sexta-feira, 29 de março de 2019

A Esposa(2019)


Em seu discurso de agradecimento pelo Globo de Ouro de melhor atriz em 2019, Glenn Close comentou: “Lembro-me da minha mãe que foi submissa ao meu pai por toda sua vida. Aos 80 anos, ela me disse: Sinto que não conquistei nada.”. O drama “A esposa”, pelo qual a atriz teve sua atuação premiada, retrata justamente este conflito das mulheres nas décadas de 50/60 que já almejavam sucesso profissional, uma carreira fora do âmbito doméstico, mas ainda tinham pouquíssimas possibilidades de conquistá-los.
O filme conta a história de Joan (Glenn Close) que se casa com seu professor de literatura, o escritor Joe Castleman (Jonathan Pryce). Aquela aluna brilhante e promissora torna-se o apoio do marido durante os 40 anos de casamento. Não por acaso, ele faz questão de que ela escute na extensão quando ele recebe a notícia de que foi premiado com o Nobel de literatura em 1992. 
Sempre discreta, excessivamente prestativa e elegante, Joan carrega toda sua história no olhar. E percebe-se que não foi uma trajetória fácil ou simples. Os conflitos, os gritos estão ali, guardados naquele olhar. E, por isso, o diretor Björn Runge  coloca a câmera nela, em seu rosto. Ele nos mostra  a expressão dela ou  sua reação diante de algo que foi dito ao marido ou por ele.  
Joe faz questão de ter a esposa sempre a seu lado e não deixa de agradecê-la efusivamente em todo o discurso que realiza. "Sem esta mulher, não sou nada", ele afirma em determinado momento. Lindo, não? Ao longo do filme, perceberemos que há muito mais naquela frase que aquela camada de gentileza e gratidão...
O reconhecimento do Nobel reacende assuntos e dilemas sufocados ao longo de todo o casamento. E também a relação do pai com o filho, bastante conflituosa, revelar-se-á tremendamente hipócrita pelo que descobrimos no filme. David (Max Irons) endeusa o pai por ser um escritor tão brilhante e esta admiração só aumenta a frustração que o pai carrega.  Assim, Joe desconta no filho o fato de reforçar o  peso que já o atormenta.
À medida que a trama se desenvolve, percebemos que o drama daquela esposa “exemplar” é maior do que desistir de desenvolver seus talentos e interesses por não ter chances de prosperar em uma sociedade machista e opressora. Ela tornou-se a dona da voz de quem nunca se conheceu o  rosto; pois, para ser ouvida, precisou de outro rosto. A Esposa é um drama que nos dá aflição por ser velado, aceito e, principalmente, por durar uma vida inteira. 

sexta-feira, 1 de março de 2019

Green Book: O Guia

Peter Farrelly, diretor de  "Green Book",  vencedor do Oscar 2019 de melhor filme, parece ter feito a seguinte pergunta ao realizá-lo: Como falar de maneira leve sobre um drama verdadeiro? E, com isso, aproxima seu tema de um público que, talvez, não atingisse se  o  assunto fosse tratado de  maneira muito séria. O drama já está ali. É palpável. É rotina. Não é necessário enfatizá-lo.
O filme é uma comédia dramática sobre  uma turnê na região de Deep South, nos Estados Unidos, feita pelo pianista de jazz clássico Don Shirley (Mahershala Ali) e Tony Vallelonga (Viggo Mortensen), um segurança ítalo-americano que trabalhou para Shirley como motorista e segurança durante essa turnê de 08 semanas.
Ao partir para a viagem, Tony recebe das mãos do empresário de Don o guia que dá nome ao filme: The Negro Motorist Green Book, informalmente chamado de Green Book, que se tratava de um guia turístico para viajantes afro-americanos, escrito por Victor Hugo Green com o intuito de ajudá-los a encontrar dormitórios e restaurantes favoráveis no sul dos Estados Unidos nos anos 60. O guia realmente existiu e a história do filme é baseada em fatos reais. O filho de Tony, Nick Vallelonga, inclusive, colaborou com o roteiro do filme que também ganhou o Oscar deste ano de roteiro adaptado.
A simples presença deste guia já nos faz perceber que a viagem daquele aclamado pianista negro para o sul do país vai ter percalços que, talvez, só um homem como Tony conseguirá resolver. Tony é apresentado como um segurança de clubes noturnos de Nova York, uma pessoa que resolve problemas. Ele é simples, preconceituoso, bronco, não por acaso, criado no Bronx e, pelo modo de vida, e, pelo fato de descender de emigrantes, a seu modo, identifica-se com o drama de Don, mesmo sem saber. E o mais incoerente é que, apesar de entender, ele mesmo contribui para o drama do outro. Aos poucos, assistimos à transformação de Tony e também nos identificamos com suas pequenas (e grandes) revoltas ao longo desta viagem.
Por outro lado,  Don, muitas vezes, tem uma vida mais "branca" que a de Tony na Nova York dos anos 60: sempre impecável, com um tom de voz inabalável, não conhece a música de Little Richard ou Aretha Franklin, mora em um apartamento no Carnegie Hall, é metódico, organizado e tem doutorado em música clássica. Conforme Tony o descreve para a esposa: "Ele não toca como um negro. Ele toca como Liberace. Só que melhor. Acho que ele é um gênio. Quando eu olho pelo retrovisor, ele está sempre refletindo…". Até neste elogio, percebemos a incoerência que permeia todo o filme... Tony, apesar de adorar a música negra americana,  ao elogiar Shirley, comenta que "ele não toca como um negro". E, é por não tocar como eles, que Shirley é convidado para esta turnê pelo sul preconceituoso dos Estados Unidos. Mesmo assim, o modo como ele toca não muda o modo como ele é tratado.  E a incoerência deste tratamento, aparece de modo, às vezes,  sutil e outras, escancarado em cada cidade que visitam.
Uma amizade inesperada surge na admiração mútua que os dois personagens acabam sentindo um pelo outro pelos motivos mais diversos possíveis. Green Book torna-se, assim, um filme divertido com um pano de fundo muito importante e que não pode ser esquecido.