terça-feira, 20 de dezembro de 2016

Elis



                                                                                                                                                Branca Moura Machado

Quando Elis Regina morreu, eu era bem nova. Não acompanhei seu sucesso, mas me lembro de que foi a primeira vez que vi minha mãe chorar. Aos poucos, fui percebendo a importância da cantora para a música popular brasileira e sei cantar muitas de suas músicas; também por influência dos meus pais. Assim, não é à toa que o filme começa com a interpretação de Elis (Andréia Horta) da música “Como nossos pais”. Vemos a atriz de perfil, braços, bocas, e olhos bem abertos; gestos e expressões que marcaram a cantora. Como a cantora afirmou a Ronaldo Bôscoli (Gustavo Machado): “Essa sua Bossa Nova, esse negócio de cantar para dentro, para depois sair um fiapo de voz - não é comigo não. Eu canto para fora!”.
Acompanhamos a chegada de Elis ao Rio em abril de 1964 junto com seu pai para gravar um disco para o qual foi convidada, quando ainda cantava em Porto Alegre. Elis cantava desde os 13 anos e adorava o que fazia. Seu pai  trabalhava como empresário e ela praticamente sustentava a família com seu canto. No Rio, a cantora não chegou a gravar o disco, mas começou a cantar na boate Monsieur Pujol, cujo proprietário era Miéle (Lucio Mauro Filho) e não parou mais. Foi lá também que ela conheceu Bôscoli, jornalista, produtor musical e sócio de Miéle. A dinâmica da relação entre eles dita o ritmo da primeira parte do filme. Bôscoli era namorado da Nara Leão, da Maysa, da corista; enfim do Rio de Janeiro todo... Mas, a princípio, não se deu bem com Elis. Ao conhecê-la, desdenhou seu talento para, depois, render-se a ele. Do mesmo modo, ela não gostou daquele homem arrogante, mas acabou cedendo a seu charme. Foi ele que ensinou a Elis que a emoção da cantora tem que estar a serviço da intenção da letra. A relação entre os dois foi intensa e, de muitas formas, fez Elis amadurecer e marcou toda a sua trajetória. Esta cantora madura e atormentada toma conta da segunda fase do longa.
As interpretações de Elis durante o filme descrevem os momentos de sua vida. Como quando ela se separa de Bôscoli e a assistimos interpretar “Atrás da porta”. Percebemos na cantora uma alma naturalmente inquieta e que só piorou ao ter contato com álcool e drogas. Andréia Horta interpreta de forma brilhante essa mulher de personalidade forte, sorriso fácil, enorme sensibilidade e voz inigualável; mas que criou um círculo paranoico que não foi capaz de quebrar. Conforme seu segundo marido, César Camargo Mariano (Caco Ciocler), resumiu: “Seu problema é que você não sabe o que você quer.”. O primeiro teste que Elis fez no Rio foi para protagonista da peça “Pobre menina rica”. E, de certa forma, foi isso que ela se tornou. O filme retrata a evolução do talento e da tensão dessa cantora que se cansou de ter que ser perfeita; mas que também não deu conta de não ser... Quanto a nós, fica o pesar de perdê-la tão precocemente.

quarta-feira, 30 de novembro de 2016

A luz entre os oceanos

Branca Moura Machado

No início de “A Luz entre os Oceanos”, ouvimos o som do mar e assistimos a Tom Sherbourne (Michael Fassbender) assumir um novo emprego. O fundo sonoro já nos indica seu futuro profissional. E a breve entrevista serve para contextualizar a plateia das dificuldades de sua nova atividade. Ele ficará totalmente solitário por períodos de 03 ou mais meses para cuidar de um farol na Ilha de Janus, na Austrália. Estará a serviço da marinha britânica. Descobrimos também que Tom é solteiro, veterano da Primeira Guerra, e que, a princípio, seu serviço será temporário; já que seu empregador prefere um funcionário que tenha uma família. O personagem explica por que quer trabalhar no Farol: “Só estou querendo fugir das coisas por um tempo.” E o oficial enfatiza: “Aquela ilha não é fácil... Você será o único ser vivo a 160 km em todas as direções.” A partir daí, acompanharemos sua rotina na ilha e o grau de isolamento em que ele vive. Apesar da solidão, Tom se adapta com tranquilidade: “06 meses não são nada. Se não ficar esperando algo acontecer.”.
Durante um retorno do personagem ao continente, ele conhece Isabel (Alicia Vikander) e de forma natural e delicada surge uma paixão entre eles. Aprendemos a gostar do casal. A torcer por eles. E, por isso, lamentamos o fato de eles não conseguirem ter filhos. Não por acaso, compreendemos a decisão dos dois ao assumir como deles um bebê que aparece num barco. Mas a vida não é tão simples ... O grande conflito da história surge quando se descobre que este bebê tem uma mãe que o procura. Torcemos pelo casal; torcemos pela mãe. Não há vilões. Só personagens que querem muito amar e criar uma criança. Mas não dá para fingir que não se sabe. E Tom não quer conviver com mais um dilema moral, além dos que adquiriu na Guerra. Foi justamente por isso que ele escolheu viver em Janus: “Aqui, eu sou responsável apenas pela luz. Não tenho ninguém para machucar.”. Ironicamente, foi ali que ele encontrou  seu maior dilema. Michael Fassbender interpreta o protagonista em todas as suas camadas. A plateia o compreende pelo olhar. Reconhecemos seu sofrimento e, sobretudo, entendemos suas decisões.

O filme trata de amor, de perdão, de perdas, de maternidade e de solidão. A partir do momento em que nascemos, coisas acontecem e mudanças são inevitáveis; mesmo quando se vive numa ilha. O mar traz, o mar leva e temos que nos adaptar. Isabel em certo momento relata a Tom que perdeu seus dois irmãos na guerra e reflete: “Quando você perde os filhos, você não fica viúva, como quando perde um marido, você permanece mãe ou pai, mas os filhos se foram.”. E este, talvez, seja o grande consolo de Isabel. Apesar de tudo, ela permanece mãe.

terça-feira, 25 de outubro de 2016

Sete Homens e Um Destino

     Branca Moura Machado
      
   
  “Sete homens e um destino” permanece um clássico nesta refilmagem com Denzel Washington no papel que foi de Yul Brynner no longa dirigido por John Sturges, em 1960. Na verdade, o filme de Sturges também se tratou de uma versão americana de “Os Sete Samurais” dirigido por Akira Kurosowa, em 1954. A versão atual moderniza alguns conceitos e é politicamente correta ao trazer cowboys de várias raças e etnias para compor a equipe de anti-heróis. O diretor Antoine Fuqua disse que a diversidade não é proposital, e sim “o que acontece quando você só busca os melhores atores, independentemente da cor”. A premissa permanece intacta: sete homens com habilidades e personalidades diferentes se unem para defender uma causa que não é a deles, mas para a qual eles se propõem a matar ou morrer. 
      O filme se passa em 1879 e começa com o vilão Bartholomew Bogue (Peter Sargaasd), decretando aos moradores da pequena cidade de Rose Creek que eles devem vender suas propriedades a ele a um preço simbólico. Alguns moradores se revoltam e o que se vê é um massacre. Os cidadãos não têm a menor chance. Bogue, então, anuncia que voltará em 03 semanas para pegar as escrituras. Assim, os cidadãos resolvem juntar tudo de valor que possuem e procurar matadores especializados para os ajudarem a enfrentar o vilão. É assim que conhecem Sam Chisolm (Denzel Washington), um cowboy que alega ser subtenente, e conquista respeito com seu olhar, enquanto sua rapidez no gatilho consegue o resto. Quando os representantes do vilarejo esclarecem ao personagem que estão oferecendo tudo que possuem ele comenta: “Já me ofereceram muito pelo meu trabalho, mas nunca tudo.” Neste momento, ele percebe a importância daquela tarefa para aqueles que o contratam. Então, questiona Emma (Halley Bennet): “Você quer justiça? ”. E ela responde: “Eu quero justiça, como todos nós. Mas aceito vingança. ”.
      Na primeira parte, assistiremos a Sam reunir os seis homens que, além dele, participarão dessa missão praticamente suicida. Ao ser convidado para participar, Josh Faraday (Chris Pratt) questiona: “É difícil? ”, Sam responde: “Impossível. “. Seremos apresentados a Goodnight Robiv Heaux (Ethan Hawke), Bill (Lee Byunghun), Jack Horne (Vincent D´Onofrio), Vasquez (Manuel Garcia-Rulfo) e Red Harvest (Martin Sensmeier). Em todas estas apresentações, conheceremos também suas habilidades peculiares. É dessa forma que o diretor nos prepara para a segunda metade do filme. Queremos ver aqueles homens em ação. Queremos o grande duelo. Já conhecemos a vilania de Bogue, a inaptidão dos moradores de Rose Creek e, principalmente, o carisma de nossos cowboys. Queremos justiça, mas aceitamos vingança. 
      Nesta versão, a dinâmica entre os sete homens é mais desenvolvida. Eles têm mais cenas juntos e discutem o plano de ataque meticulosamente. Faraday gosta de contar que, certa vez, um homem, ao cair do 10º andar de um prédio, em cada andar, exclamava: “Até aqui, tudo bem! ”. Esta é uma boa metáfora para a missão daqueles 07 homens que tinham que enfrentar um "exército". Mas, como Jack afirma a Sam, “É bom estar a serviço dos outros com homens que eu respeito e eu não devia pedir nada além disso”. Sobre os cidadãos do vilarejo, o vilão esclarece a Sam que “se Deus não as quisesse tosadas, não as teria feito ovelhas”. E é essa a grande reflexão do filme: Será que as ovelhas foram feitas mesmo para serem tosadas?

quinta-feira, 22 de setembro de 2016

Café Society

Branca Moura Machado

        Woody Allen produz filmes que me fazem ter vontade de entrar na tela e ficar por lá:  Naquela época, naqueles ambientes com aquelas pessoas. Foi assim com “Meia-noite em Paris”, “Magia ao luar” e, agora, com “Café Society”. O filme se passa em Los Angeles, nos anos 30, no auge da Era de Ouro de Hollywood. Assistimos à história de Bobby (Jesse Eisenberg) que se muda para a cidade para trabalhar com seu tio Phil Stern (Steve Carell), famoso agente de estrelas de cinema.
O personagem de Phil é assim descrito pelo narrador (Woody Allen): “Nenhuma reunião estava completa sem Phil Stern.” Numa dessas festas, ele recebe um telefonema que, a princípio, ele pensou que pudesse ser de Ginger Rogers. Mas que, na verdade, era de sua irmã, Rose. Sua atitude ao atender a ligação revela-nos muito sobre ele e sua proximidade com a família. A irmã liga para avisar que o filho está a caminho: “Phil, é a Rose”. O agente questiona: “Rose?” e a ela continua: “Sua irmã...” Mais tarde, quando menciona Bobby, novamente Phil a questiona: “Bobby?” E Rose explica: “Seu sobrinho...” Daí, podemos ter uma ideia da importância que o agente dará à visita. Bobby sairá de casa pela primeira vez e levará 03 semanas para finalmente encontrar o tio. O sobrinho é ingênuo, bom camarada e atrapalhado; o alter ego do diretor no filme. Ele começa a frequentar lugares e festas, fica empolgado, mas não se deslumbra. Em uma delas, bebe um pouco mais e justifica: “Nunca misturei champanhe com sanduíche de salmão antes...” Aos poucos, ele acaba encontrando seu lugar naquele desfile de vaidades. E encontra também Vonnie (Kristen Stewart), secretária do tio, que lhe apresentará a cidade e conquistará seu coração. 
      Quando Phil finalmente recebe Bobby, justifica que o acordo com Howard Hawks está difícil. Em outro momento, conta que Judy Garland estava no jantar de Billy Wilder. Para quem conhece estes nomes, tão famosos para o cinema da época, é uma diversão a mais que o agente cite-os tão casualmente. No caso, Bobby deve estar fascinado. É como se, hoje, um tio comentasse que o acordo com o Spielberg está difícil. Ou que encontrou Uma Thurman no jantar do Tarantino. 
 “Café Society” é uma expressão criada por Maury Henry Biddle Paul em 1915 para descrever “pessoas bonitas” que socializavam e davam festas de alto padrão em cafés e restaurantes de Nova York, Londres e Paris. Exatamente o ambiente que o filme retrata, principalmente, quando Bobby volta para Nova York. O filme é lindo de se ver. A época é recriada com sofisticação, delicadeza e glamour. O diretor de fotografia Vittorio Storaro retrata Vonnie como Bobby a enxerga: perfeita. Ele inclusive utiliza o soft focus na personagem, um filtro que transmite uma beleza etérea ao rosto retratado.
    Ao final, pensamos: “Mas...Já?”. Ficamos com um gostinho de “quero mais”, com vontade de ficar por ali mais um pouco. Nossa sensação deve ser parecida com a de Bobby e Vonnie na virada do ano. Mas, como o cunhado de Bobby reflete, alternativas são excludentes. Ao escolher uma, deixamos de ter a outra.  Ela torna-se o “e se”. E não há muito o que fazer com ela. A não ser, guardá-la em um lugar especial de nossas lembranças. 

terça-feira, 30 de agosto de 2016

Julieta

         Branca Moura Machado - 29/08/2016

       No início de “Julieta”, a protagonista (Adriana Ugarte, quando Jovem; Emma Suárez, já mais velha) prepara sua mudança para Portugal. Ela afirma a Lorenzo (Dario Grandinetti), seu namorado, que não pretende voltar à Madri, se puder. Ela quer se desfazer do vínculo que a aprisionou por 20 anos: a busca por sua filha Antia (Priscilla Delgado/Blanca Parés). 
 Sua filha, ao completar 18 anos, viajou para um retiro espiritual e não voltou. Antia não deixou rastro. Durante anos, a vida de Julieta foi tentar reencontrá-la. Conforme Lorenzo a descreve, quando a vê pela primeira vez: “Que mulher tão linda e abatida...”
Com essa premissa, Almodóvar reconstrói a história da protagonista para entendermos como e por que a relação dela com a filha se deteriorou a este ponto.  O roteiro é baseado em três contos da autora canadense Alice Munro,  vencedora do Nobel de Literatura em 2013. A princípio, o filme ia se chamar “Silêncio” que é o nome de um dos contos. O termo seria mais apropriado, já que o maior problema nas relações dos personagens é o não dito.
Mãe e filha sofrem em silêncio desde que Xoan (Daniel Grao), pai de Antia, morreu, quando a menina tinha 11 anos. A perda distanciou as duas de forma irremediável, mas a mãe, distraída pela própria dor, não percebeu. Para poupar a filha, Julieta optou pelo silêncio e, com isso, a perdeu. Conforme afirma para uma amiga: “Cada um tem o que merece. Queria que ela crescesse sem culpa. Mas ela percebeu... a culpa a atingiu como um vírus.”
Ao acompanharmos Julieta em sua busca, acompanhamos também sua redenção. Ela passeia por toda sua história para entender melhor onde está e, quem sabe, finalmente expiar sua culpa. Um aspecto interessante do filme é que não se reflete sobre Julieta somente como mãe e esposa, mas também como filha. Em certo momento, seu pai (Joaquin Notario) pede a ela: “Filha, seja mais generosa, compreensiva comigo.”. Por sua vez, esta compreensão foi algo que ela também não obteve de Antia.
  O filme é esteticamente irrepreensível. As cores fortes, primárias, características do diretor, estão lá, mas com uso invertido. Na fase mais feliz da vida de Julieta, ela usa predominantemente, o azul. E, na fase melancólica, está presente o vermelho. Sobre essa utilização, Almodóvar declarou que precisava da cor no filme. Como o tema é muito sombrio, “sem a intensidade e a luminosidade da cor para balancear, poderia ficar insuportável.”
Julieta é uma mulher que passou por duas enormes perdas. E vive com o peso de que, talvez, pudesse evitá-las. Mas, se pensarmos mais profundamente sobre o assunto, a vida é assim. A nossa reação em determinado momento pode provocar toda uma cadeia de acontecimentos. Escolher ficar em silêncio, quando podemos falar, é uma delas. Somos sobretudo humanos e não podemos nos condenar por isso.

domingo, 21 de agosto de 2016

segunda-feira, 1 de agosto de 2016


O "Assista-me" completou 10 anos! Em agosto de 2006, fiz meu primeiro comentário no informativo do meu trabalho. O filme foi "Tristão e Isolda".

http://machadobranca01.blogspot.com.br/2009/10/tristao-e-isolda.html?m=1


sexta-feira, 8 de julho de 2016

Truman


Branca Machado – 02/05/2016

Truman é mais um filme argentino que traz um toque original e tocante em sua narrativa. Assistimos à história de Julian (Ricardo Darín) que, após um ano de tratamento contra um câncer, descobre que não houve remissão e, muito menos, haverá cura, e assim desiste de se tratar e decide viver com qualidade o tempo que lhe resta. Neste prazo, ele procura um novo dono para seu cachorro, Truman. Tomás (Javier Cámara), seu grande amigo de infância e juventude, vem do Canadá passar 04 dias com ele e, com isso, vai ajudá-lo nessa empreitada.
Na verdade, Tomás não viaja só para rever e, talvez, despedir-se do grande amigo, mas, também, para tentar convencê-lo a insistir no tratamento e, quem sabe, conseguir um pouco mais de sobrevida. Tomás representa a maioria de nós que temos certa dificuldade em entender essa escolha. No primeiro diálogo entre os amigos, Julian toca no assunto: “Você não veio para me convencer de nada, né?” Tomás afirma Vim para te ver, Julian”. Mas, logo que a conversa continua, ele começa a questionar a decisão do amigo e Julian o interrompe decidido: - “Leve de volta, o Whisky, os desenhos! Não...O whisky não.” A decisão de Julian é racional e esclarecida. Mas nada fácil de ser tomada. Assim, ter que refletir sobre ela é um processo doloroso.
Julian quer escolher alguém para ficar com Truman, seu cachorro e comenta: “Ainda não contei para ele...Tomás questiona: “Para quem?” Julian: “Truman...”. Os amigos vão juntos ao veterinário que responde a Julian que Truman pode ter problemas digestivos, psicossomáticos e irritabilidade na sua ausência. Ao sair da clínica, Julian comenta que o que importa de verdade são as relações. O amor. E reflete: “O que você me ensinou durante todo esse tempo? A não pedir nada em troca. Você nunca cobra.”. Tomás continuará assim. E, no filme, quase literalmente. “E eu?” Julian pergunta a Tomás. O amigo finge não entender: “Você? Você, o quê?” Julian: “O que eu te ensinei?” Tomás, então, responde: “Nada. Absolutamente nada. Bebida. Coisas ilegais, talvez.”. Ele ri e continua: “A ser corajoso. Sempre encarou tudo.” Este diálogo resume bem a dinâmica entre os amigos.
Julian é separado e tem 01 filho que estuda na Holanda. Além disso, tem uma prima Paula (Dolores Fonzi) que não aceita de maneira alguma sua decisão:”Não sabia que precisava de argumento para seguir a vida.” Paula se revolta, inclusive com Tomás, por não confrontar o amigo como deveria. Neste tempo que Tomás passa com Julian, percebemos que ele não está mais tão certo sobre qual seria a decisão mais acertada. Se é que existe uma...
O tema é difícil e assumir abertamente que não se quer mais o tratamento é uma decisão madura e polêmica. Além da doença, você tem que enfrentar a reação de pessoas queridas. Os reflexos da morte não estão só naquele que vai morrer, mas em todos que, de alguma forma, compartilham daquela vida. Conviver com Julian, ajuda-nos a entender seu ponto de vista. Ele gosta da vida, mas dessa que ele leva. Não a que ele terá depois de um tratamento ainda mais invasivo. É uma decisão justa. É a decisão dele.

quarta-feira, 11 de maio de 2016

Garota Dinamarquesa

Branca Machado – 07/03/2016

Baseado no livro de David Ebershoff e dirigido por Tom Hooper, "A Garota Dinamarquesa" conta a história de Einar Wegener (Eddie Redmayne) e Gerda Wegener (Alicia Vikander); ou, de preferência, Lili Elbe (Eddie Redmayne)  e Gerda Wegener. No início, somos introduzidos ao casal de pintores que, até então, mantinham um casamento feliz. Mas, aos poucos, passamos a notar certas tendências e preferências de Einar que nos soam estranhas. Como, quando ele caminha pelo centro de artes e acaricia o figurino das bailarinas nos cabides do camarim como se quisesse vesti-los. Ou, no momento em que ele comenta que a camisola de esposa é bonita; ela, então, diz que pode lhe emprestar e ele responde que pode gostar. 
Quando Gerda questiona ao marido o motivo pelo qual ele não quer ir ao baile dos artistas, a resposta dele apresenta a premissa do filme: “É como se eu interpretasse a mim mesmo.” Neste momento, temos a noção de que, como Einar, ele se sente um personagem. Então, ele vai de Lili. E não está mais interpretando. O baile desencadeia todo seu desejo adormecido, além de um  tormentoso conflito entre qual seria a sua verdadeira natureza, algo como o médico e o monstro. Só que, no caso do médico, ele crê que bem e mal convivam dentro de cada pessoa. No caso de Einar, cada vez mais, só cabia Lili. É interessante observar sua autêntica decepção, quando percebe que determinado admirador sempre soube que Lili era homem. Neste momento, fica clara a diferença entre um transexual e um homossexual.
Enquanto Einar se liberta, Gerda sofre com a transformação do marido, e, nesta incerteza, seus quadros ficam melhores. Muitas vezes, é Lili quem posa para ela. A princípio, Einar será submetido a diversos tratamentos para combater esta “perversão”, Mas, conforme ele mesmo diz: “Não adianta mais. Quando eu sonho, são os sonhos da Lili”.
 Ao pintar um cliente, Gerda comenta que é difícil para o homem ser observado por uma mulher. Para a mulher, não. Ela está acostumada a ser observada. O desejo de Einar nada mais é que o de ser olhado como uma mulher.O filme tem muitos momentos em que ele as observa, admira; ensaia. Ele quer se tornar uma em todas as suas minúcias.  Para isso, tornou-se pioneiro na cirurgia de mudança de sexo. Antes da intervenção, Hans (Matthias Schoenaerts), amigo de infância do pintor, diz para ele: “Eu não gosto de muita gente na vida. Você foi duas delas.” Ao longo do filme, passamos a torcer para que Einar finalmente se torne apenas uma.

sexta-feira, 15 de abril de 2016

O quarto de Jack (2015)


Branca Machado – 05/04/2016

Aos 04 anos, eu nem sabia que existia o mundo”, afirma Jack (Jacob Tremblay), um garoto de 05 anos; narrador dessa história. Ao longo do filme, constataremos que ele não sabia mesmo... Para o menino, só existia o quarto em que nasceu e viveu com sua mãe desde então.
O longa é dividido em duas fases: a rotina dele e de sua mãe Joy (Brie Larson, vencedora do Oscar 2016 de melhor atriz pelo filme) no quarto e a adaptação dos dois após a liberdade. Logo no início, o filho acorda sua mãe, empolgado: “Mãe, fiz 05 anos!”. Eles dormem juntos numa cama de solteiro.  Jack dá “bom dia” para todos os objetos. Ele é cabeludo. O quarto tem apenas uma claraboia: “Há o quarto, depois o espaço sideral, depois o céu.” “Cachorros e gatos só são na TV. Aranhas são de verdade.” Ele e a mãe fazem um bolo, mas não há velas... A mãe é firme: “Jack, você sabe que não há velas... “. Ele grita, contrariado: “Não!”. Faz birra. Age como o garoto de 05 anos que é. E isso nos lembra de que Jack é uma criança como qualquer outra, e, não deveria estar ali.
Na medida do possível, Joy fez daquele ambiente o melhor para o filho. Ela preserva sua inocência, seu crescimento e sua saúde. A mãe vive no quarto há 07 anos. Foi raptada aos 17. E, talvez,  o filho tenha sido sua motivação para não desistir. Por mudanças circunstanciais, ela decide que é o momento de sair daquela situação e, ao confrontar o filho com verdades que, até então, ele não conhecia, novamente ele reage como alguém de sua idade: “Eu quero voltar a ter 04 anos... Eu quero outra história!” A mãe, então, afirma: “Esta é a sua história!”.
Enquanto mãe e filho não saem do quarto, nós também não saímos; o que, algumas vezes, é aflitivo. Queremos sair. Mas Jack nem sabe que existe esta possibilidade. O ponto de vista é o dele. Por isso, o quarto, nesta primeira fase, parece maior do que realmente é. O uso de enquadramentos mais fechados, em que vemos apenas partes do aposento, mas não ele inteiro, causa essa impressão. E, não é por acaso, que, em certo momento do filme, ele questiona à mãe: “O quarto encolheu?”.
Uma vez em liberdade, a adaptação não será fácil. Jack constata que “Há menos tempo no mundo  porque ele se espalha por todo o espaço”. E quanto espaço... Já Joy enfrenta questionamentos sobre suas decisões em relação ao filho, além do confronto com sua nova dinâmica familiar.   Entendemos a angústia dela. Ela foi a melhor mãe que pode naquela situação, mesmo assim,  poderia ter feito diferente? Em um momento de tristeza, ela diz ao filho: “Não sou boa, mãe...” Ele responde, simplesmente: “Mas você é mãe.”. Joy fez um ótimo trabalho com Jack naquele quarto. Foi puro amor e instinto. Enquanto ela precisou ser forte, foi. Mas aquela fortaleza ruiu, quando não mais necessária. E novamente é Jack que a motivará. Do lado de fora, ele repete uma frase que ela disse ao filho lá dentro: “Eu escolho! Eu escolho por nós dois!”.
Ao acompanhar Jack aos poucos assimilar o mundo e  perceber que pertence a ele, temos a grata sensação de que as coisas irão se normalizar. Será um tempo de descobertas:  “A gente não sabe do que gosta, a gente vai tentar de tudo.”Jack e Joy não possuem garantias. Pois,  ninguém as possui. Mas, agora, eles tem escolhas. Como todos nós.

sexta-feira, 1 de abril de 2016

Tal mãe, tal flho!

Comprei este livro numa feira na Serraria Souza Pinto há muitos anos. O plano era dar para os meus filhos, se eu, porventura, tivesse filhos. Deu certo!



domingo, 6 de março de 2016

Macbeth


Branca Machado – 22/01/2016

       De certa forma, a frase “Dia tão feio e belo assim nunca vi...” declarada por Macbeth (Michael Fassbender), após vencer uma árdua batalha, serve para descrever o filme aqui comentado. Belíssimo a cada quadro, com cenas esteticamente perfeitas, ele não nos permite um momento de respiro. É tudo sempre tenso, atormentado; feio. O crime e o castigo são latentes. E não à toa, utiliza-se o vermelho sangue como cor predominante. 
        Macbeth e sua Lady (Marion Cotillard) são torturados pela ambição, pelos seus atos e pelo medo da traição. Passada na Escócia, século XI, a história já se inicia com o enterro de uma criança. O menino é cremado. Trata-se do filho do casal de protagonistas. A expiação dos dois personagens só evoluirá durante o filme, apesar de, pouco a pouco, eles conseguirem tudo que almejam. 
        Dirigida pelo australiano Justin Kurzel, esta versão da peça de Shakespeare demonstra bastante respeito à obra original, inclusive na linguagem utilizada nos diálogos. Em certo momento, Lady Macbeth questiona o marido: “Duncan (o rei) chega hoje? E quando parte?” E Macbeth responde “Pela manhã.” E sua esposa conclui: “Mas o sol jamais verá tal manhã”. Ela tem grande influência sobre o marido e, ao questionar sua masculinidade, acaba persuadindo-o a cometer o ato que ele tanto temia: “Ouvi! Silêncio! É o pio da coruja, sentinela fatal que augura a mais sinistra noite. Vai dar o golpe; a porta se acha aberta; o ressonar dos guardas embriagados zomba do ofício deles. Pus mistura na bebida de todos, de tal forma que a morte e a natureza neles lutam sobre se vão morrer ou ficar vivos.” Macbeth segue torturado:  “Será que todo o oceano do Rei Netuno seria capaz de limpar minhas mãos?” Ela novamente entra em cena: “As minhas mãos estão da cor das suas mãos”. É ela que controla a situação e consegue, então, o reino para o marido.         
        Shakespeare se baseou nos relatos dos reis Duff e Duncan nas Crônicas da Inglaterra, Escócia e Irlanda, de 1587, para escrever sua história. Em nenhuma outra versão, o rei é morto na casa de Macbeth. Acredita-se que Shakespeare acrescentou esta mudança para aumentar a crueldade do ato do protagonista ao macular sua hospitalidade. Talvez, com a mesma intenção, o diretor optou por mostrar o assassinato no filme; cena que é ocultada na peça. 
        Em determinado momento, Macbeth reflete: “De que vale ser Rei se não se tem segurança?” E decide matar mais dois personagens que podem interferir em seu caminho: “Minha paz por eles”. O mais curioso e aflitivo na trama é essa necessidade que os personagens tem de cometerem os atos mais grotescos,  justificando-os de forma a mostrar que eram necessários para o seu bem. Um bem que nunca vem. Pois, quanto mais se faz, mais se alimenta a neurose e menos se tem paz. 

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

Carol

Branca Machado – 22/01/2016

       
No início de “Carol”, acompanhamos um homem que entra em um hotel e vai até o bar. Lá, ele avista Therese (Rooney Mara) que está sentada à mesa com Carol (Cate Blanchet) e segue para cumprimentá-la. Temos a sensação de que ele interrompe uma conversa importante. Mas não sabemos do que se trata. Ele pergunta se Therese comparecerá a uma festa naquela noite, Carol aproveita a oportunidade para deixar a mesa, coloca a mão no ombro da outra, que reage significativamente ao gesto, e diz: “Tenha uma noite maravilhosa.”.
        Ao entrar no carro, Therese olha pela janela e começa a relembrar os acontecimentos desde que conheceu Carol na loja onde trabalhava.Carol chamou a atenção dela quando apareceu em busca de um presente para a filha. Uma mulher moderna, elegante, colorida; alguém que, talvez, a vendedora gostaria de ser ou pudesse se tornar.
        Baseado no livro "The Price of Salt" de Patricia Highsmith de 1952 e dirigido por Todd Haynes, o filme nos conta uma linda história de amor, conturbada pelo terrível preconceito dos anos 50. Se fosse entre um homem e uma mulher, seria apenas linda. Como é entre duas mulheres, é também sofrida. Carol terá que pagar um preço bem alto para assumir seus desejos. E tentará seriamente abafá-los em prol de uma vida “normal” com sua filha. Em um jantar, a anfitriã comenta com Carol: “Ele não gosta que eu fume.” E Carol questiona: “E daí? Você gosta”. Esta pequena afirmação diz tanto sobre ela. Naquela época, não era fácil pensar assim. E ela mesma, algumas vezes, pensa em refutar.
        Em determinado momento, Therese vai ao cinema com o namorado e o irmão mais novo dele. Assistem a Crepúsculo dos deuses. O cunhado está fazendo uma pesquisa entre o que os personagens dizem e o que realmente sentem. O que não deixa de ser bastante pertinente ao próprio filme, no qual há muitos momentos de sentimentos velados a fim de que se encaixem ao que se deseja daquelas mulheres em determinados contextos. A cena em que Carol almoça com a família do ex-marido (Kyle Chandler) retrata bem isso. Enquanto ela passa esta situação bastante conflituosa, Therese desabrocha. De uma pessoa que “não consegue dizer não”, ela ganha personalidade e começa a perseguir seus objetivos. Torna-se mais segura e, por que não, colorida. É gratificante imaginar que, em certo instante, essas duas mulheres em trajetórias diferentes podem encontrar uma interseção.
        Em uma audiência, Carol afirma para o ex-marido: “Não somos pessoas feias, Harge”. Até hoje, em nome da moral, somos capazes de coisas bastantes “feias”. Uma moral que serve para o amor entre um homem e uma mulher mas, se não for entre eles, deixa de servir. E, por isso, o filme é importante. Voltamos a cena do início e acompanhamos o desfecho daquela noite. A cena final é icônica, ao nos permitir vislumbrar vários momentos dali por diante, mesmo sem vê-los.