domingo, 31 de dezembro de 2023

Oppenheimer



 Em certo momento do filme Oppenheimer, o físico traduz o seguinte trecho do sânscrito: “E agora me tornei a morte. A destruidora de mundos.”. Em outro, alguém comenta: “A bomba não foi o último ato da segunda guerra, mas o primeiro da guerra fria.”.

O filme sobre o pai da bomba atômica nos envolve de forma eficiente numa narrativa sobre o cientista que amava a física quântica e queria, acima de tudo, revolucioná-la. E que, ao perceber o que ele podia ter desencadeado, militou a favor do controle da corrida armamentista na Guerra Fria e acabou sendo acusado de espião soviético na era McCarthy.

Acompanhamos toda esta trajetória no longa. E concluímos que a bomba atômica acabaria surgindo de um lado ou do outro da Guerra; que o homem por trás dela era genial e obstinado, mas não era o proprietário daquela arma; e que, principalmente, não previu todas as consequências de sua invenção que, ao final, resultaram em mundiais e definitivas.

Oppenheimer (Cillian Murphy) era uma figura polêmica, Coronel Groover (Matt Damon), ao convidá-lo para dirigir o projeto atômico, descreve: “Você é diletante, mulherengo, suspeito de comunismo, teatral, neurótico”. E o cientista pergunta: “E genial?”. O coronel comenta: “Genialidade é comum no seu meio”. O que não era tão comum era um contraponto ético em um meio tão científico e teórico. Nesta indefinição ética, o físico ouvia coisas como: “A Guerra não acabará. Os japoneses não desistirão. A bomba salvará vidas.”. Fato é que o físico ficou à frente de um projeto no qual foram investidos 2 bilhões de dólares, 4.000 pessoas, 3 anos de dedicação, muita expectativa e pressão.

O filme é entremeado de flashbacks, enquanto acompanhamos o depoimento do físico à audiência de Segurança da Comissão de Energia Atômica dos EUA em 1954 e também o de Strauss (Robert Downey Jr.) ao senado americano algum tempo depois. A partir destes depoimentos, montamos a narrativa e o contexto por trás da invenção da bomba. Em uma palestra pré Segunda Guerra, vemos o físico dinamarquês Niels Bohr comentar: “Física Quântica não é um passo à frente. É uma nova maneira de entender a realidade. E nem todos aceitam.”. A física radical de Oppenheimer era abstrata, controversa, revolucionária e surgiu em um momento definitivo da história mundial.

No livro que deu origem ao filme, “Oppenheimer: O triunfo e a tragédia do Prometeu americano” de Bird, Kai, compara-se o cientista ao mito Prometeu que roubou o fogo dos Deuses e o entregou à humanidade. Prometeu foi seriamente castigado. Oppenheimer também. Ao experimentar a prática, humanizou-se e isto tornou sua vida bem mais difícil e conflituosa. E, no fundo, a de todos nós. 


domingo, 3 de dezembro de 2023

Tia Virgínia


Tia Virgínia estreou no 51º Festival de Gramado com uma trajetória de destaque: a sessão foi a mais aplaudida da edição e, algumas vezes, o público parou para aplaudir uma cena. O filme levou 5 prêmios, incluindo Melhor Roteiro e Melhor Atriz. 

O filme começa com Virgínia (Vera Holtz) dando corda em um relógio e acertando meticulosamente seus ponteiros hora por hora. É este tempo do relógio, que ela acerta, que vamos acompanhar no desenrolar de um dia dentro da casa em que ela vive com a mãe inválida. 

É dia 24 de dezembro e ela aguarda as irmãs que moram fora e estão vindo para a ceia de Natal. A cuidadora não foi trabalhar e Virgínia inicia a árdua rotina de cuidados com a mãe, enquanto espera, com certa ansiedade, o restante da família chegar. A rotina da casa parece ser bem parecida todos dos dias. E, nós, como espectadores, não saímos dela. Ficamos ali o tempo todo.

Com a chegada das irmãs e de dois sobrinhos, todos os personagens passam a conviver e trocar informações com as quais a gente monta uma dinâmica familiar que revela focos de tensões entre os personagens. Como em praticamente todas as famílias, o encontro de Natal não é assim um momento tão acolhedor como, a princípio, pareceria ser.

Logo que chega, Valquíria (Louise Cardoso) elogia a forma como a irmã cuida da casa. Mas, 10 minutos depois, ela troca os móveis de lugar, sem nem consultar Virgínia, que, afinal, mora ali. Vanda (Arlete Salles), ao entrar, começa a lembrar-se do pai e a ficar emotiva, mas logo é confrontada com o fato de que não compareceu ao seu enterro. São cobranças guardadas, ressentimentos antigos, que, naquele ambiente nostálgico, e, de certo modo, claustrofóbico por carregar tantas lembranças, encontram um ambiente fértil para aflorarem.

Em muitos momentos, identificamos algumas situações com nossa própria família e chegamos a achar graça. Mas, no fundo, incomodamo-nos com a manipulação em cima de Virgínia que, em tese, deve se sentir grata por morar naquela casa de graça e cuidar da mãe. As irmãs chegam a questionar os gastos; os quais têm achado muito altos.  

O filme surpreende com seu desfecho, de muitas formas, libertador e revolucionário. E nós saímos com a sensação de que temos que olhar mais de perto para as "Tias Virgínias" de nossa família. Elas possuem aspirações e interesses que não devem ser negligenciados.