quarta-feira, 10 de agosto de 2022

Um Homem Bom

         Para esta coluna do Assista-me no Sexta em Conexão sobre ética, pedi à Mônica, nossa representante regional do tema e idealizadora desta edição, a indicação de um filme para eu comentar e ela me deu a dica de “Um Homem Bom”. Lançado em 2008, disponível na Amazon Prime, o filme é uma coprodução entre Inglaterra e Alemanha e o primeiro trabalho internacional do diretor brasileiro Vicente Amorim ("Caminho das Nuvens").  

O roteiro é a adaptação da peça teatral “Good” de 1981 do dramaturgo escocês Cecil Philip Taylor, que se dedicou a retratar o homem comum em diversas situações em sua obra. E, neste filme, assistimos a um homem comum na Alemanha pré-2ª Guerra: o professor de literatura alemão, John Halder (Viggo Mortensen), casado com Helen (Anastasia Hille), pianista; com quem divide as tarefas domésticas e o cuidado com os filhos numa vida simples e atarefada. Mora com eles também a mãe de John (Gemma Jones), que sofre de demência senil.


        O professor, em 1933, escreveu um romance que aborda a eutanásia. O fato de Halder ter tratado do tema chama a atenção dos oficiais nazistas em 1938; quando já procuravam justificativas intelectuais para o que eles chamavam de espírito renovação do partido  - que nada mais era que o extermínio em massa das vítimas preferenciais do regime - judeus, esquerdistas, homossexuais e opositores em geral. Sobre o tema, o ministro da censura explica a um relutante John: “A ideia é acabar com o sofrimento daqueles pobres desafortunados que nasceram com problemas incuráveis”. E, em outro, um dos seus colegas da SS o questiona: "Quando vão começar a procriar? Vocês são um casal nórdico perfeito!"

O que queriam de John era simples: um tratado literário sobre a eutanásia. No fundo,  o objetivo era trazer humanidade ao assunto e usaram o professor como instrumento. Sem perceber todas as nuances daquela encomenda, Halder se vê reconhecido como nunca foi e tem grande ascensão na carreira.

Em determinado momento, sua mãe comenta: “Você sempre foi um homem bom, John. Um menino tão bom”. E ele realmente é ou procura ser. Mas ser bom é fazer o que deve ser feito? O que todos esperam? Este é o dilema ético do professor, que não gostava de ser chamado de capitão. Naquele momento, o certo e o errado não estavam claramente delineados para ele. E seu contraponto, Maurice (Jason Isaacs), o grande amigo judeu que tenta mostrar o que está para acontecer, chega a comentar que não dava mais para aguentar toda aquela desumanidade. John se vê, então, entre a humanidade argumentada pelo partido - que ele representava- e esta desumanidade que o amigo desmascarava. 

A cena final, delicada, mas, ao mesmo tempo, dura, faz John enxergar o errado claramente. E, ali, ele percebe que ser um bom moço não é uma questão simples, não é seguir as regras. Há um compromisso maior. Tal como a Mônica escreveu em sua reflexão sobre "herança e escolha", é preciso “receber, interpretar, transformar nosso legado: com a razão, com os afetos, com o corpo, com os sonhos, com a imaginação. E construir um novo legado que amplie mais nossas potencialidades, que construa a cada dia um mundo novo. É esse o nosso compromisso com o presente e com o futuro.”