quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Boyhood - da infância à juventude


Branca Machado - 17/11/2014

        Boyhood foi filmado durante 12 anos. No total, foram 39 dias de filmagem em uma produção de 4200 dias. Acompanhamos o crescimento de Mason (Ellar Coltrane) dos 06 aos 18 anos de idade. O curioso é que não se trata de um documentário, mas de uma ficção. O diretor Richard Linklater realizou algo inédito e teve a sorte de não perder nenhum ator nesse período. É interessante acompanhar as mudanças físicas do elenco ao longo do tempo. E, com elas, seu consequente amadurecimento; este, por sua vez, devido ao bom roteiro de Linklater. O que vemos podia ser a nossa vida. Muitas vezes, é bem parecido. Nada de transcendental acontece. Ou, ao contrário, percebemos o quanto nossa vida é transcendental...
     Assistimos ao protagonista crescer junto a sua irmã Samantha (Lorelei Linklater) e sua mãe Olivia (Patricia Arquette). O pai Mason (Ethan Hawke), divorciado de Olivia, também tem sua trajetória retratada. Acompanhamos, assim, a evolução dos quatro cujas vidas mudam bastante ao longo desses 12 anos. Mas dentro de um processo natural e lógico. Mason, com 06 anos, observa o céu, deitado na grama. Ele espera por sua mãe. Quando ela retorna, descobrimos sobre o que ele esteve refletindo: “Mãe, de onde as vespas vêm?”. Olivia, durante o filme, passa por relacionamentos que, querendo ou não, envolvem os filhos. Sobre ela, Mason comenta aos 17: “Gosto de minha mãe. Mas, basicamente, ela é tão confusa quanto eu.”. Estas reflexões mostram o quanto o menino amadurece ao longo do filme. Podemos fazer as mesmas constatações para os outros personagens. Como, por exemplo, no diálogo entre Mason e seu pai no qual este último revela que vai trabalhar numa companhia de seguros. O filho comenta: “Achei que você fosse músico...” O pai reflete: “Eu também. Mas a vida é cara, sabe?”. Ou quando Mason (pai) pergunta para Samantha: “Aquele cara no seu Facebook vai?” e acrescenta: “Sei mais sobre você pelo Facebook que quando a gente conversa...”. 
       Em certo momento, o pai canta uma música de sua autoria na qual afirma que chegadas e partidas caminham lado a lado. Ao final de sua trajetória, Mason despede-se de sua mãe para ir para a faculdade. Ele vai iniciar um novo caminho. E, com isso, Olivia também. A convivência entre partidas e chegadas tem que acontecer. Faz parte do nosso crescimento. Deixamos pessoas e coisas para que outras possam entrar.
      Ao mesmo tempo, há relações que nos acompanham por toda a vida, mas com mudanças em sua dinâmica. No aniversário de 15 anos do filho, a mãe pergunta a ele: “Você bebeu?” Ele olha para a taça de vinho que ela tem nas mãos e rebate: “E você? Bebeu?”. A relação entre eles torna-se cada vez mais igual e não de dependência. Em uma cena emblemática, Mason chega para encontrar Olívia e assiste ao final de sua aula. Ela fala sobre a teoria do psiquiatra John Bowlby que afirma que a sobrevivência depende de nos apaixonarmos e dá o exemplo da relação entre mãe e filho. E, a partir disso, quais as suas implicações na vida adulta. Praticamente, é disso que Boyhood trata. A cena é tocante, sem querer tocar. O filme é assim: sem pretensões. No entanto, consegue muito.



sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Garota Exemplar

Branca Machado – 18/11/2014

    “Garota Exemplar” tem início com um plano da nuca de Amy (Rosamund Pike) e a reflexão de Nick (Ben Affleck): “Quando eu penso na minha mulher, penso na cabeça dela. O que fizemos um ao outro?”. Ao longo do filme, é o que tentaremos descobrir...
    Em seguida, mostra-se a cidadezinha. O relógio marca 07:55. Nick, do lado de fora da casa, procura a esposa, desiste e vai para “O Bar”, um pub em que é sócio de sua irmã Margo (Carrie Coon). Ele comenta: “Estou num dia ruim. Estamos completando 05 anos de casados.” A irmã: “Foi veloz!” Ele completa:"...E furioso”. O filme então passa para o diário de Amy e o relato do dia em que ela conheceu o marido. Por esse depoimento, já começamos a refletir sobre o motivo de Nick ter descrito como “furioso” um relacionamento de início tão doce.
    A partir daí, seremos acompanhados de dois relatos da história daquele casal: a atual, dura e amarga de Nick; e a romântica,  acompanhada de flashbacks, e depressiva do diário de Amy. Somos confrontados com duas verdades. E passamos a ser o juiz de um jogo cujas regras e fatos mudam o tempo todo. Como escreveu Daniel Oliveira para o Jornal da Pampulha: “Da mesma forma que você pode perguntar a um casal sobre seu relacionamento, e um vai dizer que está “ótimo” e o outro “péssimo”, não se trata de saber quem está mentindo ou dizendo a verdade. Mas sim entender quem está atuando melhor a versão em que acredita.” 
    Baseado em um livro de mesmo nome, o filme é bastante fiel a ele. Até porque a escritora Gillian Flynn ajudou a escrever o roteiro. Há uma primeira parte em que a trama é acompanhada do relato do diário e uma segunda que ocorre quando o depoimento de Amy termina: o dia anterior ao seu desaparecimento.  
    À medida que o diário evolui, seu tom passa de romântico para amedrontado. Já Nick apresenta-se, ao mesmo tempo, cético e chocado. Ele é confrontado com descobertas sobre a esposa ao longo da investigação e se surpreende com várias delas. “O que ela faz o dia todo?” Pergunta a policial. Ele: “Não sei. Se mantém ocupada. É de NY. Os padrões são altos.”  Um dos policiais observa: “Não sabe se ela tem amigas, o que ela faz o dia todo e seu tipo de sangue...São mesmos casados?” No Diário, Amy comenta: “Casamento é trabalho duro, ceder e mais trabalho duro”. Sobre a mudança para Missouri onde moram a irmã e a mãe do marido, escreve: “Sinto-me como uma mala trazida por engano.”
    O filme é uma grande metáfora do casamento. Exagerada, um tanto distorcida, mas com a qual nos identificamos. No começo tudo é paixão, os problemas são contornáveis. Mas com uma recessão e 02 empregos a menos depois... A pessoa que conhecemos não se manterá perfeita. Um defeito que era “fofo” torna-se insuportável. Deixa-se de conversar, um não sabe da rotina do outro. Um olhar pode significar aprovação ou total desprezo. E só o casal sabe disso. Por isso, aos olhos de Nick, a versão da esposa não é a versão de todos os outros. Amy, para a opinião pública, é a “Garota Exemplar” sobre a qual seus pais escreveram uma série de livros de sucesso; e isso só piora a situação do marido na investigação do desaparecimento da esposa.
    “Garota Exemplar” lembra os filmes de Hitchcock com uma perversidade latente e certa dose de humor. Há ainda a loira perfeita e dúvidas a respeito do que realmente pode ter acontecido, em meio a  duas versões altamente envolvidas com os fatos. Hitchcock provavelmente teria concluído a história antes. David Fincher continua...E esta perspectiva é ainda mais aterrorizante.

terça-feira, 4 de novembro de 2014

Magia ao Luar


  
Branca Machado – 01/09/2014

    Uma das principais características dos protagonistas de Woody Allen é a misantropia. Stanley Crawford (Colin Firth) não é diferente. Um misantropo está profundamente desapontado com a humanidade e é avesso à convivência social. Como afirma Tia Vanessa (Eileen Atkins), sobre o sobrinho: “Se você fosse mais simpático, poderia ter amigos.” Stanley costuma citar Hobbes: “A vida do homem é solitária, pobre, sórdida, embrutecida e curta". E observa: “Eu teria me dado bem com Hobbes.”
    O personagem é um renomado mágico e, no último espetáculo de sua turnê, em 1928, recebe a visita do colega de profissão Howard Burkan (Simon Mcburney). Burkan pede que o amigo o ajude a desmascarar uma médium que se instalou na casa da família Catledege na Riviera Francesa. O próprio Burkan já havia tentado fazê-lo, mas não tendo conseguido, apelou ao famoso colega que, além de ilusionista, é especialista em descobrir charlatões. Stanley basicamente considera que toda ilusão é truque, e que não existe magia, mas ciência. Médium, para ele, é aquele que fala exatamente o que o outro quer ouvir. Sobre o tema, Allen conta que a mediunidade fez sucesso nos anos 20: “pessoas renomadas como Arthur Conan Doyle levaram o tema muito a sério. Houve todo tipo de situação bizarra, como, por exemplo, fotografias tiradas supostamente de espíritos e que deixaram a população em polvorosa. Sessões espíritas eram muito comuns”.
     A esperança e os benefícios trazidos pela ilusão e os prejuízos e falsidade da mentira são dois lados de uma mesma moeda. Stanley estará em um, Sophie (Emma Stone), a médium em questão, em outro. Em certo momento, a médium confronta o mágico: “Só porque você pode reproduzir meus milagres não que dizer que eles não sejam reais”. Em outro, ela o questiona sobre uma situação na qual ele esteve particularmente iludido: “Você estava feliz! E aí? Não é bom?”. De sua parte, ele afirma coisas do tipo: “O mundo é racional, caso contrário, seria uma loucura”.
    A dinâmica entre eles remete à de Mr. Darcy e Elizabeth Bennet em Orgulho e Preconceito de Jane Austen, cuja série da BBC o próprio Colin Firth estrelou. Stanley não pode admitir ser apaixonado por Sophie; ele é muito superior a ela. O personagem é incapaz de fazer um elogio direto ou ser simplesmente agradável. Ele afirma coisas do tipo: “Nunca pensei que você pudesse ficar tão bonita. Deve ter movido uma montanha para ficar desse jeito”.Seu pedido de casamento vem cheio de preconceito e tal como Elizabeth, Sophie poderia respondê-lo da seguinte maneira: “Por que, com tão evidente desejo de me ofender e insultar, você escolheu dizer que gostava de mim contra sua vontade, razão e, mesmo, contra seu caráter?” E a expressão de Stanley poderia ser a mesma que a descrita pela autora para Mr. Darcy: “A surpresa dele era óbvia; e ele olhou para ela com uma expressão de incredulidade mesclada com mortificação.”
     Nesse debate entre a ilusão versus a mentira, pode-se dizer que um pouco de ilusão ajuda a suportar a vida. Então, por que estamos sempre tentando achar o truque, o que há por trás disso ou daquilo? Será que, de vez em quando, não podemos simplesmente deixar para lá? Exatamente como quando sentamos num cinema e deixamo-nos levar pela história? 


quarta-feira, 17 de setembro de 2014

O Iluminado (1980)*


* Filme assistido na Mostra Kubrick: De Olhos Bem Abertos, ocorrida em agosto de 2014 na sala Humberto Mauro.

Branca Machado – 26/08/2014

     Um fusca amarelo sobe uma estrada em curva cercada de pinheiros pontudos.As altas montanhas ao fundo possuem neve só no topo. O dia está bastante ensolarado.  Apesar de tudo, a trilha sonora é sinistra. O carro segue rumo ao hotel Overlock. E este plano nos faz perceber que se trata de um local distante, alto e isolado. Quando Jack Torrance (Jack Nicholson) chega para a entrevista de emprego,  o hotel ainda tem hóspedes. Aspirante a escritor, ele está desempregado e  pretende ficar como zelador do hotel nos 05 meses em que o local estará fechado durante o inverno. 
     Enquanto ocorre a entrevista, seu filho Danny (Danny Lloyd) e sua esposa Wendy (Shelley Duvall) estão em casa, esperando seu retorno e o filho questiona a mãe: “Mãe tem certeza que quer morar naquele hotel no inverno?”. Danny tem Tony, um amigo imaginário, e este amigo não quer ir para o hotel. Na verdade, o menino possui poderes paranormais e pressente que a estada no hotel não será boa para sua família.
Durante a entrevista, Jack recebe informações úteis para ele e, principalmente, para os espectadores, que ficam sabendo o quanto o local ficará solitário durante o inverno. O gerente avisa a Jack que a imensa sensação de isolamento pode ser um problema. Jack afirma: “não para mim.” Ele ainda conta sobre o acontecido no inverno de 1970: O zelador matou a esposa e as 02 filhas e se suicidou depois.  Toda a entrevista e as cenas com Wendy e Danny criam uma expectativa nada animadora sobre esta temporada dos Torrance no Overlock. 
O filme é dividido em partes, a primeira delas é a entrevista a segunda, o “closing day”, dia  que a família chega ao hotel. Eles fazem um passeio pelo local. O labirinto é mencionado. Para nós é importante conhecê-lo, ver como é grande, entender como a família vai viver ali. Um dos personagens conclui que o hotel ficará como um navio fantasma...É neste momento que Danny conhece o cozinheiro do hotel, Dick Holloran (Scatman Crothers), que percebe os poderes do menino porque também os tem. Ele conta para Danny que a mãe o chamava de iluminado por causa desses poderes. O menino conta de sua apreensão: “Há alguma coisa má aqui?” e ele o tranquiliza dizendo que as coisas que Danny irá ver são como “figuras de um livro” e completa: “Eu não acho que essas coisas possam machucar alguém”. 
No hotel, o pai convive muito pouco com o filho. Aliás, com a família. Quase não há cenas com os três. A cena em que aparecem juntos é dentro do fusca, quando estão indo para o Overlock. No carro, não havia como Jack se isolar. Enquanto o pai escreve seu livro em um dos salões, Wendy e Danny interagem com o hotel e seus ambientes. Eles vão passear no labirinto; o que será de grande utilidade para o garoto posteriormente. Há uma plano muito interessante em que Jack observa a maquete do local, enquanto Danny e Wendy passeiam nele. Ele os observa bem pequenos por cima da maquete, com eles se movendo lá embaixo e a cena muda para os dois personagens no próprio labirinto como um prenúncio do que virá. Um lobo observa suas presas...Mãe e filho X pai.
      Um mês se passa e os intervalos entre as partes do filme vão diminuindo na medida que a loucura de Jack vai aumentando. Agora, temos a “terça-feira”, na qual vemos Jack datilografar de costas, Wendy chega para demonstrar sua preocupação com a nevasca e ele, irritado, tira o papel da máquina. O som que se ouve é como se fosse de uma guilhotina. Ele diz a e ela: “Não entre, quando me ouvir datilografando!”. “Quinta-feira”, muita neve. A expressão de Jack muda completamente. Um ar entre maligno e louco está estampado em seu rosto.  Na  “Segunda feira”,  a divisão passa a ser pela hora do dia.  8 AM: O menino quer ir buscar um carrinho no quarto, mas o pai está dormindo, e a mãe apreensiva diz a ele para não fazer barulho.  O pai diz ao filho que acha que está enlouquecendo. A tensão vai aumentando.  A família é absorvida pela energia do hotel e seus fantasmas. 4 PM: O que era bonito fica assustador; a estrada, o labirinto, o próprio Jack.. A dualidade entre o bem e o mal, entre o anjo e o demônio que existem dentro de nós está   estampada no protagonista.  Uma cena que representa bem este conflito é aquela em que Jack conversa com Gary (Philip Stone), o zelador de 1970, em um banheiro vermelho e cheio de espelhos e Gary observa que, na verdade, Jack sempre foi o zelador do Overlock.
    Talvez, a maior dualidade do filme seja o sobrenatural X humano. Será que aquilo que vemos como fantasmas não seria simplesmente a representação do que se passa na mente dos personagens, seus demônios, desejos, psicoses, medos? O fato de Wendy começar a vê-los no momento em que se encontra mais apavorada poderia confirmar isso, mas a cena final contradiz essa teoria, levando-nos a pensar que espíritos maus realmente assombram aquele hotel. E esta é apenas mais uma das interpretações possíveis... Exatamente como Kubrick queria que fosse.

quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Uma loura por 01 milhão (1966)



               
Branca Machado – 07/08/2014


     Na entrada da sala Humberto Mauro, para assistir a um dos filmes da Mostra Billy Wilder: Gênio do Sistema, ouvi o seguinte comentário: “Uma loura por 01 milhão... Deve ser com a Marilyn... Com um nome desses, só pode ser com ela!” Na verdade, o filme não é com a atriz e seu nome original é The Fortune Cookie  (O Biscoito da Sorte).
    A suposição da espectadora não foi sem motivo. O diretor trabalhou com Marilyn em “Quanto mais quente melhor”  e “O pecado mora ao lado” e conseguiu o melhor dela. Quando alguém pensa em Marilyn como atriz, pensa em primeiro lugar nos papéis que interpretou com Wilder.  Mas este filme não era para ela. A loura em questão é maliciosa (não “tolinha”), fria (não sentimental), vulgar (não sensual).  Como afirmou Natalie Wood: “Quando a gente vê Marilyn na tela, deseja que tudo vá bem com ela; que seja feliz.” Definitivamente, não é esse o sentimento que o diretor queria que tivéssemos pela loura do filme. 
   O filme possui alguns aspectos da filmografia de Wilder como o tema da farsa que se volta sobre o próprio farsante e o uso da comédia para tocar em assuntos sérios e relevantes. Trata-se do primeiro dos dez filmes em que Jack Lemmon contracena com Walter Matthau.  Ele é dividido em capítulos cujo primeiro trata do acidente que dará início a toda a trama. Harry Hinkle (Jack Lemmon) é um cinegrafista que filma uma partida de futebol americano. Em certo momento do jogo,  um jogador corre em sua direção, esbarra nele, que é empurrado com força e desmaia. Hinkle é levado para o hospital e não tem nada demais, mas seu cunhado Willie Gingrich (Walter Matthau) o convence a processar o estádio e o time. Para isso, ele deve fingir que não consegue andar e que alguns dedos de sua mão esquerda estão dormentes. Esta farsa é o motivo para gags hilárias de Jack Lemmon. Há uma cena em que ele fuma com o cigarro entre os dedos anelar e mindinho de sua mão esquerda, já que os outros estão “dormentes”.
   Walter Matthaw é o advogado que fará qualquer coisa para ganhar a causa e cujas falas são o melhor do filme. Não à toa, ele ganhou o Oscar de melhor ator coadjuvante pelo papel. Sobre Willie, alguém comenta: “Ele é capaz de encontrar brechas nos Dez Mandamentos...”. Quando seus filhos andam de skate pelos corredores do hospital e sua esposa os recrimina por isso, ele observa: “Deixe para lá, se forem quebrar uma perna, este é o lugar certo para se fazer isto”. Ainda no hospital, seus filhos pedem uma moeda para doar para a causa das mães solteiras, ele, então, entrega a moeda e comenta: “Mães solteiras? Sou a favor!”. Quando Hinkle afirma que não vai levantar um dedo para continuar com aquela farsa. Ele replica: “É isso mesmo que eu preciso: que você não levante um dedo!” Há muitos diálogos como este no filme, nos quais identificamos o ácido humor de Billy Wilder na boa interpretação de Matthaw.
   Hinkle só havia topado aquela encenação por amor, já que Sandi Hinkle (Judi West), sua ex-mulher e a loura em questão, voltou assim que soube do acidente e, principalmente, do processo. Quando ele percebe que as intenções dela não são nenhuma daquelas que, a princípio, imaginou, ele retorna ao que considera certo. Em determinado momento, o protagonista provou um biscoito da sorte com a seguinte mensagem: “Você pode enganar algumas pessoas o tempo todo ou todas as pessoas durante algum tempo, mas você não pode enganar todas as pessoas o tempo todo”.  Supomos que o aviso é uma antecipação sobre o que acontecerá com a farsa de Harry e Willie mas, ao que parece, esta mensagem era para a “loura”  e coube a Hinkle dar esta lição para ela. 

quarta-feira, 14 de maio de 2014

Clube de Compras Dallas


A montaria em touro exige um tempo de permanência em cima do animal de 8 segundos e o competidor deve se manter equilibrado com uma mão amarrada à corda e a outra livre para o alto, não podendo tocar no touro. É a prova que mais exige coragem, equilíbrio, flexibilidade, coordenação e reflexo em um rodeio. É um desafio se manter ali. Roon Woodroof (Matthew McConaughey) é caubói texano. Talvez, por isso, tenha encarado a Aids como um touro bravo que ele teria de montar e o mês de vida que lhe restava tenha se transformado em 07 anos.
Clube de compras Dallas, em suas cenas iniciais, mostra-nos o estilo de vida que Ron levava antes de ser diagnosticado. Ele transa com 02 mulheres e cheira cocaína nos bastidores de um rodeio. Pela aparência do personagem, percebemos que ele já estava doente há tempos, mas nem considerava a possibilidade... Em 1985, sendo macho como ele, era “impossível” que ele estivesse com Aids. Quando vão dar a notícia para Ron, os médicos colocam proteção na boca para falar com ele. Com esta cena, o diretor conclui a visão que tinham da Aids na época: uma doença de homossexual que podia ser transmitida pelo ar. Os médicos dão a ele 30 dias de vida. Então, começa-se a contagem de tempo no filme. Pelo calendário na parede do trailer, sabemos que estamos no início de julho de 1985. O choque para Ron foi enorme. Além de receber a notícia de que está doente, ainda é aquela doença. Aquela que ele nunca poderia contrair...Os amigos não querem que ele encoste neles. Agora, Ron é a vítima do preconceito. Está do lado de lá. Na pele de quem ele tanto criticou.
A trajetória dramática do personagem é tocante. Ele pesquisa e descobre que não se trata de uma doença exclusiva de homossexuais, mas também de usuários de drogas injetáveis que podem transmiti-las a parceiros sexuais no caso de sexo sem camisinha. Ele pegou a doença assim e, certamente, a transmitiu assim. Ron vai tentar sobreviver. Durante aquele mês, ele fica bem doente. É internado. Resolve ir embora: “Eu me dei alta”. Eve (Jennifer Garner), sua médica, fala para ele ficar e diz que vai tratá-lo com morfina. Ele conclui: “Prefiro morrer de botas, lady.””
Em sua luta por recuperar-se e conseguir medicação adequada, Ron cruza a fronteira, vai ao México e fica lá por 03 meses. Melhora bem com uma mistura de vitaminas e remédio (coquetel). Volta ao Texas, e, em sociedade com Rayon (Jared Leto), homossexual que conhece os principais clientes, monta um Clube de Compras para vender o coquetel. O trato com os fregueses é o seguinte: “Se morrer, morreram. Não é problema meu.”
Ocorre que, ao longo de sua trajetória, ele se envolve cada vez mais e acaba se tornando um ativista. A causa fica maior. Ron realiza pesquisas, fica entendido. Em busca dos remédios, vai ao Japão, Israel, Holanda. O normal era um paciente de aids ter uma sobrevida de 06 meses. Em uma conversa com Eve, ele comenta: “Sinto que às vezes luto por uma vida que não vai dar tempo de eu viver.” Sua luta era para ele e para os outros. Nessa luta, ganhou 07 anos.
Há uma cena em que Ron se encontra numa sala onde lagartas tornaram-se borboletas. Trata-se de uma cena carregada de significados. Com a doença, sua vida ganhou sentido. Talvez, ele vivesse menos, se não estivesse com Aids. Na luta pela sobrevivência, tornou-se saudável. Não se tratou de uma luta pela felicidade, por um sonho, ou por um amor, mas para vencer, domar aquela doença, permanecer em cima do touro. E ele conseguiu seus 08 segundos. 

segunda-feira, 10 de março de 2014

Ela

Branca Moura Machado, 10/03/2014

   

     Theodore (Joaquim Phoenix) trabalha numa empresa chamada belascartasmanuscritas.com. O filme começa com um close do personagem ditando uma carta para o computador em frente a ele. Ele dita em voz baixa, pois, à sua volta, outros funcionários fazem a mesma coisa. No final do dia, ele imprime as cartas que ditou em letra cursiva e as envia aos destinatários pelo correio.
       Desde o início, somos convidados a refletir sobre algumas questões. Ora, em um mundo em que recebemos e apreciamos cartas manuscritas impressas, não podemos nos apaixonar por um sistema operacional inteligente? No final das contas, o que interessa não é o conteúdo das cartas? Esta parece ser a premissa do inquietante e belo “Ela”, roteirizado e dirigido por Spike Jonze, que ganhou o Oscar de melhor roteiro original pelo filme.
   As novas relações trazidas pela tecnologia resgatam conhecidos sentimentos. Trata-se de uma mistura do novo com o tradicional que é, na verdade, a base do romance que ocorrerá na história. O novo? O sistema operacional de última geração que Theodore instalará em seu computador. O tradicional? A paixão que surgirá entre Theo e este sistema que se se autodenominará Samantha (na voz de Scarlett Johanson). Quando sai do trabalho, Theodore recebe um recado de sua amiga Amy (Amy Adams): “ Sinto falta do seu eu divertido”. Conforme ele responde ao questionário de seu novo sistema operacional (para adequá-lo às suas necessidades), ele é questionado se é social ou antissocial. E ele responde que não é social. Isto, vejam bem, não quer dizer que ele seja antissocial. Ele já foi divertido. E, conforme justifica à sua amiga Amy sobre sua paixão por Samantha: “É bom estar com alguém que curte o mundo. Esqueci que isso existia.”, sente falta de ser.
     Theo e Sam estabelecem uma afinidade imediata. Apesar de só ouvi-la, muitas vezes, esquecemos que Sam não tem corpo ou rosto. Entendemos que Theo pode esquecer isso também. Ele observa: “Você já me conhece tão bem.” Depois, justifica por que ainda não assinou seus papéis de divórcio: “Fico esperando eu deixar de gostar dela”. E Sam observa: “Isto é difícil...” Ele observa: “Eu não acredito que estou tendo essa conversa com meu computador." Samantha replica: “Não está. Está tendo comigo.”
     Em uma conversa, Amy afirma para Theo que se apaixonar é uma forma de insanidade socialmente aceitável. Entre Sam e Theo, o sofrimento, a falta, o desespero na relação são os mesmos. Como Amy, consideramos aquele relacionamento plausível. Quando Theo tropeça em sua correria para voltar para casa em um momento particularmente dramático, as pessoas na rua o ajudam, oferecem auxílio, apesar de estarem também interagindo com suas próprias máquinas. Elas enxergam Theo. Que bom. Diferente da crítica que se faz, no filme, a tecnologia faz parte, soma, mas não toma conta. A nossa relação com ela é parte e não apenas.

Oscar 2014

Gente,
Olha onde essa blogueira aqui esteve! kkkkkkkkkk


terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Álbum de família


Branca Machado – 14/02/2014

    “A vida é muito longa.” Esta é a primeira fase que ouvimos em “Álbum de família”.  Beverly (Sam Shepard) cita a frase para Johna, a empregada que está contratando, e comenta que muita gente acha isso, mas que T. S Eliot foi o primeiro que se deu ao trabalho de escrever.  Em seguida, ele resume seu casamento com Violet (Meryl Streep): "Ela toma pílulas e eu bebo”. Não veremos mais Bev durante o filme. Este prólogo esclarece seu estado de espírito e rima com a conclusão do longa na qual a mesma Johna aparecerá como o único conforto para outro personagem. 
     Para os membros da família de Bev, a vida deve parecer enorme.Depois do prólogo, vem a música de abertura e o telefone toca na casa de Bárbara (Julia Roberts) que deitada na sua cama, ordena à filha (Abigail Breslin): “Se for seu pai, mande-o à merda.” É  Ivy, irmã de  Barb, de Oklahoma, para avisá-la de que o pai (Beverly) estava desaparecido.  Bárbara tem problemas com o marido. Numa lógica perversa, parece que a infelicidade daquela família passa de geração para geração.  Em casa, após seu reencontro com a mãe, Bárbara, por meio de comentários, demonstra que seu estado de espírito está bem parecido com o de Violet ou Bev: “Sorte que nós não prevemos o futuro. Jamais sairíamos da cama.” Barbara é a única que está a altura da mãe na ferocidade da língua. Karen (Juliette Lewis) e Ivy (Julianne Nicholson), suas irmãs, bem como o restante da família não dão conta do recado.
     Violet fala para Ivy coisas do tipo: “Seus ombros estão caídos, seu cabelo está esticado, você não usa maquiagem; parece uma lésbica.” E, para Karen: “As mulheres não ficam atraentes quando mais velhas, ficam feias, e você é uma prova disso, Karen”.De certa forma, o filme lembra “Closer”, pois, naquela reunião familiar, o limite do íntimo é ultrapassado e invadido. Lembra ainda “Deus da Carnificina” por também ser baseado em uma peça de teatro, por seu humor negro e pela evolução das agressões entre os personagens.
     Em certo momento,  Barbara confronta a filha e afirma para Bill (Ewan McGregor), seu marido: “Ela é velha o bastante para ter caráter. Isso vem dos pais.” E olha para ele significativamente. Barb é dura com a filha. Violet foi dura com ela. E a mãe dela foi pior ainda. Na história sórdida que Violet conta para as filhas sobre sua mãe, uma delas questiona: “Este não é o fim da história, é?”  Parece mais o começo. E parece ser cíclico.
    O problema da culpa é o que permeia todo o filme. Não por que as pessoas se sentem culpadas ou responsáveis por si mesmas, mas sim, por acusarem os outros o tempo todo por suas grosserias, defeitos e infelicidade. E, nesse caso, não há melhor conclusão que a do Tio Charles quando confronta a esposa e afirma: “Não sei por que as pessoas não respeitam as outras. Não há desculpas para isso.” Não há mesmo. Se procurarmos, sempre é possível encontrar algo para justificar um defeito nosso. É muito fácil ser vítima. Apontar o dedo. Mas não é bonito e muito menos resolve alguma coisa.