quinta-feira, 6 de julho de 2023

Sementes Podres


Na segunda visita que realizei à Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (Apac) feminina em Belo Horizonte no mês de junho, as recuperandas estavam em aula e assistiam ao filme Sementes Podres por meio de um projetor que havia sido recentemente doado à Associação por nosso representante de Cidadania Fiscal, Sérgio Mascarenhas. Por diversos motivos, fiquei muito tocada com aquele momento. Mas, especialmente, por saber que, agora, filmes entrarão naquelas salas. Fiquei também curiosa para descobrir por que o professor havia selecionado aquela produção para uma aula. Então, assisti e entendi tudo.

O filme é uma produção da Netflix de 2017, dirigido por por Kheiron e protagonizado por ele e Catherine Deneuve. Ele conta a história de Wael (Kheiron), de origem iraniana e atormentado por um passado sofrido, que se tornou um trapaceiro de pequenos golpes realizados com sua mãe adotiva Monique (Deneuve). Ao longo da história, Wael, por meio de Monique, passará a ser mentor de um grupo de estudantes com dificuldades.

Logo no início, uma legenda na tela preta cita Victor Hugo "Não há ervas daninhas, nem homens, nem mulheres. Há sim, maus cultivadores". De imediato, lembrei-me da frase que seria, segundo o próprio coordenador, a mais importante da Apac: "Aqui entra a mulher, o delito fica lá fora”. Talvez, por isto, a palavra recuperanda seja a melhor para descrever aquelas pessoas que cumprem pena ali. A Apac busca ser uma boa cultivadora e é muito gratificante saber que a Sexta Região está colaborando neste cultivo.

Wael perdeu sua família quando criança em um ataque na guerra entre muçulmanos e cristãos. Aprendeu a se virar muito pequeno. E o filme entremeia situações do seu passado com o presente, realizando ligações diretas sobre como um influenciou o outro. Wael aplica pequenos golpes. Monique explica para Vítor (André Dussolier): “Prefiro isto a vê-lo atrás das grades”.

De certa forma, é isto que Vítor almeja também, mas de um jeito certo. Ele é diretor de uma Associação de jovens e precisa urgentemente de um instrutor para alunos que foram expulsos de suas escolas. Monique oferece Wael. Vítor aceita e apresenta o desafio: “Eles só são obrigados a aparecer no primeiro dia. Você precisa fazê-los voltar”.

Antes de Wael começar, o diretor enfatiza: "Se se comportarem mal, lembre-se de que jovens problemáticos são jovens com problemas". Aquilo é real. Há um motivo por trás daquele comportamento que é muito mais que uma explicação fácil do "pau que nasce torto, nunca se endireita". Wael sabe disso. É um deles. E, ao longo da projeção, fica fácil entender por que ele acaba sendo bem-sucedido como instrutor daquele grupo.

Em determinado momento, Victor explica para Monique que “alunos são muito caros” e ela observa: “o mesmo vale para prisioneiros”. A questão é uma mudança de olhar. Sementes Podres traz diversas reflexões sobre raízes, conflitos, chances e formas de recuperação. Espero que ele tenha inspirado as alunas naquela sala de aula. Espero que ele inspire também novas chances e um novo olhar de pessoas sobre outras pessoas.