domingo, 6 de março de 2022

A Filha Perdida

 

Em A Filha Perdida, Leda (Olivia Colman) é uma mulher de meia-idade divorciada, devotada à profissão como uma professora de literatura comparada. A história começa quando ela chega à Grécia para passar férias. Somos apresentados ao apartamento em que Leda se hospedará pelo zelador Lyle (Ed Harris) ao mesmo tempo em que ela conhece o local. Não é à toa que seu quarto  é iluminado pela luz de um farol de tempos em tempos, como se sinalizando que, para ela, não é possível dormir tranquilamente nem ali; ou que as frutas em cima da mesa pareçam ótimas, mas estejam podres nas camadas de baixo. 

A protagonista pretende relaxar, tomar sol, nadar e também ler e revisar textos. Mas, depois de alguns dias,  a chegada de uma família americana, numerosa e agitada, tira o foco de Leda e acaba servindo de gatilho para o resgate de uma culpa que ela não consegue expiar. Especialmente mãe e filha, Nina (Dakota Jonhson) e Elena, chamam sua atenção. Leda se aproxima da família ao encontrar a menina e devolver à mãe em um dia que a criança se perde na praia. 

 O filme é baseado no livro homônimo de Elena Ferrante. A autora escreve sobre mulheres complexas, imperfeitas, que carregam a culpa de suas decisões, sofrem, causam sofrimento - e, nesta caso, são mães. Quem conhece seus livros sabe que ela escreve de forma intensa. Dura. Descreve mulheres que não são uma coisa só. São várias. São passionais. São indecisas. Querem ser tudo. Mas ainda convivem em um mundo no qual este tudo não cabe. E a diretora Maggie Gyllenhal faz jus a autora. 

A protagonista é uma mulher que carrega a culpa de ter feito uma escolha predominantemente masculina. A controversa decisão que tomou no passado impôs a ela um fardo que passou a defini-la e persegui-la. Lyle, o zelador, que fez algo similar, não se julga e, com certeza, é julgado de forma bem menos condenatória. No filme, acompanhamos o conflito interno de Leda por meio de suas lembranças e, assim, convivemos com ela jovem, talentosa, inquieta, equilibrando-se entre uma carreira promissora e a maternidade. Será que cabe tudo? Para ela, em algum momento, não coube. 

Em uma cena, na qual Leda tenta trabalhar e cuidar das meninas pequenas, que demandam de forma insistente sua atenção completa, não há alívio para a mãe, para as meninas e, para nós, espectadores. A cena é  extremamente corajosa ao retratar uma situação cotidiana entre mãe e filhas em um ritmo que nos parece opressor, até cruel. Talvez, por se tratar de lembrança de Leda e foi assim que ela se sentiu ali.

O tempo todo, percebemos esta dualidade na protagonista. Este bate e assopra. Esta reflexão cíclica entre a decisão de partir e o que ela rejeitou quando fez esta escolha; em nenhum destes lugares, ela está totalmente confortável. O que representa sua reflexão interna é a situação que vive em suas férias. Ao mesmo tempo em que a protagonista encontra Elena na praia e a devolve para  Nina, ela rouba a boneca pela qual a criança tem tanto carinho como se dissesse “você não tem que necessariamente ser uma mãe quando crescer”.  

A história coloca a maternidade em um foco necessário. E parece nos dizer que ser mãe não é uma decisão simples ou óbvia. Como a própria Leda afirma em um dos seus trabalhos acadêmicos "a atenção é a forma mais pura de generosidade". É preciso que o olhar esteja também naquela mulher que não deixa de ser uma coisa para se tornar uma outra perfeita, estável. É preciso que esteja na criança, que só pede a atenção de que tanto precisa. É preciso, principalmente, que se saiba que nem sempre é aquela mulher que tem de levantar para fazer a criança parar de chorar. 

Casa Gucci

* Texto redigido em 8/12/2021

Casa Gucci está em cartaz nos cinemas. E é tão bom escrever isto. Voltar às salas escuras tornou-se uma atração por si só, mas, se tivermos um bom motivo, melhor ainda. E este filme pode ser um. Dirigido por Ridley Scott  (diretor, entre outros, de Blade Runner e Perdido em Marte), o longa acompanha a saga da família Gucci entre os anos 70 e 90 e retrata a chocante história do império da família por trás da casa de moda italiana. Além do diretor, o núcleo de atores principais é também um convite: Al Pacino como Aldo Gucci, Jared Leto (irreconhecivel) como seu filho Paolo Gucci, Jeremy Irons como Rodolfo Gucci é pai de Adam Driver - Maurizio Gucci - e, finalmente, Lady Gaga como Patrizia Reggiani, esposa de Maurizio.

A trama é baseada no livro “Casa Gucci: Uma história de glamour, ganância, loucura e morte”, de Sara Gay Forden. E, como descreve o crítico Kalel Adolfo, trata-se de uma "loucura cativante". O filme nos revela a importância e o poder que o nome Gucci carrega e tudo o que a família fez para conseguir e manter esse sucesso. O mais interessante da narrativa é assistir a esta dinâmica familiar ser desconstruída diante do poder da marca que se tornou a Gucci. O nome ficou maior que a família. E, em determinado momento, não precisou mais dela. Isto não veio à toa. É resultado de um jogo de poder, no qual seu aliado, hoje, torna-se seu algoz, amanhã. Prova disto é o assassinato de Maurizio Gucci, encomendado por sua esposa Patrizia. Ela conspirou para matar o marido em 1995, contratando um matador de aluguel e outras três pessoas, incluindo sua terapeuta e melhor amiga.

Quem for assistir ao longa na expectativa de acompanhar o planejamento  e o assassinato de Maurizio vai se decepcionar. Este não é o assunto principal do filme e é tratado como mais um acontecimento dentre os vários que levaram a família Gucci a perder a empresa que, até hoje, leva seu nome. 

Acompanhamos 3 décadas de uma história de amor, glamour, luxo, traição, decadência, vingança e assassinato. Assistimos aos membros da família caírem como peças de um jogo de tabuleiro. Mas, para Patrizia, uma vez no topo, não havia retorno. E, quando Maurizio sai de casa para não voltar, a consequência é a que já sabemos. Se a rainha sai do tabuleiro, é muito provável que o rei não sobreviva. Em toda esta história, quem nunca caiu foi a Gucci.