quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Melhores 2013


Branca Machado – 11/12/2013

Neste encerramento de ano, pediram-me para fazer uma seleção dos melhores filmes de 2013. Trata-se de uma lista pessoal, difícil de elaborar, pois eu tenho carinho por vários outros filmes aos quais assisti neste ano. No total, assisti a 34 filmes no cinema, dos quais, selecionei 10 para indicar aos colegas. A lista está em ordem alfabética e não de preferência, pois gostei mais de uns em alguns aspectos e , de outros, em outros:

1. A hora mais escura: "Zero dark thirty" é um termo usado pelas forças armadas dos EUA para se referir a uma hora não especificada da madrugada em que o céu ainda está todo escuro. Esta foi a hora em que mataram Bin Laden. Dirigido por Kathryn Bigelow, vencedora do Oscar por Guerra ao Terror,  o filme  retrata  a perseguição pelo terrorista desde os atentados de 11 de setembro de 2001 até sua morte, em 02/05/2011.
2. Amor profundo: Uma das melhores interpretações da carreira de Rachel Weisz. Trata de um  triângulo amoroso com a Segunda Guerra como pano de fundo. Dá para falar sobre inúmeros aspectos dele, mas o que me conquista mesmo são as sutilezas.
Aquele detalhe que o cineasta coloca e, se passar despercebido, não fará falta ao todo, mas, se o percebermos, este todo fica muito mais rico. Como as duas cenas em que a personagem fecha e abre as cortinas.
3.    * Antes da meia-noite: Encerra bem a trilogia iniciada por “Antes do amanhecer” e seguida por “Antes do pôr-do-sol”. Muito bom ver Jesse e Celine casados e com conflitos como todos nós. Vai além do “foram felizes para sempre”.
4.    * Blue Jasmine: Drama de Woody Allen com perfeita interpretação de Cate Blanchet no papel de Jasmine. Todos nós conhecemos alguém como ela cuja vida está inteira apoiada na vida de outro, emocional e financeiramente. E, quando esse outro sai de cena, não há mais pilastras em que se apoiar...
5.    Capitão Phillips: Filme tenso. Prende o público do início ao fim. Na mesma linha de Argo, mostra um E.U.A mais perto da gente, menos imbatível.
6. Django Livre:  A vingança é sempre um tema fascinante. Nas mãos de Tarantino, tornou-se original.
7.    * Frances Ha: Remete ao estilo da nouvelle vague. Frances é uma heroína muito real. Aos 26 anos, tem que encarar certas decisões as quais tenta postergar. Como está meio inerte e seus amigos em movimento, há uma certa dessincronia em sua vida. “É preciso estar de mal com a vida, ter o coração de pedra, ser ruim da cabeça ou doente do pé para resistir à cena de "Frances Ha" em que a protagonista sai correndo e dançando pelas ruas de Nova York ao som de "Modern Love", de David Bowie.” ( Ricardo Calil, Folha de São Paulo)
8.     * Gravidade: Inova e realiza um perfeito encaixe do 3D na narrativa. Fora isso,  leva-nos a refletir sobre a solidão como se estivéssemos no espaço também.
9. Hitchcock: Além de retratar o casal Hitchcock de forma bem interessante, com excelente interpretação de Helen Mirren como Alma  Reville, trata-se também de uma homenagem à Mostra “Hitchcock é cinema”, ocorrida na sala Humberto Mauro.
10.   O Quarteto: Representa uma tendência de filmes que refletem sobre os dramas e rumos da terceira idade como “E se vivêssemos todos juntos”, “Sejam muito bem-vindos” e “Os belos dias”; também lançados em 2013.

Para dar alguma notoriedade a esta seleção, verifiquei a lista de Quentin Tarantino, diretor, dentre outros, de Pulp Fiction, Bastardos Inglórios e o já citado Django Livre. Assim, os filmes com a indicação do asterisco (*) coincidem com as preferências dele.
Desejo um ótimo natal a todos e espero que, neste fim de ano, tenham tempo para assistir a alguns filmes da lista.

terça-feira, 26 de novembro de 2013

Capitão Phillips


Branca Machado – 17/11/2013


     Capitão Phillips começa em 28/03/2009 e mostra papéis sobre uma mesa, uma carteira de marinheiro mercante, um computador e Richard Phillips (Tom Hanks) arrumando e juntando alguns deles. Capitão de um navio cargueiro, ele sairá para uma nova missão na Costa da Somália. Sobre este novo trabalho, sua esposa comenta enquanto o leva ao aeroporto: “Essas viagens deveriam ficar mais fáceis. Mas parece o oposto...”. No caminho, ainda conversam sobre os filhos e Phillips comenta a mudança do mundo e afirma: “Só sobrevive quem é forte.” Neste momento, ele resume o que será sua trajetória nos próximos dias.
     Depois de conhecermos a casa, a esposa e a confortável e harmônica vida familiar do capitão, o diretor Paul Greengrass nos confronta com a vida de pescadores somalis dormindo no chão em barracos empoeirados e sendo acordados por chefes de gangue cobrando os lucros da pirataria: “Vocês deviam estar no mar, ganhando dinheiro!”. Enquanto Muse (Barkhad Abdi) seleciona sua tripulação entre africanos magros e mal tratados como se escolhesse um time para uma pelada, assistimos ao capitão chegar ao grande navio em que irá embarcar justamente para levar comida e água mineral aos africanos necessitados.
     Nessa sutil construção paralela, percebemos o quanto as vidas de Phillips, capitão do navio, e de Muse, líder dos piratas, são diferentes. Na verdade, nem parece que vivem no mesmo mundo. Mas eles irão se cruzar. E o grande navio americano será subjugado pela pequena lancha de destemidos e ousados somalis que não têm nada a perder. O filme faz questão de enfatizar que o navio vai desprotegido pela Baía da Somália onde, se sabia, havia pirataria. Inclusive o capitão lê um e-mail sobre o assunto: Alerta de pirataria na costa da Somália - audácia e operacionalidade aumentam. Sentimos a preocupação de Phillips. Ele esperava, mas não estava preparado.
     Além da ação e suspense que nos deixam ligados e tensos do início ao fim, o embate entre esses dois homens é muito interessante e triste, pois ambos, de alguma forma, são vítimas. Este confronto é muito bem anunciado em uma cena que mostra um e outro se encarando pelo binóculo. Em certo momento, Muse comenta com Phillips, depois de saber o que o navio carrega: “Os países ricos adoram ajudar os somalis, depois que levaram todo nosso peixe”. E Phillips pondera: “Há outras maneiras de sobreviver, além da pesca.” E Muse conclui: “Talvez na America, Capitão.” Em outro momento, Muse conta para Phillips que, no ano anterior, sequestrou um navio grego de 6 milhões e o capitão questiona: “E o que você faz aqui?
     Nesse trabalho de Muse, ele nunca lucra. Mas, de certa forma, ganha poder. Pelo menos, naquele momento. Quando ele entra no navio afirma: “Relaxa e ninguém sai machucado. Não somos a Al Qaeda. São só negócios.” Talvez, este seja o maior problema. Os piratas não têm uma causa e, principalmente, nada a perder. Não comem. Praticamente não tomam água. Mastigam Khat. E não têm basicamente motivo para voltar. Já, como percebemos no início do filme, Phillips possui todas as razões para lutar por sua vida. Trata-se do confronto entre um ataque inconsequente e uma defesa comprometida.

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Gravidade


       24/10/2013
       
        Gravidade começa nos fornecendo alguns dados sobre o espaço: a temperatura varia de 100º a  -126º; não há como transmitir som; e resume que, lá,  a  vida é impossível. Estas informações são basicamente constatadas por nós como um terceiro personagem do filme. Nós estamos lá. Passamos por aquilo. Sentimo-nos sem gravidade também.
Assistimos à história de dois astronautas americanos, a engenheira Ryan Stone (Sandra Bullock) e o veterano Matt Kowalski (George Clooney) perdidos na órbita da Terra depois que uma chuva de detritos espaciais atinge sua nave. De acordo com profissionais da área, o filme retrata o espaço e a flutuação de corpos de maneira bem verossímil. Sua maior atração são mesmo as imagens e sensações oferecidas. Praticamente não existem conversas e, por isso, o som tem uma força muito poderosa na história.  Ficamos tensos, relaxamos exatamente no momento em que o diretor Alfonso Cuarón deseja. 
No filme, o 3D  é necessário à  narrativa. Sem ele, não seria possível aquela noção do espaço e a história, envolvendo os dois astronautas à deriva, perderia muito em dramaticidade. O efeito faz com que a gente fique mais próximo dos personagens no espaço. Além disso, é apropriado aos cenários amplos em que a profundidade de campo pode se estender em várias camadas. Mesmo assim, ou, justamente por isso, o filme muitas vezes transmite uma sensação claustrofóbica  já que, os personagens não sobreviveriam sem seu uniforme. Muitas vezes, ouvimos a forte respiração deles dentro do capacete. O oxigênio está acabando. A luta contra o relógio começou. Respirar deve dar uma tremenda ansiedade. O diretor realiza planos subjetivos como se o espectador estivesse dentro do uniforme.  O efeito é  sufocante.  
  A história simples por trás daquele circuito de sensações e  belas imagens nos remete ao Náufrago com Tom Hanks, no qual a maior lição é simplesmente não desistir. Na falta de opção, a escolha é sempre sobreviver. Esta é nossa tendência. Nosso instinto. No caso de Gravidade, literalmente temos que tentar nos agarrar a qualquer coisa para termos  alguma chance. Nas palavras de Rodrigo Fonseca, crítico da Globo.com: “Cuarón trata o cinema de entretenimento com seriedade e sabe que até um fliperama em tela grande pode ter camadas de reflexão sobre a solidão humana. Uma vez nas lacunas do céu, o diretor usa Ryan (e o talento da Sra. Bullock) como um veículo para discutir a perseverança e o instinto de superação, fazendo da palavra um elemento coadjuvante para um espetáculo imagético. “

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Hannah Arendt

  Branca Machado – 01/09/2013
            Pensar não é fácil. Assumir responsabilidades, então, é coisa para notáveis. Melhor seria apenas obedecer. Fazer como o operário de Chaplin em Tempos Modernos: simplesmente apertar o parafuso. O “para quê” não importa. Esta é a premissa na qual Hannah Arendt se inspirou para escrever “Eichmann em Jerusalém - Um Relato sobre a Banalidade do Mal". O livro surgiu dos artigos que a professora escreveu para a New Yorker após testemunhar o julgamento de Adolf Eichmann, um dos últimos líderes nazistas do alto escalão ainda vivo, em maio de 1960, em Israel.

            Escrever o que concluiu após o julgamento, externar seus pensamentos não foi fácil para ela. Dizer o que se pensa tem um preço. O não pensar também. Em tese, o não pensar fez de Eichman  cúmplice de um assassinato coletivo com  milhões de vítimas. Conforme suas palavras, retratadas em imagens documentadas à época: “Eu era um intermediário. Agi conforme fui instruído. Eu segui ordens. Se eles iriam morrer ou não, eu estava seguindo ordens. Eram decisões administrativas.” Por estas afirmações e postura do acusado, Hannah concluiu que  o réu era medíocre, mas não um monstro; e, de certa forma, isso a decepcionou. Sobre Eichman, Hannah comenta: “Ele é totalmente diferente do que imaginei. Um ninguém. Eichman não é um Mefisto.”

            Adolf Eichman foi capturado em Buenos Aires. Seu julgamento seria realizado Israel. Hannah, refugiada judia alemã,  queria assistir. Para isso, escreveu ao diretor da New Yorker e pediu para cobrir o julgamento sob o pretexto de que nunca havia visto um nazista em carne e osso. Ela saiu da Alemanha em 1933 por que seus projetos na faculdade estavam sendo rejeitados pelo fato de ela ser judia.

            Por pensar diferente, Hannah criou polêmica. Foi acusada de trair os judeus. Mas, conforme as palavras da diretora Margarethe von Trotta, “se existe uma mensagem neste filme, é que você deve pensar por si mesmo, não seguir uma ideologia ou moda. Hannah chamava a isso 'pensar sem corrimões'."

            O filme salienta o brilhantismo e o respeito com a professora. O diretor da New Yorker comenta, admirado e honrado, quando recebe a carta de Hannah: “ Ela escreveu As origens do totalitarismo!”. O colega da universidade comenta com ela, que está apreensiva sobre o julgamento: “Para um gênio como você, tudo fica simples.” Após a publicação dos artigos sobre o julgamento, escreveram sobre ela: “A perversidade da genialidade”. O que mais salienta sua notabilidade é a interpretação de Barbara Sukowa, que faz uma Hannah a quem gostamos de ouvir, mesmo não concordando com ela. O filme possui alguns flashbacks desnecessários que mostram a professora jovem como aluna e amante de Heidegger. O recurso provavelmente foi usado por que a diretora queria fazer um filme sobre a filósofa e não sobre o episódio. Mas o fato é que o filme é sobre aquele episódio e a tese que se originou dele.

            Em sua defesa, Hannah explicou que ela tratava do mal cometido por homens que se recusam a ser pessoas. Recusam-se a pensar. Abdicaram-se da consciência. E, neste caso, o ser humano torna-se supérfluo. Daí, a banalidade do mal. Ela não perdoou Eichman, ela procurou entendê-lo. A impressão que se tem é que ela viu de fora, enquanto deveria ter visto de dentro. Pelo menos, era isso que a maioria de seus colegas e amigos esperava dela. Arendt foi uma mulher brilhante que escolheu o personagem errado. E, por escolhê-lo tornou-o mais palatável. Mas a verdade é que, de palatável, Eichman não tinha nada.

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Festim Diabólico (1948)


     O dia 05 de setembro encerrará um programa imperdível para os fãs de cinema em BH: a mostra “Hitchcock é o cinema ”no Cine Humberto Mauro. Todos os 54 filmes do diretor estão sendo exibidos e é outra sensação assistir aos seus filmes na telona.
    Festim Diabólico é uma experiência do diretor em realizar um filme em um único plano-sequência. Ou seja, fazer a montagem com a própria câmera. Para isso, o longa exigiu um grande planejamento com cenários móveis, e marcações perfeitas de cenas. Ele foi todo filmado em ambiente interno, no apartamento de Brandon (John Dall) e Philip (Farley Granger), formado pela entrada, sala de estar e uma parte da sala de jantar e da cozinha. A sala possuía uma ampla janela com Nova York ao fundo. O filme, como a peça de teatro na qual se baseia, desenrola-se de 19:30 às 21:15, quase o mesmo tempo de sua duração. Percebemos o anoitecer pela iluminação através da janela. Trata-se do primeiro filme em cores de Hitchcock. Foram 10 dias de ensaio com a câmera, os atores e a iluminação, antes das filmagens efetivamente começarem.
     A princípio, realmente não percebemos corte de cenas. Mas há pelo menos 08 deles, já que a metragem do filme só durava dez minutos e, para que ele pudesse ser trocado, deveria haver cortes. O que Hitchcock fez foi tornar o corte imperceptível; então, ele encerrava a cena, por exemplo, em um detalhe do terno de um personagem e iniciava a outra no mesmo detalhe. Os filmes do diretor eram muito decupados. Costumavam ter mil planos, sendo que a média para um filme de 100 minutos é de 600 planos. Assim, esta experiência exigiu uma mudança no conceito da própria linguagem cinematográfica para seu realizador.
    Fora esse aspecto, Festim Diabólico tem uma trama envolvente que mantém o interesse do início ao fim. Ela começa com o assassinato de David Kenteley (Dick Hogan) por Brandon e Phillip. Os dois matam seu colega de escola, apenas para provar a si mesmos que podem cometer o crime perfeito. Para desafiar os amigos, a família da vítima, e um antigo e estranho professor, Rupert Cadell (James Stewart), resolvem convidá-los para uma reunião no apartamento e servem a comida em cima de um baú onde está escondido o corpo da vítima. Ao longo da história, pequenas pistas podem levar a alguém mais arguto e conhecedor dos conceitos nos quais Brandon e Phillip se inspiraram a desconfiar de que há algo estranho na ausência de David, que, aliás, também havia sido convidado. Rupert, por defender, teoricamente, a tese de que seres superiores podem cometer homicídios por estarem acima do conceito de moral, aos poucos, chega a conclusão de que seus alunos podem tê-lo levado ao pé da letra demais. Sobre isso, comenta com Brandon: “Você me fez ter vergonha de todos os meus conceitos...”
     Mário Alves Coutinho, crítico e ensaísta, afirma sobre a obra do mestre: “Sem pensar muito, o público é dominado pelo filme”. Hitchcock deu ao conceito de diretor uma outra  nuance.Talvez, tenha sido a primeira vez que se falou em filme de autor. As pessoas iam ao cinema assistir a um filme do Hitchcock. Como hoje vamos assistir a Almodóvar, Tarantino, Woody Alllen. Os autores de cinema não repetem modelos cinematográficos, mas criam-nos e, com isso, reconstroem e inovam a própria linguagem na qual se baseiam.

sexta-feira, 12 de julho de 2013

Antes da Meia-noite (2012)



Branca Machado – 02/07/2013

      “Antes da meia-noite” de Richard Linklater mostra o último dia de férias de um casal e suas filhas gêmeas na Grécia, mas mostra também o que aconteceu a Jesse (Ethan Hawke) e Celine (Julie Delpy) após seu reencontro em “Antes do pôr-do-sol” ou, ainda, mostra o casal após os conhecermos em “Antes do amanhecer” e revê-los em “Antes do pôr-do-sol”. É possível assistir e gostar do filme sem assistir aos outros, mas é um prazer ainda maior acompanhar a história deste casal.
    Estamos nos reencontrando. Queremos saber o que aconteceu em suas vidas nesses nove anos. Novamente vamos assistir a uma troca de ideias entre eles e, com ela, descobrir o que se passou na vida de Jesse e Celine. Tudo se passa num só dia. Há pouca troca de roupa e ambientes.
   O filme começa com Jesse e um garoto em um aeroporto na Grécia; os quais, pelo diálogo, logo percebemos serem pai e filho. Notamos também que eles não moram juntos. O pai mora na Europa, o filho, nos E.U.A. O pai afirma, meio inseguro, antes do filho embarcar, que música e esportes coletivos são importantes. Percebemos sua tensão. Um pouco de culpa, um pouco de pesar. Quando ele diz que vai ao recital do filho, o menino pede que ele não vá e justifica: “É porque a mamãe te odeia demais. Ela vai ficar estressada. E, por isso, vou ficar estressado também.”
    Jesse sai desanimado do aeroporto, enquanto Celine conversa no celular, em frente ao carro no qual as gêmeas dormem. Ele dirige e começam a conversar. Nesse momento, somos introduzidos a temas, como o desejo de Jesse de mudar para Chicago e ficar próximo do filho e a mudança de emprego de Celine, que serão retomados ao longo da história.
    Neste filme, há mais personagens que nos outros, mas, ele realmente fica bom quando Jesse e Celine estão sozinhos. O casal ganhou uma pernoite num hotel (sem as gêmeas) em seu último dia de férias. E eles vão caminhando até lá, passando pelas paisagens e pontos turísticos, observando e, principalmente, conversando. A câmera acompanha os protagonistas a andar pela cidade. Como já fizera em Viena e em Paris.
   Marido e esposa possuem personalidades interessantes. Como afirma Patrick ao comentar com Jesse: “Nunca pensei em um escritor que se vestisse assim. Mas, aí, descobri que ele tem uma parceira que é mais interessante que ele mesmo.” Celine está nervosa, a ponto de explodir, mas seus comentários fazem com que a gente deseje escutá-la. Sobre Joana D´arc, comenta: “Ela morreu adolescente, queimada vida, virgem. Nenhuma mulher quer ser ela.” O que eles dizem é relevante. Assisto ao "Antes da meia-noite", e, novamente, sinto que cresci com eles e como eles. Identifico-me com aqueles conflitos. Como, quando no auge da discussão, Celine comenta com o marido: “Não tenho tempo para mim. Eu cuido de mim e de todo o resto. Os homens acreditam em mágica. Acham que existe uma fadinha que recolhe as meias, dá banho nos filhos, coloca a louça na máquina de lavar...” O fato é que esse casal se ama e, como afirma Jesse, se sua relação não é perfeita, é por que ela é real.

quinta-feira, 20 de junho de 2013

Somos tão jovens

    Renato Manfredini pergunta à Ana, sua amiga: “Será que um dia alguém vai me ver atrás dos meus disfarces?”. Ela pergunta: “Alguém quem?” Ele responde: “O mundo!”. “Somos tão jovens” pode ser sua resposta. E mostra que, atrás dos disfarces, Renato Russo era uma pessoa extremamente espirituosa, inquieta e sagaz. Somos apresentados à sua bagagem intelectual e cultural pelos diálogos ao longo da história.
     Nos anos 80, surgiram os principais nomes do Rock Nacional. Principalmente em Brasília, onde se formaram Legião Urbana, Capital Inicial, Plebe Rude e Paralamas do Sucesso. O filme retrata bem essa efervescência. Sentimos que alguma coisa muito boa estava surgindo. Sentimos saudades daquelas músicas. É um prazer reencontrá-las. Quando o pai de Renato vai ao show da Aborto Elétrico, primeira banda do filho, comenta: “Ambiente meio hostil, não?”. O filho responde: “ A banda que é meio hostil ao ambiente!” A principal característica dessa geração era a indignação contra os problemas sociais como na letra de geração Coca-Cola :
Desde pequenos nós comemos lixo. Comercial e industrial. Mas agora chegou nossa vez. Vamos cuspir de volta o lixo em cima de vocês .Somos os filhos da revolução .Somos burgueses sem religião. Somos o futuro da nação. Geração Coca-Cola.
     Na reconstrução de época,“Somos tão jovens” prima pelos detalhes. A cidade ajuda, já que ela não mudou muito, pelo menos no plano-piloto. Desde se reunirem à noite para tocar violão perto de seus prédios, até as festinhas de faculdade regadas a muita bebida e rock; tudo é anos 80. Há, ainda, o fundo político que permeia aqueles jovens e aparece em comentários de mesa de bar como “Tudo o que não é notícia ruim, é mentira”, ou quando eles escapam de uma blitz por Ana ser filha de General.
     Após uma entrevista, um membro da banda questiona Renato por ele ter sido o único a falar e ele rebate: “Só fala quem tem alguma coisa a dizer”. E ele tinha. O cantor escreveu sobre o tempo. Sobre aquele que não volta mais, mas, principalmente, sobre o que ele tinha pela frente. O que vale é tentar aproveitar o seu tempo da melhor forma possível. Da melhor forma possível para você. A sensação é de que foi isso que Renato Russo fez.

quinta-feira, 18 de abril de 2013

O quarteto (2013)


Branca Machado – 08/04/2013




A velhice e o que fazer a partir dela tem sido um tema recorrente tratado recentemente em “E se vivêssemos todos juntos”, “Amor”, e, neste, “O Quarteto” . Por duas vezes no filme, Cissy (Pauline Collins) cita a célebre frase de Bette Davis “ A velhice não é para maricas”. E não é mesmo. Mas ela tem algo tão encantador e delicado  que vale todo o esforço.  E, no primeiro filme dirigido por Dustin Hoffman, o tema aproxima-se de seu belo trabalho como ator em suavidade e delicadeza. 
     No início, assistimos a uma senhora de coque branco sentada ao piano. Ela começa a tocar “La traviata” de Verdi e a câmera acompanha o amanhecer daquele lar. Trata-se de uma casa de repouso para artistas no interior da Inglaterra. Um luxo de construção. O que podemos perceber, além da vivacidade, é que seus moradores são caprichosos e vaidosos. Ali, ouvem-se provocações do tipo: “Eu vi você em “Barbeiro de Sevilha”. Saíram lágrimas dos meus ouvidos”. E  como resposta: “ Vi você em Carmem e nunca me esqueci. E olha que tentei.” 
   Neste dia, chegará  ao lar uma nova moradora: Jean Horton (Maggie Smith), estrela de ópera, considerada uma diva em sua juventude. Ela chega com aquele clássico orgulho britânico tipo “não pertenço a este lugar”  e faz comentários irônicos para a médica que lhe apresenta o local. Quando a primeira mostra “o teleférico” que pode ser utilizado em vez das escadas, Jean ironiza: “Teleférico? E o que eu faço quando chegar ao topo? Desço esquiando?” Mas a estrela começa a se desarmar logo em sua recepção, em uma cena que nos dá uma noção de sua grandeza, já que quem a recebe são também artistas talentosos. 
Reginald Paget (Tom Courtenay), Jean, Wilf Bond (Billy Connolly) e Cissy formam o quarteto que dá nome ao filme. Eles são ex-cantores de ópera que trabalharam juntos em  "Rigoletto", de Verdi. Reggie, Wilf e Cissy tentarão convencer Jean a participar de uma apresentação de um dos números da ópera para levantar os fundos necessários à manutenção da casa de repouso. Jean tem medo de voltar a cantar. Sobre o assunto, ela explica para Reggie, que é também seu ex-marido:  “Não posso ofender a memória de quem já fui”. 
     Ao contrário do que acredita Jean, não há ofensa à memória de nenhum daqueles personagens e, podemos dizer, dos atores que os interpretam. O que há é uma linda homenagem ao que já foram e um belo retrato do que são. 

sexta-feira, 22 de março de 2013

Django Livre


Branca Machado – 12/03/2013

 
        Orson Welles considerava que fazer filmes é ter um olhar sobre o que se quer mostrar. Neste sentido, o olhar de Quentin Tarantino está cada vez melhor. O diretor sabe exatamente o que quer mostrar em Django Livre. Sua premissa é a vingança. Muitos filmes do diretor tratam do tema. E os mais recentes tratam de vinganças universais, que trazem uma aproximação ainda maior da plateia com a trama. Em Bastardos Inglórios, judeus contra nazistas. Em Django Livre, escravos negros contra seus senhores brancos.
        Tarantino personaliza o tema com personagens emblemáticos. No filme, convivemos com Django (Jamie Foxx), o escravo que dá nome à obra, e seu proprietário, King Schultz  (Christoph Waltz) , um caçador de recompensas. Acompanhamos a trajetória dessa inusitada dupla durante uma obra bonita de se ver, repleta de referências cinematográficas (western , blaxploitation ) e trilha sonora adequada. Não é por acaso que Django é também o nome de um filme italiano de 1966, dirigido por Sergio Corbucci; a obra é um dos melhores exemplos do gênero western spaghetti, com trilha sonora agitada, duelos de armas e um anti-herói de poucas palavras.
Os filmes de Tarantino ao mesmo tempo que homenageiam a narrativa clássica, transgridem-na. Seus filmes são modernos, pop e ao mesmo tempo clássicos. A quebra da linearidade da história, diálogos inusitados que rodeiam o que realmente está sendo tratado, a violência exagerada e abrupta; são alguns dos recursos utilizados pelo diretor e que  funcionam praticamente como sua assinatura. Em uma das sequências, ocorre uma discussão entre os membros da Ku Klux Klan sobre o capuz que lhes é característico. A máscara não está permitindo que eles enxerguem direito, pois seus furos não foram bem feitos. Um dos membros se ofende, já que sua esposa passou o dia trabalhando naqueles capuzes. Alguém, então, pergunta: “ A gente tem mesmo que usá-los?” E o fazendeiro que comanda o ataque “Se não usá-lo, perde o propósito”. A discussão quase faz com que o grupo desista do ataque e retrata, de forma satírica, o quanto é ridícula a mentalidade destes grupos secretos que resolvem colocar um capuz ou algo que se equivalha e se insurgir contra pessoas de quem se consideram superior.
O pano de fundo é  o período da escravidão no sul dos Estados Unidos, assunto raramente tratado nos filmes americanos. Pelo menos, sob este olhar crítico realizado pelo diretor que é também o roteirista.  Tarantino, inclusive, ganhou o Oscar de roteiro original pelo filme. Django, após ser libertado por Schultz, decide acompanhar o caçador de recompensas: “Você quer dizer que vou matar brancos e ainda ganhar dinheiro com isso?”. Após a “temporada de caça”, será a vez de Schultz acompanhar Django na busca por sua esposa Broomhilda (Kerry Washington) que foi vendida a Candie (Leonardo DiCaprio), o dono de "Candyland", uma plantação famosa que treina os escravos locais para a luta. Candie é a caricatura dos senhores de escravos. Toda ação do fazendeiro é exagerada. Todos seus castigos vão além.
O nosso horror vai num crescendo que, quando o massacre acontece, estamos torcendo por ele. E a violência fica tão plástica que deixa de parecer real. Esta violência choca, mas transcende pela forma com que a trama evolui e a maneira com que o diretor a mostra. De tão literal, ela sublima. De tão plástica, ela torna-se falsa. E, de qualquer forma que apareça, a vingança é sempre um tema fascinante. Nas mãos de Tarantino, torna-se original. Todas as vezes.