”. As redes sociais trouxeram este drama/obrigação para as pessoas: ser feliz/perfeito/bonito o tempo todo. Ninguém é, mas precisa parecer ser e isto é muito difícil. De certa forma, a síndrome do personagem está se tornando endêmica e precisamos parar e pensar sobre isto. Vale errar. Vale ficar triste. Vale não sorrir o tempo todo. Mas, quando o fizermos, vamos sorrir  de verdade.

Um comentário:

  1. Eu assisti o filme sem a imagem do Coringa super vilão... confesso que, realmente, ele nos remete para um lugar pouco frequentado... o nosso interior... e abre nossos olhos para a realidade do interior do outro... adorei o comentário!

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