quinta-feira, 22 de outubro de 2015

A Pele de Vênus (2013)

Quando Vanda (Emanuelle Seigner) chega ao teatro decadente e vazio para fazer audição para uma peça, surge quase como uma aparição. Ela está atrasada, é escandalosa e não era esperada. O diretor Thomas (Mathie Amalric) já estava se preparando para sair, quando ela adentrou. E, a princípio, não quer realizar o teste com a atriz. Vanda não tem atitude para ser a heroína do roteiro de Thomas. Mas, no momento, em que representa a personagem, é perfeita. O diretor é seduzido por esta perfeição e aceita realizar o teste com a atriz. 
Também baseado em um roteiro teatral, como Deus da Carnificina,  filme anterior de Polanski, "A Pele de Vênus" desenvolve-se no interior desse teatro. O palco mantém o cenário do musical  “Nos tempos das diligências”, que estava em cartaz previamente. Não por acaso há uma grande cactus no centro daquele palco. O filme baseia-se na peça homônima, escrita em 1870, por Leopoldo Sacher Masoch, jornalista austríaco. A obra, bem como o nome do seu autor, inspiraram o psiquiatra alemão Richard Von Krafft-Ebing a dar o nome de masoquismo ao distúrbio psíquico em que se tem prazer com a dor ou com a humilhação verbal.
Ao retratar a audição para a peça, Polanski encena alguns diálogos e situações dela,  entremeando-os com conversas entre os personagens do filme. Muitas vezes, essas duas camadas sobrepõe-se e, até mesmo, confundem-se. No ensaio, Thomas fará o papel do Conde e Vanda fará o papel da personagem que o seduz e que,  coincidentemente,  chama-se Vanda.
No momento em que a audição começa, dá-se início a um interessante jogo de poder.O mais notável neste jogo é a total inversão de papéis. No começo, o poder está com ele, o diretor que decide, inclusive, se a atriz poderá realizar o teste. Mas, à medida que ela incorpora a personagem, torna-se cada vez mais dominadora e, em certo ponto, passa a dirigir Thomas. Quando, na peça, Vanda é dominada pelo Conde, a atriz e o diretor invertem os personagens que estão ensaiando. Ela passa a fazer o papel dele e ele, o dela. Dessa forma, na encenação, ela domina todo o tempo; o que torna o discurso bastante feminista.E, quando Vanda/Conde amarra Thomas (travestido de Vanda) ao cactus gigante,  vemos  representados o prazer, pelo símbolo fálico; a dor, com o diretor amarrado; e o poder/humilhação, com Vanda/Vênus/Conde ao redor; deliciando-se com a situação. Todos os elementos de que trata a narrativa estão simbolizados nesta cena.
Em certo ponto da peça, Vanda afirma ao conde: “Quanto mais eu te domino, mais eu me sinto dominada.”. Ironicamente, o prazer dela depende do fato de ter alguém disposto a ser dominado. Esta proximidade entre sadismo e masoquismo fez Freud afirmar que o sádico é um masoquista, enquanto o masoquista é um sádico. Além da interpretação brilhante dos atores e da temática controversa,  a narrativa sobreposta é o que torna o filme fascinante. Estamos no filme? Ou na peça dentro do filme? Até que ponto aquela adaptação não é um reflexo da vida de Thomas? Ou de um desejo dele? Quem sabe tudo aquilo não foi uma alucinação? São dois atores, um cenário e muitas possibilidades.