quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

Buscando

 
      Ao assistir “Buscando”, você não verá uma única cena em que a câmera filma diretamente o personagem. Sempre haverá um “mediador” entre ela e o espectador; quer seja a tela de um computador, um aparelho celular ou imagens de uma câmera de segurança. O diretor Aneesh Chaganty sempre nos apresenta o ponto de vista de um personagem ao utilizar um destes aparelhos. Ele realizou com maestria esta obra que nos faz “navegar” pelas diversas possibilidades tecnológicas e redes sociais juntamente com os protagonistas.
     O filme conta a história do viúvo David Kim (John Cho) que, quando sua filha Margot (Michelle La) de 16 anos desaparece, passa a investigar seu paradeiro por meio do computador e redes sociais. Pelas fotos e vídeos armazenados no computador, acompanhamos o crescimento de Margot e passamos a conhecer a vida daquela família na história armazenada nos arquivos; ou nas pesquisas que Pam (Sara Sohn), a mãe, realiza, tais como "Como combater o linfoma em família". A menina cresce naquela tela. e, depois de um tempo , passa a organizar sua própria agenda, a qual consulta pelo computador. Em um certo dia, está marcado: "Mamãe volta para casa." Ela vai adiando este dia; até que exclui o evento... Em seguida, vemos fotos só da menina e do pai. E, não demora, fotos só da menina. Trata-se de uma boa introdução que não só nos ajuda a entender a dinâmica entre pai e filha como o próprio funcionamento do filme. Percebemos que quem dava a liga era a mãe. E, sem ela, pai e filha passam, cada vez mais, a ter uma relação de amor, mas distante. Quando o filme chega ao apresente, assistimos à menina, por meio do Facetime, avisar ao pai que está em um grupo de estudos e vai chegar mais tarde. Depois, aparecem mais chamadas dela para David, mas vemos, pela câmera do computador do quarto, que ele dorme. 
    No dia seguinte, como Margot demora a chegar, david fica preocupado e resolve pesquisar o notebook dela. Começa, então, um thriller de suspense que nos deixa presos à trama. Interessante notar que o pai não conhece os amigos da filha, tampouco possui seus contatos e, por isso, tem que recorrer às redes sociais. Aos poucos, descobre hábitos, atitudes e características de Margot que desconhecia. A menina e não apenas seu desaparecimento tornam-se um mistério a ser desvendado.        Em suas pesquisas, ele pergunta para um conhecido da filha, coisas como: "Mas ela tem amigo, né?", descobre também o tumblr, onde ela postou vídeos bem pessoais e melancólicos. A presença virtual da filha torna-se intensa, mas a real pode não ser mais uma possibilidade... 
    A trama imediatamente nos faz pensar em nossos arquivos, nossas conexões, nosso HD externo. Provavelmente, temos muitas coisas ocupando nossa tela, mas não podemos esquecer que nada disso substitui a conversa franca, o olho no olho. Conhecer nossos filhos é mais que saber o nome da escola e seus horários, mas é acompanhá-los, saber quem são seus amigos, do que eles gostam, onde eles estão. Se não nos atentarmos para isso, corremos risco de nem ter mais arquivos para armazenar e compartilhar. 

terça-feira, 6 de novembro de 2018

Nasce uma estrela

         "Nasce uma estrela" vai te impressionar de alguma forma. Após alguns dias, você vai se pegar pensando nele ou refletindo sobre algum tema abordado na história.  Seja a beleza das relações humanas, o diferencial da autoestima, a importância da base familiar; o efeito nocivo do vício; de alguma maneira, aquilo vai te tocar.
A obra é a quarta versão do filme de William A. Wellman, lançado em 1937.  A versão atual, dirigida e estrelada por Bradley Cooper, possui um aspecto documental que traz veracidade às cenas e nos aproxima dos personagens.
Ela inicia-se com um show de rock. Antes da imagem aparecer, já escutamos o público vibrando, Jack Maine (Bradley Cooper) está na beira da coxia e toma alguns comprimidos juntamente com o resto do seu whisky. Ele volta ao centro do palco e apresenta a última música. Os fãs o adoram, mas ele parece meio distante daquilo. O cantor tem os cabelos oleosos, o rosto inchado e cansado. Logo, entra no carro, pega uma garrafa, que já estava ali, e pede para o motorista levá-lo a algum bar. Enquanto isso, em outro canto da cidade,  Ally (Lady Gaga) trabalha em um restaurante. Após o expediente, vai se apresentar em um pub. Em uma cena icônica, ela sobe o beco, ao sair do restaurante,  e surge um letreiro vintage : A Star is born (Nasce uma estrela).
Não por acaso, Jack acaba entrando no bar em que Ally se apresenta. Ela surge cantando "La vie en Rose" e ele fica hipnotizado. Ao esperá-la sair do camarim, ele canta  "talvez seja  a hora  de mudar os velhos hábitos"; um tema apropriado por já notarmos seus "costumes"  e por perceber que, talvez, aquele encontro possa ser seu ponto de virada. Quando os dois conversam, são filmados de forma bem próxima. O interesse de um pelo outro é enfatizado pela câmera. Eles se conhecem naquela noite. Em determinado momento,  quando estão sentados no meio fio, Ally começa a cantar para ele: "Você não está cansado de preencher este vazio?" Ela se empolga, levanta e continua cantar. Ele olha, admirado, mas, de forma premonitária, continua sentado.
A trilha sonora é de extrema importância para o filme. Com trilha sonora original, é interessante assistir aos personagens compondo. É da emoção que surgem as músicas. Para Jack, este é o diferencial - ter algo a dizer que os outros queiram ouvir.  E ele vê em Ally esta capacidade. Nossa admiração é a admiração de Jack e nossa emoção é a emoção de Allly.
O cantor está sempre bêbado. Bradley Cooper enfatiza este fato com pequenos detalhes no modo de andar, de não se equilibrar,  e a maneira de  falar. Ally se preocupa, mas, ao mesmo tempo se encanta. E, dividida entre a apreensão e o encantamento, segue com Jack, ao mesmo tempo em que cria suas asas. Ele  proporciona a autoestima e a segurança que ela precisa, mas segue o caminho inverso...
Mudar velhos hábitos não é fácil. Precisa-se de confiança. E, quando você pára de acreditar, a ideia da mudança deixa de ser uma possibilidade e passa a te assombrar. Com uma cena final emocionante, o filme vai ficar na sua lembrança; ou, pelo menos, no seu playlist.

terça-feira, 2 de outubro de 2018

O Pianista (2003)

Branca Moura Machado

Em minhas férias, tive a oportunidade de rever "O Pianista" no caminho entre Auschwitz e Varsóvia. Nada mais apropriado. O filme nos contextualiza no que acabamos de ver e no que ainda vamos conhecer.  Ao mesmo tempo, assistimos ao longa de outra forma ao conhecer aqueles lugares. Ele se torna mais real, palpável e, principalmente, chocante. O diretor Roman Polanski escapou do Gueto de Varsóvia quando criança, após a morte de sua mãe. E viveu numa fazenda polonesa até o fim da Guerra. Por isso,   realizar esta obra funcionou como uma espécie de catarse para ele.
Assistimos à história real de Wladyslaw Szpilman (Adrien Brody), talentoso  pianista judeu que toca na rádio de Varsóvia  em 1939. Na primeira cena, o pianista toca, quando começa um bombardeio na cidade; que estava sendo invadida pelos nazistas. Ele vai para casa e encontra sua família, preparando as malas para fugir. Szpilmam recusa-se a sair, numa decisão emblemática, já que conseguirá sobreviver na cidade durante todo o conflito.  Quando, à noite,  a família escuta no rádio que a Inglaterra tinha entrado em Guerra com a Alemanha, tranquilizam-se e comentam "A Polônia não está sozinha.". Ocorre que isto era só o começo. E, de certa a forma, a Polônia ficou isolada durante o conflito. Do meio milhão de judeus que viviam em Varsóvia, sobraram 60 mil.  
Durante o filme, assistimos à destruição da cidade, juntamente com a dos judeus ali restantes e  de cidadãos poloneses que resistiram à invasão alemã (é impressionante ver o que a cidade  virou após a Guerra e como ela está hoje. Não à toa, ela é conhecida como a fênix europeia). Na primeira metade do filme, assistimos aos judeus da cidade mudando-se para o gueto e vivendo em condições cada vez piores. Vivenciamos também sua transferência para os campos de concentração em 1942. Primeiro, colocam-nos no gueto; depois constroem um muro e, finalmente, levam-nos para o campo de concentração.  Na segunda metade, assistimos a Spilzman tentando sobreviver escondido nos prédios abandonados da cidade. Há duas cenas representativas destas duas etapas: em uma, o pianista caminha desolado  na direção da câmera numa rua do gueto repleta de corpos no chão, entre os prédios já vazios. Na outra, ele novamente caminha sozinho em direção à câmera, mas, então, não há mais nada, nem corpos, nem prédios; só destruição e cinzas.
A transformação corporal de Adrien Brody é impressionante. Sua decadência física não é acompanhada pela artística, já que podemos notar seus dedos tocarem um piano imaginário durante toda a trama.  O filme segue a trajetória de seu personagem. Quando  sua família é direcionada aos campos de concentração, por exemplo, não mais a acompanhamos; pois ficamos com o protagonista na cidade. Aos trancos e barracos, o pianista judeu sobreviveu dentro de Varsóvia durante todo o período da guerra. Voltou a tocar e viveu até os 88 anos. De certa forma, seu talento o salvou. E não deixa de ser reconfortante  pensar que a música foi capaz de amenizar todo o ódio alimentado no período. Ela falou mais alto - uma linguagem comum em meio a tanta incompreensão.

segunda-feira, 3 de setembro de 2018

Mamma Mia! – Lá vamos nós de novo


A primeira música de “Mamma Mia – Lá vamos nós de novo” é cantada por Sophie (Amanda Seyfried), enquanto ela finaliza os convites para a reinauguração do hotel de sua mãe   (Meryl Streep) . Ele agora se chamará Bela Donna, em homenagem à mãe, que morreu há um ano. A música é  “Thank you for the music” e não deixa de ser uma homenagem ao estilo do próprio filme e o que ele tem a nos oferecer.
O filme não decepciona aos fãs do primeiro longa lançado em 2007.  A história é entremeada de flashbacks de 1979, ano em que Donna (Lily James) engravidou de Sophie  na ilha grega Kalokairi, em que decidiu viver. Paralelamente, acompanhamos os dois dias que antecedem à reinauguração.
Se, no primeiro filme, foi especial conhecer os personagens, revê-los é um prazer. E, caso você seja um espectador que conhece as músicas, vê-las num contexto e pensar sobre as letras é um bônus. As rimas entre as duas versões formam uma continuidade muito coerente. Você não precisa do primeiro filme para gostar do segundo, mas, ao perceber alguns detalhes, pode gostar ainda mais. Ambos começam com Amanda enviando cartas para os pais. No primeiro, o hotel precisa de uma grande reforma. No segundo, surge reformado. Tanya (Christine Baranski) e Rosie (Julie Walters) aparecem, no primeiro, consolando a mãe, e, no segundo, a filha. No primeiro, Bill leva Harry e Sam à ilha. No segundo, ela leva a própria Donna, quando ela chega à Kalokari pela primeira vez. 
Lily James está uma graça como a Donna jovem. Ela tem charme, brilho e um sorriso encantador. Tanya e Rosie têm uma dinâmica irresistível, tanto em 1979, quanto em 2018 e nos proporcionam momentos divertidos na história. Como quando Rosie comenta que acha que sua alma gêmea é o carboidrato e Tanya complementa: "A minha é o vinho.". Nesta versão, temos acréscimos de dois personagens . Cher faz a avó de Sophie, mãe de Donna, uma celebridade em sua época e que, agora, tenta resgatar sua relação com a neta. E Andy Garcia faz o gerente latino do hotel. 
A cena em que Meryl Streep aparece nos emociona de diversas formas. E a música "My love, my life" só faz confirmar que o filme é uma grande história de amor entre mãe e filha. Esta é a relação que nos comove. Entendemos os motivos por que Donna assumiu sua filha de forma tão corajosa. E entendemos toda a reverência de Sophie à mãe. Inclusive Sky, marido de Sophie, parece finalmente compreendê-la. Não à toa, Donna afirma para Sam em 1979: “Não é fácil ser mãe. Se fosse, os pais fariam isso”. E, no ciclo da vida, agora é a vez de Sophie assumir este papel. E, quem sabe, este novo bebê possa inspirar um terceiro filme? Só nos resta torcer.

terça-feira, 31 de julho de 2018

O que terá acontecido a Baby Jane?

Branca Moura Machado

A ideia de rever “O que terá acontecido a Baby Jane?” veio  de um meme irônico que recebi no dia do amigo com a foto das duas protagonistas na qual elas estão atrás de uma janela com grade e os rostos amargurados. As duas não são propriamente amigas, mas irmãs. E a dinâmica entre elas não é propriamente fraterna, está mais para uma atmosfera rodriguiana...
O filme começa com um prólogo em que vemos Baby Jane como uma celebridade infantil em 1917. Ela é  idolatrada pelo pai, enquanto Blanche, sua irmã mais velha, é mal tratada e ignorada por este mesmo pai. Se a explicação dos problemas adultos está na infância, só esta introdução explica tudo.
Ainda no prólogo, estamos em 1935 e os papéis se inverteram:  Blanche é uma estrela de cinema e Jane tornou-se uma canastrona que pega carona na fama da irmã. Nesta situação, ocorre um acidente mal explicado e, então, o filme realmente tem início.  Enquanto os créditos que, na época eram divulgados no início da trama, são exibidos, o close na boneca de Baby Jane com a cabeça quebrada após  a batida  é de um simbolismo incrível.
Em 1962, as irmãs moram sozinhas numa mansão. Blanche está numa cadeira de rodas e quase não sai de casa. E Jane, alcoólatra, voltou a beber e tem problemas psicológicos.  Sua ideia é retomar o espetáculo que fazia na infância; o que a torna um personagem extremamente trágico. A cena em que ela reproduz  o número que fazia com o pai ao cantar "I've Written a Letter To Daddy" é a caricatura desta triste e decadente tentativa de resgatar seu passado.  Não à toa, a personagem usa uma maquiagem carregada que remete a um palhaço. Estrelado por Joan Crawford (Blanche), então com 57 anos, e Bette Davis (Jane), com 54, o  filme ainda tem sua aura aumentada pelo fato das  02 atrizes terem sido inimigas declaradas na vida real.
O diretor Robert Aldrich utiliza a montagem paralela para aumentar a tensão do espectador e fazer com que ele torça, por exemplo,  para que Jane não chegue à mansão, enquanto Elvira (Maidie Normam), a funcionária da casa, tenta abrir uma porta. Pegamo-nos apertando as mãos ou quase gritando para que  a governanta seja mais rápida...
Passamos todo o filme esperando uma reviravolta, mas o que recebemos é uma revelação; que, de algum  modo,  explica aquela dinâmica absurda entre as duas irmãs e  a postura sempre tão apaziguadora de Blanche com relação à Jane, trazendo um certo alívio diante de toda aquela expiação.

segunda-feira, 2 de julho de 2018

Oito Mulheres e um segredo

         Oito Mulheres e um segredo, estrelado por Sandra Bullock e Cate Blanchett  é um spin-off (obra derivada) de Onze homens e um segredo, filme de 2001, estrelado por Brad Pitt e George Clooney;  que, por sua vez, é um spin-off da obra de mesmo nome, lançada em 1960 e estrelada por Frank Sinatra e Dean Martin.  Nos meios de comunicação, obra derivada é um programa de rádio,  de televisão, filme ou qualquer obra narrativa criada por derivagem, isto é, originada a partir de uma ou mais obras já existentes. 
As três obras citadas possuem elenco estelar que, por si só, já são um grande atrativo para os longas. Mas os filmes são irônicos, charmosos, clássicos e baseiam sua trama no planejamento meticuloso de um roubo espetacular  e na formação da equipe que realizará o roubo:  cada um deles tem uma fução específica e esssencial para que o plano funcione. Muito mais que ação, são tramas de raciocínio rápido que criam expectativa  e fazem com que a plateia  anseie pelo que está para acontecer.  
Recém saída da prisão, Sandra Bullock interpreta Debbie Ocean, que, nos 05 anos em que esteve presa, planejou meticulosamente um assalto que deverá ocorrer durante o baile de Gala do Met em Nova York.  Para isso, ela busca o apoio de Lou (Cate Blanchett), Nine Ball (Rihanna), Amita (Mindy Kaling), Constance (Awkwafina), Rose (Helena Bonham Carter), Daphne Kluger (Anne Hathaway) e Tammy (Sarah Paulson). Ao ouvir a descrição do golpe, Lou declara: "Você vai precisar de 20 pessoas e meio milhão de dólares". Mas Debbie esclarece: "Preciso de sete pessoas e 20 mil". Ela pretende roubar o lendário colar "Toussaint" avaliado em mais de U$ 150 milhões. A joia, incrustada de  diamantes, pesa 2,7 Kg e se encontra em um cofre no subsolo da Cartier há 50 anos. Conforme questiona Rose ao convencer a joalheria a emprestá-lo para que Daphne possa usá-lo: "De que adianta um colar destes existir, se é para ficar enterrado?".
É um prazer passear pelo Metropolitan juntamente com elas para planejar o roubo. A montagem e as tomadas nos trazem uma boa ideia do porte e da austeridade do Museu. Igualmente  prazeroso é assistir à preparação daquelas mulheres para o dia do golpe  e os comentário entre elas. Ao analisarem a lista de convidados, uma delas pergunta; "Este é o Leo (diCaprio)? Leo, Leo?". E a outra esclarece: "Só existe um Leo". Depois, Amita questiona: "Nós não podemos ir ao baile também ao invés de  só roubá-lo?". 
Oito Mulheres e um segredo é a versão feminina e,  por isso,  mais elegante,  glamourosa, delicada e  sutil de um clássico tema masculino. Possui clichês e alguns furos na trama como as outras versões, mas, com um elenco forte e carismático e trama atrativa, é uma ótima diversão para um sábado à tarde.



sexta-feira, 8 de junho de 2018

The Post - A Guerra Secreta

   

Branca Moura Machado

The Post é dirigido por Spielberg e estrelado por Meryl Streep,Tom Hanks e Sarah Paulson. Não tem como ser ruim, não é? O diretor  é um mestre em prender nossa atenção, os atores elevam a média de qualquer filme. Mas não é só isso, o filme resgata o valor de uma boa imprensa e sua utilidade para a sociedade. A imprensa equilibra forças. Há ambém uma trama paralela tão ou mais importante que é a de Kay Graham (Meryl Streep). Kay, de repente, torna-se a editora-chefe do Washington Post e terá que tomar decisões definitivas num ambiente absolutamente masculino. Em uma década de muitas mudanças, ela contribuiu significativamente para uma delas.
As  decisões de Kay não só poderão trazer sucesso e alcance nacional ao The Post, mas também a ela que, só se encontra ali, porque tornou-se viúva e precisa manter o legado do jornal. A personagem encontra-se numa situação em que tem de lidar com a abertura do  capital de sua empresa; decidir sobre a publicação de  notícias polêmicas, mas essenciais à sociedade americana; e manter suas relações sociais da forma que estavam quando o marido era vivo. Ocorre que Kate não é mais uma esposa. E, quando num jantar, uma delas comenta que está na hora das mulheres saírem da sala para deixar os homens conversarem, sentimos que o mais certo seria que Kay ficasse.
A guerra secreta de que trata o filme é a que o presidente Richard Nixon trava com a imprensa com o intuito de proibir as publicações de um estudo que o governo havia encomendado e que previa que a Guerra do Vietnã não seria bem sucedida. Sabia-se disso, mas foram para a Guerra mesmo assim. Os jornais se sentem na obrigação de revelar o seu conteúdo, apesar de o governo ser radicalmente contra. Em certo momento, Ben Bradlee (Tom Hanks), chefe de redação do Washington Post enfatiza a Kay: "Não podemos deixar uma administração ditar como fazer nossa cobertura só porque não gostam de como falamos deles no jornal." . Em outro momento emblemático do filme, ele afirma: "A imprensa tem que servir aos governados. Não aos governantes.". E esclarece a Kay que não dá para manter certas amizades e realizar  um bom trabalho no jornal.  Uma hora, teremos que escolher. 
Em uma época repleta de fake news, o filme resgata uma imprensa que é referência. Aquela que não toma partido; ou melhor, que não deixa de dar a notícia, apesar dele. E, mostra como esta atitude pode ser revolucionária. Vemos também a evolução de Kate e sua afirmação. Não por acaso em certo momento ela cita uma frase do escritor inglês Samuel Johnson, no século 18: “Uma mulher falando é como um cachorro andando sobre as patas traseiras. Não fazem isso bem, mas a gente se surpreende ao ver que ao menos o fazem”. Era assim que elas eram vistas. Mas não por muito tempo. Kate fez a diferença e fará mais. Conforme o filme pontua, o  Washington Post estava prestes a noticiar o caso Watergate. O resto é História.

segunda-feira, 30 de abril de 2018

Lady Bird



Na primeira cena de Lady Bird, Christine (Saoirse Ronan) está no  carro com a mãe, Marion (Laurie Metcalf), e pergunta: “Acha que pareço ser de Sacramento?”. Sua mãe olha para ela como quem não acredita e responde: “Você é de Sacramento.”. As duas tinham acabado de ouvir e se emocionar com uma gravação do livro “As Vinhas da Ira” de John Steinbeck. Em seguida, começam esta discussão que não termina bem. Christine quer sair de Sacramento, entrar numa boa faculdade. A mãe é mais pé no chão e de uma maneira torta tenta proteger a filha dessas expectativas que considera inalcançáveis. Para Marion, o caminho natural de todos que crescem por ali com aquelas condições é: “Escola técnica, cadeia, escola técnica.”. Christine, então, reage de forma inusitada às profecias da mãe.
A cena termina de forma estranha, mas resume bem a dinâmica entre as duas. Ao mesmo tempo em que estão em perfeita harmonia, podem entrar em um forte confronto. O filme nos ajuda a entender esta fase complicada entre pais e filhos e compreender melhor esta relação de amor, muitas vezes, conturbada. Marion quer o melhor para a filha e não sabe como demonstrar sem ser ríspida ou implicante; a filha, insegura e cheia de conflitos, interpreta da pior maneira as atitudes da mãe. 
Christine quer tanto mudar que não aceita nem seu nome e, bem apropriadamente, pede que a chamem de Lady Bird. Ela quer voar, mas está no último ano do colegial e não tem boas perspectivas de entrar nas universidades que almeja. A conselheira da escola avisa sobre uma das opções da protagonista: “Você não entraria... Meu trabalho é ser realista.”.
Ao longo do filme, acompanhamos a trajetória de Lady Bird neste último ano escolar, seus altos e baixos, seus primeiros amores, seus conflitos, mas, acima de tudo, sua relação com a mãe. Christine é autêntica, não tem vergonha de se arriscar, mas, como qualquer outra adolescente, ainda não encontrou seu lugar no mundo,e, por isso, transita por alguns núcleos diferentes até perceber que não precisa ser diferente do que é para que alcance o que procura. Numa cena emblemática e, não por acaso, numa loja na qual a protagonista experimenta roupas para seu baile de formatura, a mãe de Lady Bird diz a ela: “Eu te amo.”. A filha questiona: “Eu sei, mas você gosta de mim?”. A mãe explica: “Eu quero que você seja sua melhor versão.”. E a filha a confronta: “E se esta for minha melhor versão?”.
Não é fácil definir nossa melhor versão. O que é melhor para nós, muitas vezes, não é melhor para os outros. Além disso, nossa melhor versão deve estar sempre mudando; pois, do contrário, estagnamos. E, neste caso, a protagonista, está no caminho certo. Começa como Lady Bird e termina como Christine: “Apenas Christine.”.

quarta-feira, 28 de março de 2018

Eu, Tonya


Eu, Tonya” é uma história sobre a falta de amor.  E, por isso, sobre a vontade de ser amada sob qualquer forma que este amor apareça. É também sobre o engano de achar que rispidez e violência de alguma forma podem ser considerados uma forma de afeição. 
O diretor Craig Gillepsie conta a vida da ex-patinadora artística Tonya Harding (Margot Robbie) desde sua infância até o acontecimento que a tirou da patinação para sempre.  O filme é entremeado de depoimentos dos personagens principais sobre suas versões dos fatos que levaram à derrocada de Tonya. 
Acompanhamos aquela garota com brilho nato para a patinação crescer em meio à aridez de sentimentos e à riqueza de talento. Logo no início, La vona Harding (Allison Janney), mãe de Tony, leva a filha para treinar e a treinadora (Julianne Nicholson) pede para que ela não fume na quadra. La Vona responde: “Eu fumarei em silêncio, ok? ”. Tonya tinha 03 anos e meio. Com 05, a mãe não a deixa sair da quadra para ir ao banheiro e diz para a filha patinar molhada. A menina cresce dura, amarga, com raiva e desconta toda sua energia na patinação.  
Com 04 anos e meio, Tonya ganhou sua primeira competição.  No entanto, ao crescer, a patinadora não recebe notas tão boas quanto suas concorrentes. Sua técnica explica: “Os juízes querem o convencional”. Tonya replica: “Não serei uma fada retardada”. Escolhe músicas fora do padrão, roupas chamativas, patina sem delicadeza, com força. Mas é incrivelmente talentosa. E consegue fazer o que nenhuma outra faz. Ao questionar um juiz sobre as notas que recebe, recebe a seguinte resposta:  “Nunca foi apenas sobre patinação. Você não tem a imagem que queremos mostrar. Você representa o país. Queremos a tradicional família americana. “
Toda a trajetória da personagem é truncada e ela consegue ser campeã nacional porque seu talento literalmente sobrevive a inúmeros percalços. Quando ela finalmente faz o triplo (salto) e vence o campeonato nacional, comenta: “eu era amada. ”. Mas, como se tivesse numa comédia de erros, Tonya não consegue se firmar e seu envolvimento, mesmo que não direto, no ataque sofrido por Nancy Kerrigan (Caitlin Carver), sua principal adversária, terminou de vez com sua carreira, que, desde o início, parecia condenada. Não por acaso a música que toca no carro dos agressores de Nancy é “Gloria” de Laura Branigan, tema da patinadora do filme Flashdance. A música da cena em que ela se apresenta e cai duas vezes...
Em um dos depoimentos do filme, Tonya questiona olhando diretamente para a câmera: “Nancy apanhou uma vez e o mundo inteiro ficou horrorizado. Quer dizer, para mim, era uma coisa rotineira, entendeu?”. E, na verdade, ninguém, nenhuma vez, ficou horrorizado. Olhando de fora, a vontade que temos é de salvar aquela garotinha. Mas ninguém fez isso. E ela se perdeu em meio ao caos que foi sua vida. Pensamos, pesarosos, que aquela história podia e devia ser diferente. Como muitas outras...


quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

Roda Gigante

No livro “A História de Quem foge e de Quem Fica”, de Elena Ferrante, Enzo, o marido de uma das protagonistas comenta: “Ada precisa sobreviver. A roda gira, quem estava em cima termina embaixo.”. A síntese encaixa-se perfeitamente à trajetória de Ginny (Kate Winslet)  em Roda Gigante. É como se o filme se iniciasse com a entrada da personagem no brinquedo, ela sobe e fica no topo por alguns minutos apreciando a vista, mas a roda volta a girar.
Roda Gigante é ambientado em Coney Island, 1950. O balneário no distrito de Brooklyn, Nova Iorque, era muito popular na época e, no verão, atraía turistas de todo o país. Ginny é garçonete em um restaurante de ostras, seu marido Humpty (James Belushi) é operador de Carrossel. O casal mora no parque de diversões e tem vista para a Roda Gigante, grande símbolo do parque e da própria região. O brinquedo luminoso faz com que a  luz na casa e no quarto de Ginny varie de coloração. De vermelho ao azul, variam as cores e o humor dos protagonistas. Conforme Humpty reclama com Ginny: “Uma hora, está feliz. Na outra, você enlouquece.”. A fotografia do longa é perfeita e nos leva a uma Coney Island linda, colorida e popular.
Durante o verão, Ginny está frustrada. Praticamente, não tem dinheiro. Seu filho Rich (Jack Gore), que não é filho de Humpty, tem dado problemas de comportamento.  Ex-atriz e saudosista, ela não gosta do que faz e,  além disso, o marido é alcoólatra. Conforme ela explica ao filho quando ele  a confronta sobre o padrasto: ”Quando ele bebe, bate em todo mundo. Não apenas em mim.”
Em meio a este drama, Ginny caminha na praia  numa tarde chuvosa e conhece Mickey (Justin Timberlake), que, não por acaso, trabalha como salva-vidas. Ele é o narrador da história, estuda literatura europeia e quer ser dramaturgo porque  “gosta de melodrama e personagens marcantes”. Assim, Ginny torna-se bastante atraente para ele: “Ela despertou o dramaturgo em mim.”  Os dois desenvolvem um romance que, para ela, torna-se visceral; enquanto, para ele, é um laboratório.
Para complicar este triângulo, surge em cena Carolina (Juno Temple), enteada de Ginny, que volta para casa escondida do marido gangster e por quem Mickey também vai se interessar. Cada um destes episódios  faz a roda de Ginny girar e ela que, já estava à beira de uma ataque de nervos, terá uma trajetória realmente cíclica. O filme lembra Blue Jasmine, também de Woody Allen, no qual Cate Blanchet (a Jasmine do título) acaba sucumbindo à loucura após certos dramas em sua vida. Mas lembra também A Rosa Púrpura do Cairo, do mesmo diretor, no qual a personagem de Mia Farrow que, como Ginny, é garçonete e está frustrada tanto no casamento quanto em realização pessoal, acaba encontrando uma escapatória no herói de seu filme predileto; só para depois sair da tela e voltar para sua vida real. Da mesma forma que Mia Farrow encontra-se novamente diante da tela do cinema, Ginny encerra seu ciclo recusando-se, mais uma vez, a sair para pescar com o marido.