sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

Finais de filmes

Final de ano, final de ciclos... Final de filmes!

No último comentário deste ano do Assista-me, falarei de 10 finais de filme de que gosto:

1- Tarde demais para esquecer
Terry (Deborah Kerr) está no sofá com uma manta sobre as pernas e Nick (Cary Grant) a questiona sobre o encontro dos dois no Empire States. Ela finge que foi, mas ele sabe que ela não foi, já que ele havia ido. Ele finalmente resolve ir embora. Mas, já na porta, diz a ela que a pintou daquele jeito com o xale branco e, ao tocar no assunto, percebe que pode ter sido ela a mulher que ficou com o quadro. Então, ele vai até o quarto de Terry. Ele vê o quadro, mas nós estamos vendo ele, sua reação. Sabemos o que ele descobriu porque a tela está refletida no espelho ao lado dele. Então, ele fecha os olhos e confirma que a tal mulher na cadeira de rodas é ela. Quando ele volta para a sala, eles se abraçam e Terry diz: " Você estava lá? Não se preocupe querido, se você pode pintar, eu posso andar.” 
E a gente fica com a sensação de isso realmente acontecerá, nem que seja nos quadros dele.
2- Quanto mais quente melhor
- “Ninguém é perfeito!". Esta é a resposta que Jerry (Jack Lemmon) recebe de Joe E. Brown, seu marido, quando Jerry revela que ele, na verdade, era um homem disfarçado de mulher na cena final de "Quanto mais quente melhor.". Este é o final perfeito para esta comédia em que nada é o que parece ser.
3- E o vento Levou
Scarlett: “Rhett! Rhett! Se você for, para onde eu devo ir, o que devo fazer?”
Rhett: “Francamente, minha querida, eu não dou a mínima.”
Este é o momento em que Rhett (Clark Gable) resolve ir embora e Scarlett (Vivien Leigh) finalmente percebe que o ama. Eu sempre relacionei esta cena com aquela em que Scarlett promete que nunca mais passará fome e tenho a certeza de que, de alguma forma, ela terá Rhett de volta. Afinal, ela é Scarlett O’hara e termina o filme com estas palavras: “Amanhã será um novo dia!”.
4- O Náufrago
Chuck Noland: " Eu sei o que eu tenho de fazer agora. Eu vou continuar respirando porque, amanhã, o sol vai nascer novamente e quem sabe para onde a maré irá subir?”
Foi por causa de uma maré alta que Chuck (Tom Hanks) conseguiu escapar da ilha em que ficou naufragado durante anos. Quando voltou, ele descobriu que sua noiva tinha casado e já estava com 02 filhos e conclui que a perdeu duas vezes. Ele, então, consola-se com a rotina das marés. Depois que assisti ao filme, esta frase sempre me conforta em dias em que estou particularmente desanimada.
5- Valsa com Bashir
Este desenho adulto realiza um resgate histórico do Guerra do Líbano. Ao final, assistimos às imagens reais documentadas à época do massacre que, no contraste com o restante do filme, formam o desfecho perfeito. Aquilo não foi um pesadelo surreal. Aconteceu. É fato.É triste.
6- O Sexto Sentido
Sobre este não posso falar muito, sob risco de estragar a surpresa... Mas, quando você finalmente 
percebe quem é Bruce Willis no filme, fica com aquela sensação de “como é que não percebi isto antes?”. E, ao rever o filme, vai perceber que várias cenas poderiam te levar àquela conclusão antes do final. (Assistam e me contem!)
7- Uma Linda Mulher
Este é o final romântico clássico. Richard Gere vai resgatar Julia Roberts que está prestes a ir embora de Los Angeles. Ele tem medo de altura, mas, assim mesmo, sobe as escadas de incêndio do prédio dela para se declarar. Na primeira vez que assisti a este filme, torci tanto para que isto acontecesse que quase bati palmas no final. É um filme romântico da minha geração. Para mim, inesquecível.
8- Dogville
Grace (Nicole Kidman) pede que seu pai (James Caan) extermine todos os habitantes de Dogville.
Neste final, parece que Grace não tem escolha. As nuvens saem, e ela enxerga a cidade por outras luzes. O altruísmo insistente que, aos olhos de seu pai, sempre foi interpretado como arrogância, finalmente sucumbiu. O que os cidadãos fizeram não foi bom. Grace não se volta contra eles particularmente, mas contra a quebra de suas altas expectativas. E é obrigada a admitir: O mundo ficará bem melhor sem Dogville. 
9- Antes do pôr-do-sol
- Celine (imitando Nina Simone) fala para Jesse: "Você vai perder seu vôo, baby".
- E Jesse responde, ao colocar as mãs atrás da cabeça e rir relaxado: "Eu sei."
Último diálogo entre Celine e Jesse no filme. Para quem conheceu Jesse (Ethan Hawke) e Celine (Julie Delpy) em “Antes do amanhecer”, este final é gratificante. Afinal, o primeiro filme termina indefinido e não sabemos se o casal se reencontrará em Viena. Então, agora, que Jesse decide não partir, ficamos tranquilos. Desta vez, eles terão mais tempo, não só algumas horas. 
10 - O Ponto Final
A última cena de Match Point pode nos levar a duas conclusões, se não contrárias, pelo menos conflitantes. Quando Tom comenta sobre o sobrinho recém nascido, desejando não que ele seja brilhante, mas sim que ele tenha sorte, deduz-se que uma pessoa com sorte tem tudo. Mas, ao vermos Chris em primeiro plano, isolado e angustiado naquela cena familiar e alegre da qual ele deveria participar, podemos também concluir como Dostoievski: “O castigo pelo crime amedrontra muito menos o criminoso [...] porque ele mesmo o reclama moralmente”. Chris pode ter tido a sorte de não ser descoberto, mas será que terá a sorte de esquecer?

E que 2018 tenha um belo começo e um final inesquecível!

segunda-feira, 6 de novembro de 2017

Estrelas Além do Tempo

Sabem aquelas histórias que devem ser contadas? Hidden Figures ou Estrelas Além do Tempo, tradução que não faz justiça ao título original, é uma delas. O filme conta a trajetória real e praticamente desconhecida de três mulheres negras:  Katherine Johnson (Taraji P. Henson), Dorothy Vaughn (Octavia Spencer) e Mary Jackson (Janelle Monáe), que trabalhavam na NASA em 1961; época em que Estados Unidos e União Soviética disputavam a corrida espacial e a segregação entre brancos e negros era muito forte na sociedade americana. Neste contexto, tais mulheres foram fundamentais para o avanço tecnológico que permitiu a ida do primeiro americano ao espaço.
O filme, apesar de abordar aspectos particulares da vida de cada uma, é ambientado quase todo o tempo na NASA, onde elas trabalham como computador (humano) : “A gente faz os cálculos necessários para que seja possível o lançamento do foguete”. Logo no início, elas recebem a notícia da recondução de Kate e Mary  a outros setores nos quais trabalharão em projetos específicos, auxiliando equipes basicamente masculinas. Kate recebe um aviso seco da sua supervisora (Kirsten Dunst): “Nunca tiveram um negro aqui antes. Katherine, não me embarace.” 
Katherine fez os cálculos de reentrada da cápsula que levou o astronauta John Glenn ao espaço, mas enfrentou dificuldades como ter que usar o banheiro de outro prédio, já que o local para o que foi reconduzida não tinha sanitário para negras. Mary, foi a primeira engenheira negra da NASA. E teve que lutar por isso na justiça. Em certo momento,afirma ao juiz: " O senhor sabe a importância de ser o primeiro. Não posso mudar a cor da minha pele. Então, a minha única escolha é ser a primeira. A primeira negra a frequentar uma escola de branco". Dorothy , por sua vez, descobre que a NASA vai começar a utilizar computadores (máquinas) para realizar seus cálculos e, assim, em pouco tempo, não precisará mais das equipes para realizá-los. Ela resolve estudar como funciona o IBM por que “alguém vai precisar programar estas máquinas”. 
Em um momento particularmente embaraçoso na biblioteca, a personagem explica aos filhos:  "separados e iguais são coisas diferentes. Não é porque fazem isso que estão certos." Ela, de certa forma, resume a postura das amigas diante das diversas situações que são obrigadas a enfrentar. Aceitavam o separado, mas nunca se consideraram diferentes. 
A escritora Cris Guerra afirma que “ser mulher é uma gincana”. A gincana que Elizabeth, Katherine e Dorothy enfrentaram era do tipo que “quando elas avançavam uma linha, eles mudavam o local da chegada”. Mas elas ganharam a gincana. E é muito bom saber disso.

sexta-feira, 29 de setembro de 2017

Bye Bye Alemanha

28/09/2017

Bye Bye Alemanha tem gerado opiniões controversas por tentar fazer comédia com um tema tão pesado como o nazismo. Eu não o vi como comédia e, talvez por isso, não o censurei neste aspecto. Inspirado em uma história real, narrada em livro por Michel Bergmann que inclusive roteiriza o filme, juntamente com o diretor Sam Garbarski, a obra aborda um aspecto não muito enfatizado sobre a Segunda Guerra: a retomada de vida dos judeus em campos de refugiados americanos numa Alemanha destruída. Em certo momento, o filme nos conta que 4.000 judeus ficaram na Alemanha após a guerra e observa que os filhos deles até hoje não entenderam o por quê. O longa pode ajudar a esclarecer tais motivos. Eles tinham uma vida, um lar, uma família naquele país antes da Guerra. E, apesar de muitos desejarem partir, muitos consideravam ali seu lar. 
Em 1946, assistimos à trajetória de 07 judeus que tentam retomar a vida após sobreviver aos campos de concentração. Eles vivem em um campo de refugiados americano na cidade de Frankfurt e querem juntar dinheiro para se mudar para os Estados Unidos. Cada um convive com sua tragédia particular, mas, de alguma forma, precisam ir em frente. Conforme David Berman (Moritz Bleibtreu), líder do grupo, faz questão de lembrar: "Hitler está morto, nós estamos vivos". É ele quem une os personagens em torno de um projeto comum: tornarem-se ambulantes e venderem roupas de cama de porta em porta. Para isso, apelam ao sentimentalismo dos alemães que perderam entes queridos durante a guerra e contam pequenas mentiras para vender.
Paralalelamente ao novo empreendimento, Berman passa por uma investigação americana, pois suspeitam de que ele seja um judeu que tenha colaborado com o nazismo, já que recebia alguns privilégios no campo de concentração como sabão  de verdade, sopa mais grossa e não tinha os cabelos raspados.  Assim, ao longo do filme, ele depõe para a polícia. E tais depoimentos são acompanhados do flashback de sua trajetória durante a Guerra. Com isso, familiarizamo-nos com a história e a personalidade do protagonista que possui aquela característica do comediante de alma triste. Ele sabe fazer rir e esta, talvez, tenha sido sua salvação e sua desgraça. Conforme ele diz para a policial que o investiga: “sou o palhaço do assassino dos meus irmãos”. 
O personagem é um pouco como o próprio filme, que sofre ao fazer piada com o tema e, por isso, torna-se um palhaço melancólico. Já o longa, torna-se uma comédia de alma triste.

quinta-feira, 31 de agosto de 2017

O Estranho que nós amamos

Na cena inicial de “O estranho que nós amávamos” uma menina cantarola pelo bosque enquanto colhe cogumelos. Estamos no estado de Virgínia, em 1864, plena Guerra Civil. Amy (Oona Laurence) encontra um soldado Yankee (Colin Farrell) e, portanto, inimigo, ferido no bosque. Ela resolve levá-lo até a escola de moças Farsnworth; onde, além dela, vivem a proprietária, a professora e mais 04 alunas; as que ficaram, pois não tinham para onde ir. Com a guerra, os escravos que trabalhavam no local fugiram.
Dirigido por Sofia Coppola, o filme é daqueles no qual cada cena parece um quadro e poderia ser emoldurada e pendurada numa parede. Com a produção, Sofia tornou-se a segunda mulher a vencer, como diretora, o Festival de Cannes. Como toda a trama se passa na escola, e com poucas personagens, o longa assume uma atmosfera teatral que combina muito bem com esse suspense psicológico que, por vezes, sofre reviravoltas.
Para entrar na casa, todas as mulheres ajudam a carregar o soldado. A cena assumirá uma carga bastante significativa ao longo da projeção. Elas decidem tratar de sua ferida até que ele se recupere e, então, avisarão ao exército sulista para que ele possa ser preso. Quanto a isso, ele comenta com Martha Farnsworth (Nicole Kidman): “Sou grato por ser seu prisioneiro”. Quando Amy diz que o nome do soldado é John Mcburne para as outras alunas, Martha é categórica: “Ele não ficará aqui tempo suficiente para seu nome fazer diferença."
Quando Martha percebe que Edwina (Kirsten Dunst) está usando um broche que não usava há tempos comenta: “Parece que a presença do soldado está nos afetando. ”. E ele sabe disso: “Acho que estou perturbando sua rotina”. Martha afirma: “Sim, está”. Cada uma das moradoras daquela casa tem uma reação diferente ao estranho e ele sabe como tratá-las de acordo as reações que provoca. Por isso, acaba ficando mais tempo que o planejado. Ele corteja Edwina. Conversa de forma respeitosa e quase submissa com Martha. Aceita ser seduzido por Alícia (Elle Fanning). É amigo de Amy. E por aí vai.
Pode-se dizer que a cena em que John finalmente é convidado a jantar à mesa com as mulheres é a virada da trama. O jantar é repleto de risadinhas e olhares, estão todas muito bonitas. Alicia é elogiada por ter feito a torta de limão, mas Edwina esclarece que a receita é dela. Na mesa, há uma concorrência subjacente e, ao ter que lidar com todas ao mesmo tempo, John perde o tom.
É neste tipo de desequilíbrio que a história vai se complicar. Em determinado momento, Martha comenta com o soldado que ser corajosa é fazer o que é necessário em cada situação. Pode-se, então, dizer, que ela foi corajosa por todo o filme. Sem pestanejar em fazer o necessário. Quanto a John, acabou sendo enredado numa teia que, a princípio, subestimou. A cena de sua chegada rima perfeitamente com a de sua saída. E, para nós, pode ser surpreendente, mas faz sentido para aquela pequena comunidade que passamos a conhecer.

segunda-feira, 31 de julho de 2017

Paris Pode Esperar



Paris pode Esperar é roteirizado e dirigido por Eleanor Coppola, de 81 anos, esposa de Francis Ford Coppola. Só por isso, já temos curiosidade de ir até o cinema. Mas o filme vale a pena e nos faz concluir mais uma vez que o talento nesta família não é privilégio apenas do "Poderoso Chefão". 

Assistimos à história de Anne (Diane Lane) que está em Cannes para passar mais tempo com Michael (Alec Baldwin), seu famoso marido, produtor de cinema; lotado de compromissos. Nos primeiros quinze minutos, percebemos certos descasos que, para o marido passam despercebidos, mas para Anne contam. E, portanto, para a diretora também. Anne está na varanda do quarto do hotel pela manhã, mas o marido está no quarto no celular. De longe, escutamos ele dizer: "Anne sabe. Ela entende“. Depois, ela entra no quarto e escuta: "Tudo bem?". Ela responde, entretanto, quando olha para o marido, ele está perguntando se está tudo bem para alguém no celular. O casal está deixando o hotel, mas Michael desce antes e deixa para Anne a responsabilidade de descer com as malas e realizar o checkout. Se o objetivo é passar mais tempo com o marido, ele não está sendo alcançado... 

A caminho do aeroporto, somos apresentados a Jacques Clément (Arnaud Viard), sócio francês de Michael que, logo, demonstra ser bem diferente do amigo, ao se lembrar de trazer um remédio para o ouvido de Anne, que estava com dor no local desde o dia anterior. Por causa disso, ela acaba não embarcando para Budapeste com o marido e viajará de carro para encontrá-lo em Paris. Jacques a levará. Tem início uma viagem deliciosa, que chama atenção não só pela linda paisagem e história do interior da França, como também pela gastronomia e enofilia. A vontade que temos é de anotar aquele roteiro e fazer exatamente igual. Borgonha, Provença, Lyon, Instituto Lumiére...Uma viagem feita com calma, por um homem que gasta enquanto vive, e, claramente, não se concentra em guardar ou acumular. 


No início, quando Michael questiona Anne por ela ter pedido dois sanduíches no hotel e reclama do preço da água, ela o confronta: "Para que trabalhar tanto, se não podemos pedir 02 sanduíches uma vez ou outra?" Durante o resto do filme, vemos Jacques agir de forma oposta. Em um restaurante, esclarece a Anne: "Eu sei que é rude, mas, talvez, eu tenha que atender algumas ligações" Ela diz que está acostumada e ele afirma:" Mas não deveria."Se ele quer que Anne prove 03 sabores de sorvete, ele vai pedir três sabores, mesmo sabendo que ela não vai tomar tudo. Nesta história, não há um certo, ou um errado; um bom, ou um mal. Mas, com certeza, há um recado. O recado de que temos que ter um tempo para desfrutar, para degustar e, principalmente, para dar atenção ao outro. Que, por passar tanto tempo a sua frente, muitas vezes deixa de ser visto. 




quinta-feira, 6 de julho de 2017

Insubstituível


O título original de Insubstituível é Médecin de Campagne ("Médico Rural", em tradução livre), que seria um título bem mais apropriado ao filme, já que passaremos grande parte dele, acompanhando o trabalho realizado por Jean Pierre (François Cluzet) como médico no interior da França.
Dirigido e roteirizado por Thomas Lilti, que também é médico, esta comédia dramática conta a história de Jean Pierre a partir do momento em que é diagnosticado com câncer.  Ele trabalha há 30 anos com as famílias de uma cidade interiorana sem hospital ou ambulatório. Agora, precisará de tempo livre para seu tratamento e, por isso, precisará de auxílio no trabalho. Auxílio que aceita com muita má vontade...
Nathalie Delizia (Marianne Denicourt), médica recém-formada, trabalhará com ele no campo. Ocorre que, Jean Pierre é acima de tudo apegado aos pacientes e estes a ele. Por isso, Nathalie é recebida com certa hostilidade tanto por parte de Pierre quanto dos pacientes, mas ela nunca se intimida. A partir daí, acompanharemos os dois personagens, entre altos e baixos, tentarem aparar as arestas em prol de um objetivo comum. Em determinado momento, ele chama a atenção de Nathalie: "Sabia que os médicos interrompem os pacientes a cada 22 segundos? Deixa eles falarem. 99% dos diagnósticos são dados pelos pacientes.". Já, em outra situação, ele a observa atender os ciganos. Percebe-se que está satisfeito e admirado com a eficiência dela.
O livro “A morte de Ivan que Ivan Ilitch", de Lev Tolstói, é famoso por representar uma relação médico-paciente fria, distanciada; na qual a ênfase é a doença e nunca o doente. No filme, vemos uma representação oposta e, só por isso, já vale o ingresso. Se tem algo de insubstituível no longa, é a medicina que eles praticam. São médicos que vão à casa do paciente, conhecem seu histórico, e não têm pressa em diagnosticar. São capazes de perceber um problema ao observar um tênis encostado numa parede.  Ao contrário da medicina formulaica em que se faz o mínimo necessário, Jean Pierre e Nathalie procuram fazer o melhor possível. E isto é bom de ver.

sexta-feira, 26 de maio de 2017

O Cidadão Ilustre

 Branca Machado - 21/05/2017

A comédia dramática " O Cidadão Ilustre" conta a história de um escritor talentoso e cínico que se recusa a ser hipócrita. Dirigido por Gastón Duprat & Mariano Cohn,  o filme tem início quando Daniel Mantovani (Oscar Martinez) aguarda para receber o Nobel de Literatura. Enquanto o apresentam no palco, estamos com ele nos bastidores que está sentado numa cadeira com as mãos na testa  e escuta o que dizem sobre ele. Ao ouvir a descrição de sua obra e de todas as suas conquistas, ele passa a mão na testa claramente incomodado. Quando entra no palco, assistimos a seu discurso ambíguo ou, sobretudo, cínico: “Sinto-me lisonjeado, mas, ao mesmo tempo, amargurado. E a amargura é o sentimento predominante...”. Seu argumento é de que, quando um artista recebe um Nobel, sua obra entrou no gosto de todos; tornou-se conformidade e tal fato seria o início de seu declínio: “Agradeço a vocês por terem terminado com minha aventura artística. ”.
Cinco anos depois, encontramos o escritor em sua casa em Barcelona.  Daniel cancela compromissos, não quer comparecer a nenhuma premiação e não criou mais desde que recebeu o Nobel. Mas, neste dia, recebe uma carta escrita à mão, que vem de Salas, a  província na Argentina onde ele nasceu. Esta carta dá início ao primeiro capítulo do filme “O Convite”; que terá mais quatro: 2- “Salas”; 3-” Irene”; 4- “O Vulcão”; e 5- “A Caça”. 
O convite é para que autor receba o título de Cidadão Ilustre da cidade. Ele o recusa imediatamente sob o argumento de que, às vezes, tem a sensação de que sair de Salas parece que foi a única coisa que fez na vida: “Meus personagens nunca puderam sair de lá e eu nunca pude voltar”. No entanto, pensa melhor e acaba decidindo ir. Sozinho. Sem a companhia de sua fiel secretária Nuria (Nora Navas). Quando chega a Salas, percebemos que toda inspiração para suas histórias vem daquela pequena e provinciana cidade. E, aos poucos, ele será cobrado disso por seus conterrâneos... Do orgulho ao ressentimento pelas conquistas do ex morador, ex namorado, ex melhor amigo bastam 02 dias. Além disso, Daniel não quer agradar e não querer agradar exige coragem. 
O escritor é um personagem controverso, mas, à medida que convivemos naquela cidade, passamos a compreender sua satisfação em sair de lá. De certa forma, Salas lembra a Dogville de Lars Von Trier. Nada é o que parece a princípio. O provincianismo pode ser tão acolhedor quanto cruel. Mas é, sobretudo, inspirador. E, se, como afirma Ariano Suassuna, “ tudo que é ruim de passar é bom de contar”, Daniel Mantovani soube tirar ótimo proveito disso. 

sexta-feira, 3 de março de 2017

La La Land


Branca Moura Machado

É mais um dia de sol em Los Angeles e, apesar do engarrafamento, é possível sintonizar uma boa rádio e se deixar levar pelo ritmo. La La Land começa como este dia. Em um delicioso plano sequência, já estamos animados para ver mais. Mia (Emma Stone) ensaia uma peça em seu carro, enquanto Sebastian (Ryan Gosling) a ultrapassa e buzina mau humorado. Durante o filme, o som desta buzina pontuará momentos marcantes na vida de Mia e Sebastian.
Inicialmente, acompanhamos Mia que trabalha em um café dentro dos estúdios da Warner, ao mesmo tempo, em que participa de testes e audições para se tornar atriz. Ela se dedica realmente aos testes, mas é sempre interrompida pelo celular do diretor, ou alguém que traz um lanche; o que pode ser muito desanimador. O seu dia acaba sendo como qualquer outro dos últimos anos de sua vida na cidade. Com a exceção de que ela resolve sair com as amigas e, após um momento crucial daquela noite, voltamos à cena do trânsito e acompanhamos Sebastian durante aquele mesmo dia. Desta forma, conhecemos os dois personagens. Passamos a saber seus sonhos e aspirações. Sebastian é pianista e quer resgatar o Jazz. O ritmo puro, não um produto mixado. Mas, conforme um amigo o confronta: “Como o jazz não vai morrer, se os jovens não escutam? ” De certa forma, é isto que o diretor Damien Chazelle procura fazer com os musicais. Ao filmar La La Land, ele atualiza e homenageia o gênero e, quem sabe, pode agradar um novo público.
A homenagem ao gênero se estende à técnica de filmagem utilizada pelo diretor, o Cinemascope. Tal técnica surgiu em 1953 e foi utilizada até 1967 para a gravação em widescreen, e marcou o início deste formato tanto para a gravação quanto para a exibição de filmes. A paleta de cores do filme utiliza bastante as cores primárias (azul, amarelo e vermelho). Os acessórios, os vestidos, as paredes têm cores variadas e estas cores nos ajudam a entrar no estado de espírito dos personagens. O filme é cheio de referências notáveis como “Cantando na Chuva”, “Juventude Transviada”, “Casablanca”, “West side Story”, entre outros. É um prazer reconhecermos um pouco de cada um ao assistirmos
Isto tudo, apesar de atualizado, traz uma certa nostalgia a quem assiste. Uma saudade daqueles filmes que já não se produz. Nostalgia essa que Sebastian também possui em relação ao Jazz. Identificamo-nos com o personagem de duas formas complementares. Pois, além de torcer por ele e Mia, entendemos sua luta. Em certo momento, após um beijo do casal, a tela escurece em um fade out como nos saudosos finais felizes. Mas, a verdade é que, após um fade out, há sempre um fade in, a vida continua e, para realizar um sonho, muitas vezes, temos de deixar outros de lado. No entanto, o que poderia ter sido será sempre algo com que poderemos contar e ,ele sim, permanece feliz para sempre.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

Tal mãe, tal filha!


Eu tenho um caderno que uma grande amiga me deu, no qual anoto os filmes a que assisti, dou nota e classifico com estrelas.
A Manu, outro dia, foi assistir "Moana; um mar de aventuras"  e não é que me apareceu com um caderninho, escreveu Moana e colocou as estrelinhas?! 05 porque ela gostou muito!


Manchester à beira mar (2017)

Branca Machado – 22/01/2017

No início de “Manchester à beira mar”, Lee (Casey Affleck) está no barco com o irmão Joe (Kyle Chandler) e o sobrinho Patrick, ainda criança. De forma bem-humorada, Lee quer convencer Patrick de que ele seria a melhor opção para levar para uma ilha deserta. O tio teria mais habilidades para proteger o garoto na ilha.
A cena contrasta com a realidade atual do personagem que vive em Boston e trabalha como zelador. Enquanto Manchester está ensolarada e colorida, Boston está gelada e cheia de neve. A convivência de Lee com os moradores dos prédios que cuida não é fácil. Ele é basicamente calado e não procura agradar. Seu chefe resume: “Você é rude, hostil, não dá bom dia. Recebo reclamações”.
Neste princípio, a câmera acompanha o protagonista. Não há acontecimentos paralelos. Só o passado e o presente dele. As cenas passadas surgem de forma orgânica. Como se ele tivesse lembrando daquilo, enquanto assistimos. Desde o princípio, percebemos que algo muito trágico aconteceu no passado dele. Descobrimos aos poucos o que foi, na medida em que as lembranças voltam mais fortes para o personagem, já que ele tem que voltar à Manchester, devido à morte de seu irmão. Joe nomeou Lee como tutor de Patrick (Lucas Hedges), que está com 16 anos.
Com os flashbacks percebemos claramente quem Lee era e quem ele se tornou. E, por isso, ficamos mais apreensivos sobre o que pode ter acontecido que o transformou em quem ele é. Nas cenas mais fortes, em que notícias ruins ou acontecimentos tristes são mostrados, não escutamos o diálogo. Assistimos de longe, acompanhados de uma trilha instrumental. Tal como Billy Wilder afirmou: “Às vezes, é melhor deixar o público imaginar, não mostrando as coisas. Se um pai volta para casa e vê seu filho atropelado por um carro, em meio a um mar de sangue, é impossível fotografar seu rosto. Filmo sua nuca e o público sente, por si mesmo, mais coisas que o ator pode exprimir. O público deve participar de seu trabalho, não deve permanecer passivo. ”

A cena mais impactante é mesmo aquela que finalmente esclarece a virada na vida de Lee, ao som de Adagio em sol menor para violino, cordas e órgão contínuo, assistimos perplexos ao que aconteceu com o personagem e, finalmente, entendemos suas atitudes, personalidade e silêncio. De qualquer forma, Lee quer o melhor para o sobrinho. Ele e o irmão eram grandes parceiros e Patrick sempre fez parte de sua vida. Ocorre que Lee sabe que o melhor não é ele. Impossível não relembrar da cena inicial em que Lee se acha a melhor opção para acompanhar o garoto em uma ilha deserta. O arco dramático se completa de forma pesarosa. Mas, é isso. A vida não te possibilita sempre as melhores opções. E este filme demonstra esta realidade com muita sensibilidade.