terça-feira, 17 de agosto de 2021

Nomadland

 


'Nomadland', de Chloé Zhao, é o vencedor do Oscar/2021 de melhor filme, direção e atriz. O longa lembra um documentário e acompanha a personagem Fern (Frances McDormand) durante cerca de um ano em sua trajetória pelos Estados Unidos atrás de empregos temporários e tendo como lar sua van.

A personagem é apenas uma de inúmeros americanos que rodam o país como nômades. Durante o filme, este modo de vida é comparado ao desbravamento do 0este americano, a jornada da conquista. Em certo momento do filme, em um dos acampamentos, declaram para Fern: "Você é uma das sortudas que nasceu nos E.U.A." De certa forma, este modo de vida é tradicionalmente americano e relacionado a uma liberdade almejada. Conforme Fern explica, "Eu não sou uma sem-teto. Eu só não tenho uma casa." Para mim, o filme mostra contradição entre este discurso da liberdade idealizada e o que realmente vemos na tela. Além disso, viajar em busca de subempregos é o que os permitem sobreviver. 

A impressão é de que este modo de vida é a única saída para a sobrevivência financeira  e emocional destes personagens. São idosos, que não possuem uma aposentadoria com que contar. Ou, pelo menos, uma com que consigam viver. São também pessoas solitárias, com histórias de vida trágicas. Portanto, para mim, fica difícil a comparação com o desbravamento. Na conquista do oeste americano, havia um futuro; no filme, só um passado e uma total falta de perspectiva. 

Fern começa e termina o filme trabalhando na Amazon no período do Natal. Entre um período e outro, ela passa por fast foods, é anfitriã de campings, trabalha na coleta de beterraba, enquanto roda pelo país. O irônico é que, na seleção para  tais empregos, ela chega a afirmar: "Eu preciso de trabalho. Eu gosto de trabalhar." Então, a incoerência a acompanha, pois, para quem gosta de trabalhar, o ideal não seria um emprego temporário e incerto; o que reforça a contradição que perpassa a história.

Marcelo Hessel, em seu comentário no site omelete, escreve: "Essencialmente, o filme concilia suas contradições na montagem. É a partir dela que Nomadland pode ir e voltar o tempo inteiro em registros distintos: flutuar entre o viver livre e o viver mal, entre o trabalho braçal e o ócio criativo, entre o tédio da rotina e o maravilhamento com a natureza."  De certa forma, a paisagem é o que pode compensar aquele modo de vida tão sacrificado e solitário. É ela que traz momentos de alívio e expiação para os personagens. Ao mesmo tempo, como Marcelo Hessel, também pontua, Nomadland retrata como o "trabalho precarizado e a crise imobiliária se assentaram de tal forma que já parecem parte da paisagem americana". 

No filme, eles chamam este modo de vida de nomadismo. Minha impressão é de que na, maioria das vezes,  não se trata de uma escolha por um modo de vida. Aquelas pessoas, por um ou outro motivo, não se encaixam mais em nenhum lugar, não estão mais confortáveis. Como quando Fern sai do quarto aconchegante na casa do filho de Dave (David Strathairn) para dormir em sua van. Ela não se sente mais pertencente há algum lugar. Mas, tampouco, sentimos que seu lar seria a estrada. Para mim, a estrada pareceu a fuga, ou a única opção.