sexta-feira, 1 de março de 2019

Green Book: O Guia

Peter Farrelly, diretor de  "Green Book",  vencedor do Oscar 2019 de melhor filme, parece ter feito a seguinte pergunta ao realizá-lo: Como falar de maneira leve sobre um drama verdadeiro? E, com isso, aproxima seu tema de um público que, talvez, não atingisse se  o  assunto fosse tratado de  maneira muito séria. O drama já está ali. É palpável. É rotina. Não é necessário enfatizá-lo.
O filme é uma comédia dramática sobre  uma turnê na região de Deep South, nos Estados Unidos, feita pelo pianista de jazz clássico Don Shirley (Mahershala Ali) e Tony Vallelonga (Viggo Mortensen), um segurança ítalo-americano que trabalhou para Shirley como motorista e segurança durante essa turnê de 08 semanas.
Ao partir para a viagem, Tony recebe das mãos do empresário de Don o guia que dá nome ao filme: The Negro Motorist Green Book, informalmente chamado de Green Book, que se tratava de um guia turístico para viajantes afro-americanos, escrito por Victor Hugo Green com o intuito de ajudá-los a encontrar dormitórios e restaurantes favoráveis no sul dos Estados Unidos nos anos 60. O guia realmente existiu e a história do filme é baseada em fatos reais. O filho de Tony, Nick Vallelonga, inclusive, colaborou com o roteiro do filme que também ganhou o Oscar deste ano de roteiro adaptado.
A simples presença deste guia já nos faz perceber que a viagem daquele aclamado pianista negro para o sul do país vai ter percalços que, talvez, só um homem como Tony conseguirá resolver. Tony é apresentado como um segurança de clubes noturnos de Nova York, uma pessoa que resolve problemas. Ele é simples, preconceituoso, bronco, não por acaso, criado no Bronx e, pelo modo de vida, e, pelo fato de descender de emigrantes, a seu modo, identifica-se com o drama de Don, mesmo sem saber. E o mais incoerente é que, apesar de entender, ele mesmo contribui para o drama do outro. Aos poucos, assistimos à transformação de Tony e também nos identificamos com suas pequenas (e grandes) revoltas ao longo desta viagem.
Por outro lado,  Don, muitas vezes, tem uma vida mais "branca" que a de Tony na Nova York dos anos 60: sempre impecável, com um tom de voz inabalável, não conhece a música de Little Richard ou Aretha Franklin, mora em um apartamento no Carnegie Hall, é metódico, organizado e tem doutorado em música clássica. Conforme Tony o descreve para a esposa: "Ele não toca como um negro. Ele toca como Liberace. Só que melhor. Acho que ele é um gênio. Quando eu olho pelo retrovisor, ele está sempre refletindo…". Até neste elogio, percebemos a incoerência que permeia todo o filme... Tony, apesar de adorar a música negra americana,  ao elogiar Shirley, comenta que "ele não toca como um negro". E, é por não tocar como eles, que Shirley é convidado para esta turnê pelo sul preconceituoso dos Estados Unidos. Mesmo assim, o modo como ele toca não muda o modo como ele é tratado.  E a incoerência deste tratamento, aparece de modo, às vezes,  sutil e outras, escancarado em cada cidade que visitam.
Uma amizade inesperada surge na admiração mútua que os dois personagens acabam sentindo um pelo outro pelos motivos mais diversos possíveis. Green Book torna-se, assim, um filme divertido com um pano de fundo muito importante e que não pode ser esquecido.

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