quarta-feira, 6 de julho de 2022

Belfast

 

A história de Belfast começa em 15 de agosto de 1969, quando teve início um surto de violência na Irlanda do Norte, que marca o  conflito de 30 anos entre católicos e protestantes na região. O menino Buddy (Jude Hill) vive com sua família da classe trabalhadora na cidade. Enquanto ele brinca em meio às paisagens destruídas e a violência extrema, sua família tenta administrar os problemas financeiros e sociais com que se deparam no período. Trata-se de uma família amorosa formada por Pa (Jamie Dornan), Ma (Caitríona Balfe), seu irmão e seus queridos avós. 

Dirigido e roteirizado por kenneth Branagh, Belfast recebeu sete indicações ao Oscar 2022 e venceu em melhor Roteiro Original. O filme mostra situações baseadas na trajetória do próprio cineasta irlandês. Assistimos ao conflito da rua em que Buddy mora e na qual se passa todo o filme. Assistimos também pelos olhos dele: uma criança que não entende por que de repente não pode gostar do seu vizinho. E parece ter que escolher um lado de algo que nem compreende. Em um momento, Buddy brinca livremente na rua e todos o avisam que sua mãe está chamando para almoçar. No momento seguinte, ele está desviando de pedras e de vidros quebrados. Em uma só tomada, muda tudo naquele rua...

Ele e sua família, de certa forma, estão protegidos, pois são protestantes e o grupo que está sendo preterido são os católicos. Mas a verdade é que se veem no meio de atos de violência em uma bairro pacífico no qual todos conviviam bem. Eles são forçados a tomar partido, não querem e isto os coloca em uma situação também arriscada. 

O diretor aproveita para demonstrar também seu gosto e admiração pela sétima arte ao mostrar Buddy e sua família se divertindo no cinema. O filme é preto e branco, mas os longas a que a família assiste na tela são coloridos. Aquela diversão traz cor, alegria. Referências aos longas "Noite de Natal" (1938), "O Calhambeque Mágico" (1968) e, principalmente, ao clássico "Matar ou Morrer" (1952) são realizadas durante o desenvolvimento da narrativa. A música tema deste último é inclusive utilizada em um momento que se se assemelha a um duelo na rua.

Quando a família toma uma decisão definitiva sobre o que fazer diante daqueles conflitos, Buddy sofre. Ele gosta dali, nasceu ali e, pela própria ambientação do filme, entendemos que, ali, é tudo que ele conhece.  Triste, ele pergunta ao pai: "Pai, você acha que eu e aquela menina temos futuro?" E o pai questiona: "Por que não teriam?" E ele responde: "Por que ela é católica.". O menino demonstra, em seu drama infantil e privado, a pressão de um conflito criado por adultos que muda toda a sua vida. Ontem, ela era sua colega de classe. Hoje, ela é alguém com quem, talvez, ele não possa ter um futuro.

Este tipo de reflexão, provocada pelo filme, é extremamente necessária. A separação maniqueísta de que,  se alguém pertence a um grupo, tem uma religião ou uma opinião diferente da nossa, já se torna alguém que precisa ser banido ou repelido, é perigosa e uma armadilha fácil de se cair. Kenneth Branagh nos lembra de  forma doce que, por trás de todos os grupos, existem pessoas com história para contar e vida para viver. Como todos nós.