terça-feira, 27 de novembro de 2012

Argo (2012)



               
Branca Machado – 23/11/2012

      Argo seria o nome de um filme de ficção científica no final dos anos 70, se seu roteiro tivesse sido escolhido pelos produtores de Hollywood. Mal sabia sua autora, que sua obra teria uma utilidade e um peso histórico muito maiores e, muito menos, que, anos depois, Argo seria realmente o nome de um filme. Mas não de ficção e sim de uma produção baseada em acontecimentos reais.
     A história, dirigida por Ben Affleck, conta fatos ocorridos no Irã em 1979. Fatos esses tão inacreditáveis que só acreditamos por que aconteceu. O filme se inicia com um breve resumo histórico do país. Com quadrinhos, story boards e imagens documentais ele vai do império persa ao golpe, apoiado pelos E.U.A, contra o presidente Mohammad Mosaddeq e sua substituição pelo  xá Reza Pahlevi. Em 1979, a população depôs Pahlevi. Aiatolá Khomeini tomou o poder. Queriam fazer um acerto de contas com o xá. Os americanos tinham dado asilo político para ele. A população, então, invadiu a embaixada. E esta é a situação, a partir da qual, o filme contará sua história.
    A embaixada americana foi invadida, fizeram 52 funcionários reféns, mas, neste meio tempo, 06 diplomatas fugiram para a casa do embaixador canadense e deveriam ser resgatados de lá o mais depressa possível,antes que os autoridades iranianas descobrissem a ausência deles. Para isso, a CIA pensou em diversas estratégias extravagantes: fuga de bicicleta para as fronteiras, diploma de professores. E acabaram resolvendo pela “melhor da piores ”: A produção de um filme em terras exóticas.O agente Tony Mendez ( Ben Affleck) contou com a ajuda do maquiador John Chambers (John Goodman) e do produtor Lester Siegel (Alan Arkin) para simular a existência dessa produção, A busca pela locação justificaria a presença da equipe de filmagem no Irã. Equipe que, na verdade, seria formada por Mendez e, posteriormente, pelos seis diplomatas, que assumiriam os papéis de integrantes do projeto. Para esta farsa funcionar , até uma leitura para imprensa daquele roteiro “rejeitado” foi realizada por atores. Sua campanha publicitária foi publicada em revistas. Em entrevista a revista Istoé, Affleck salienta que o filme demonstra “ O poder que se tem o ato de contar histórias”. Que não deixa de ser o próprio poder do cinema,
     O ponto alto de Argo é o contraste entre o núcleo americano e o irariano. Ele gera um ótimo equilíbrio entre a tensa situação no Irã e o clima de farsa de Hollywood. Ao procurar Chambers para lhe fazer a proposta do plano, Mendez pergunta sobre o que ele está filmando. O maquiador responde: “Um filme com monstros”. O agente replica: “É bom?”. O outro responde: “O público-alvo vai detestar”. Mendes, curioso: “Quem é o público-alvo?” Chambers conclui: “Pessoas com olhos”. Ainda em Hollywood, na coletiva com a imprensa, quando se diz que as filmagens serão no Irã, o jornalista, incrédulo, pergunta: “Irã com ã?”Em contrapartida, quando Mendez vai pegar seu visto em Istambul, assistimos com apreensão ao atendente rasurar o carimbo, consertando de “Reino do Irã “para “República Islâmica do Irã”. Seu olhar desconfiado, as cores mais cinzas do núcleo oriental; tudo isso contribui para este contraste interessante.
    Ao final, John Chambers comenta com Lester: “A história começa com uma farsa e termina com uma tragédia. Ou seria o contrário?” . Quem fez esta afirmação foi Marx, numa metáfora com o teatro, afirmando o contrário, a propósito da repetição histórica, que os acontecimentos, as personagens e as formas de governo começam como tragédia e terminam como farsa. Conclusão melhor para o filme não há. 

quinta-feira, 1 de novembro de 2012


Um divã para dois (2012)

Branca Machado, 18/10/2012
                

        “Um divã para dois” começa onde as comédias românticas nunca chegam: 31 anos de casamento. Ele não enfeita, nem idealiza a relação; algo raro em filmes americanos neste estilo. O que vemos chega a incomodar de tão verdadeiro. E é bem mais comum do que se gostaria. Na cena inicial, Kay ( Meryl Streep) está de camisola azul e entra no quarto de Arnold (Tommy Lee Jones), seu marido, que, assustado, questiona: “ O que? O que foi?”. Ela responde timidamente: “Pensei em dormir aqui hoje... “Ele rebate: “Por quê? O ar condicionado está com defeito?”. A cena é uma ótima síntese do que será tratado no filme. 
        Kay está disposta a mudar seu casamento. Não pretende mais viver daquele jeito. E, para isso, encontra uma terapia de casal intensiva em Maine. Quando ela sugere a viagem  ao marido, salienta que nunca havia lhe pedido nada. Ele rebate: “ E aquele geladeira nova que eu comprei?”. Ela olha descrente: “Não foi isso que eu quis dizer.” Na discussão sobre ir ou não ir ou sobre se o casamento está em crise, ele afirma: “Eu beijo você todos os dias”. Ela olha daquele jeito novamente. Um olhar desanimado. Este olhar de Meryl Streep nos diz tudo sobre a personagem. Ela quer dizer tanta coisa, mas, simplesmente não diz. É um olhar de quem precisa falar, mas não sabe como. 
        O filme possui pequenas sutilezas que colaboram com o discurso. O hotel econômico e frio em que eles se hospedam contrasta com as pousadas pitorescas da cidade, bem mais apropriadas para um casal de férias. Na primeira sessão de terapia, eles sentam no sofá cada um no extremo oposto do outro. Dependendo da situação, sentam-se mais próximos, depois, afastam-se novamente. Ela abotoa a blusa  numa situação que a deixa particularmente desconfortável. Não por acaso, no quarto do hotel, enquanto conversam, a televisão exibe “Mad about you”,  uma série que tem como tema principal as neuroses e confusões de um casal recentemente casado. 
        Para o terapeuta (Steve Carell), Arnold responde que seu casamento é bom o suficiente, já Kay afirma que quer um casamento novamente: “Ele costumava me tocar. No braço. No ombro. Não apenas para aquilo, mas por que ele queria...” Nessas sessões, o diretor costuma deixar a câmera em um, enquanto o outro fala, mostrando a reação de quem ouve e não a atitude de quem fala. A ênfase é no  efeito da revelação. Eles sabem pouco um do outro atualmente. Não se ouvem e não se olham mais. Em uma discussão, durante a viagem, Arnold  pergunta à esposa: “Alguma vez eu disse alguma palavra grosseira para você?”.  Ele não percebe mais quando está sendo grosseiro. É este tipo de coisa que o casal vai descobrir ao longo daquela semana. 
        Acompanhamos a terapia e sabemos o quanto está sendo difícil para eles. Expor-se daquela forma requer coragem. Quando voltam para casa, Arnold diz para Kay: “ São só expectativas. Como quando você muda a cor  do cabelo ou a roupa. Você muda  por um momento, mas, no final, você volta a ser você mesmo.” Sim. A gente volta a ser a gente mesmo. Mas todos  queremos mais e não  paramos de querer só por que nos acostumamos. Talvez, essa estagnação é que não faça parte da nossa natureza. Como afirma Kay “Deve haver sempre algo para almejarmos no futuro".