segunda-feira, 2 de março de 2020

Parasita

Branca Moura Machado
Parasita é um filme vertical. A verticalidade está presente no fato de a famíilia  pobre (os Kim) morar no subsolo de uma construção de um bairro já baixo, enquanto a família rica (os Park)  mora em um bairro alto, em uma rua de subida; passa pelo porão existente na mansão e chega a seu cartaz de divulgação (ao lado). O longa é construído em cima deste norte e sul. Ele não é sobre o bem contra o mal. É sobre como uma desigualdade social tão intensa, de forma natural, acaba colocando um grupo no lado oposto de outro: um em cima; outro, em baixo. 
Dirigido pelo sul coreano Bong Joon-ho  e vencedor de quatro Oscars (melhor filme, diretor, roteiro original e melhor filme estrangeiro), Parasita conta a  história dos Kim que manipulam os Park  de forma a todos os membros da primeira família começarem  a trabalhar para a segunda. Os Kim não passam a trabalhar para os Park de forma honesta. Eles manipulam os fatos para conseguirem os empregos e nunca se assumem como parentes (pai, mãe e filhos). E a verdade é que eles não querem só o serviço e o salário... De certa forma, eles querem usar os Park como hospedeiros. Mas não são só eles. E, quando parasitas descobrem concorrentes, eles passam a competir entre si...
Parasita passeia por diversos gêneros. É profundo, mas, ao mesmo tempo, um thriller que prende nossa atenção do início ao fim. E nos surpreende. Surpreende bem. Como descreve o cineasta mexicano Guilherme Del Toro:  "Dizer que este é o melhor filme de  Bong Joon-ho  significa muito para mim. E é. Um filme cheio de tristeza, inteligência e profundidade. Irreverente, mas sensível. Impressionante"
A cena em que os Kim fogem para casa em meio a uma tempestade e descem, descem escadas, descem mais, para chegar em casa e ainda descer  mais um pouco foi realizada com maestria pelo diretor. Parece que aquela descida não tem fim. Chega a ser uma alegoria o tão baixo os kim chegaram naquele dia. Ao mesmo tempo,  os Park estão tão alienados que não percebem o que acontece debaixo de sua mesa de centro...A tensão do filme é construída nestas diferenças que se acumulam. Algumas vezes, não sabemos quem é parasita de quem. Os empregados contam com aquele serviço para uma sobrevivência quase visceral; por outro lado, os patrões são totalmente dependentes deles em vários aspectos. No caso do filme, esta dependência beira a ingenuidade. 
São condições tão díspares que um mero comentário da patroa sobre como a tempestade do dia anterior limpou o céu para o aniversário do filho pode ofender profundamente o motorista, que teve tudo o que possuía levado por esta mesma tempestade. Neste dia, Dona Kim está descansada sem saber o grau de exaustão e a inquietude nas quais seu funcionário se encontra. A empolgação dela já o machuca. É neste limite tênue entre "o sul e norte" que as tensões explodem e trazem um final memorável e impactante. Em uma trama sem bem, nem mal, a conclusão ironicamente está à altura de um roteiro maniqueísta. E  Parasita não precisou de um grande vilão para terminar assim... só precisou de uma dinâmica social exageradamente vertical.