terça-feira, 4 de novembro de 2014

Magia ao Luar


  
Branca Machado – 01/09/2014

    Uma das principais características dos protagonistas de Woody Allen é a misantropia. Stanley Crawford (Colin Firth) não é diferente. Um misantropo está profundamente desapontado com a humanidade e é avesso à convivência social. Como afirma Tia Vanessa (Eileen Atkins), sobre o sobrinho: “Se você fosse mais simpático, poderia ter amigos.” Stanley costuma citar Hobbes: “A vida do homem é solitária, pobre, sórdida, embrutecida e curta". E observa: “Eu teria me dado bem com Hobbes.”
    O personagem é um renomado mágico e, no último espetáculo de sua turnê, em 1928, recebe a visita do colega de profissão Howard Burkan (Simon Mcburney). Burkan pede que o amigo o ajude a desmascarar uma médium que se instalou na casa da família Catledege na Riviera Francesa. O próprio Burkan já havia tentado fazê-lo, mas não tendo conseguido, apelou ao famoso colega que, além de ilusionista, é especialista em descobrir charlatões. Stanley basicamente considera que toda ilusão é truque, e que não existe magia, mas ciência. Médium, para ele, é aquele que fala exatamente o que o outro quer ouvir. Sobre o tema, Allen conta que a mediunidade fez sucesso nos anos 20: “pessoas renomadas como Arthur Conan Doyle levaram o tema muito a sério. Houve todo tipo de situação bizarra, como, por exemplo, fotografias tiradas supostamente de espíritos e que deixaram a população em polvorosa. Sessões espíritas eram muito comuns”.
     A esperança e os benefícios trazidos pela ilusão e os prejuízos e falsidade da mentira são dois lados de uma mesma moeda. Stanley estará em um, Sophie (Emma Stone), a médium em questão, em outro. Em certo momento, a médium confronta o mágico: “Só porque você pode reproduzir meus milagres não que dizer que eles não sejam reais”. Em outro, ela o questiona sobre uma situação na qual ele esteve particularmente iludido: “Você estava feliz! E aí? Não é bom?”. De sua parte, ele afirma coisas do tipo: “O mundo é racional, caso contrário, seria uma loucura”.
    A dinâmica entre eles remete à de Mr. Darcy e Elizabeth Bennet em Orgulho e Preconceito de Jane Austen, cuja série da BBC o próprio Colin Firth estrelou. Stanley não pode admitir ser apaixonado por Sophie; ele é muito superior a ela. O personagem é incapaz de fazer um elogio direto ou ser simplesmente agradável. Ele afirma coisas do tipo: “Nunca pensei que você pudesse ficar tão bonita. Deve ter movido uma montanha para ficar desse jeito”.Seu pedido de casamento vem cheio de preconceito e tal como Elizabeth, Sophie poderia respondê-lo da seguinte maneira: “Por que, com tão evidente desejo de me ofender e insultar, você escolheu dizer que gostava de mim contra sua vontade, razão e, mesmo, contra seu caráter?” E a expressão de Stanley poderia ser a mesma que a descrita pela autora para Mr. Darcy: “A surpresa dele era óbvia; e ele olhou para ela com uma expressão de incredulidade mesclada com mortificação.”
     Nesse debate entre a ilusão versus a mentira, pode-se dizer que um pouco de ilusão ajuda a suportar a vida. Então, por que estamos sempre tentando achar o truque, o que há por trás disso ou daquilo? Será que, de vez em quando, não podemos simplesmente deixar para lá? Exatamente como quando sentamos num cinema e deixamo-nos levar pela história? 


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