terça-feira, 2 de outubro de 2012

Intocáveis

           
Branca Machado – 20/09/2012

  
           Um carro. Dois rostos. O negro dirige. Tamborila os dedos no volante. De repente, sai em alta velocidade, ultrapassando perigosamente pelas ruas de Paris. Esta é a primeira cena de Intocáveis que, ao contar a história de Philippe (François Cluzet), um aristocrata rico que, após sofrer um grave acidente, fica tetraplégico e contrata Driss (Omar Sy), um jovem contraventor sem  experiência como seu enfermeiro, configura-se como uma comédia leve e despretensiosa. E, por isso mesmo, surpreende,  já que a origem de sua  trama é dramática. 


        Dirigido por Olivier Nakache e Eric Toledano e baseado numa história real, na maior parte do tempo, esquecemos a deficiência  de Philippe ou, o que é melhor, divertimo-nos com ela. Durante a sequência inicial, percebemos a relação de cumplicidade entre o paciente e seu enfermeiro. Quando a polícia para o carro de Driss para multá-lo, ele fala para Philippe: “  Aposto 100 euros que eles vão nos dispensar. 200 euros que eles vão nos escoltar.” Aqui, a doença é tratada pela dupla como escudo, tornando-os, de certa forma, intocáveis. 


        O filme, então, volta para o momento em que aquela improvável contratação aconteceu. A fila de candidatos é filmada pelos pés e vemos sapatos clássicos, formais, ternos, maletas de couro; quando chega em Driss, ele está de tênis e moletom. Na entrevista, faz comentários do tipo: “ Mas vejo que o humor é como a música para você: Não conhece nada”. Quando Philippe pergunta o que o motiva (para o emprego), Driss responde, apontando com a cabeça para a secretária de Philippe: “Ela (Magali) é uma motivação”. Só quando pede para Philippe assinar o papel do seguro desemprego e este afirma:“não posso assinar nada agora”, é que Driss percebe a deficiência de Philippe. E este é o maior diferencial do enfermeiro. Ele não se compadece de Philippe e , muitas vezes, esquece que seu patrão é deficiente. Então, discutem de igual para igual. Em certo momento, Philippe questiona Driss: “Como é viver de seguro-desemprego? Não o incomoda viver à custa dos outros?” Ele responde: “Pergunto isso a  você.” No fundo, Philippe é esclarecido e se diverte com esta naturalidade do enfermeiro. Gosta principalmente do fato de Driss não sentir pena dele. Quando questionam Philippe sobre a estranha contratação, ele explica: “É o que eu quero. Nenhuma compaixão. Ele não tem dó de mim.” 


        Quando Driss vai para casa, conhecemos seu apartamento no subúrbio de Paris, pequeno, com  muita gente morando.  Seu banho não é privativo. O banheiro está cheio de crianças. O enfermeiro é muito grande para a banheira. Esta cena é uma importante cena de comparação. Quando vemos o banheiro privativo que ele terá na mansão, imediatamente associamos ao primeiro banheiro. A trilha incidental é “Ave Maria”.Não precisa mostrar mais nada. A diferença de vida dos dois é discrepante, mas, mais discrepante é a deficiência de um diante da destreza do outro. 


        O melhor do filme é mesmo a relação de Driss e Philippe. Há uma dinâmica muito interessante entre os dois, como quando, no avião particular do patrão, Driss comenta: “Não gosto muito disso...” Philippe  pergunta o motivo e o enfermeiro responde: “É que você não dá muita sorte. O voo, o acidente, sua mulher...Me lembra os Kennedy... Está acostumado com a tragédia. Eu não!.” E o fato de Driss afirmar não estar acostumado à tragédia, apesar de, em certa forma, ele viver uma, faz com que Philippe reveja a sua própria condição e, com isto, ganham os dois.