segunda-feira, 4 de setembro de 2023

Triângulo da Tristeza


Triângulo da Tristeza não é um filme fácil. Carregado de uma crítica ácida ao mundo dos super-ricos, ele também traz uma reflexão sobre a inversão de poderes. Se por acaso os papeis se invertessem, aqueles que se tornariam os novos super-ricos, agiriam de forma muito diferente? A resposta não é simples, como o filme também não.

Dirigido pelo diretor sueco Ruben Östlund, Triângulo da Tristeza foi o vencedor da Palma de Ouro do Festival de Cannes 2022. A obra tem relação com filme anterior do cineasta, "The Square - A arte da discórdia", que fazia uma crítica ao mundo das artes plásticas e ganhou a Palma de Ouro em 2017.

O filme se inicia em um casting para modelos masculinos. De lá, o diretor já começa a pontuar alguns temas ácidos sobre grandes marcas e seus aspectos segregadores: “Esta marca é simpática ou zangada? A marca zangada despreza seus consumidores.” “Ser bonito e desfilar. Você é capaz de fazer os dois ao mesmo tempo?”.

Neste primeiro momento, somos apresentados a Carl (Harris Dickinson), que é um dos modelos que está nesta seleção, e Yaya (Charlbi Dean), modelo de sucesso e namorada de Carl. O casal de jovens modelos influencers está presente nas três partes nas quais o filme é divido. A trajetória deles e sua relação um tanto superficial e, até mesmo, comercial é aquela com a qual mais conseguimos nos envolver ao longo da trama. O restante dos personagens tem um peso mais simbólico, representando super-ricos exóticos e cheios de vontade e aqueles que os servem em todos seus caprichos.

Depois que somos apresentados ao casal, a história os acompanha em um cruzeiro de luxo. No navio, acompanhamos plenamente a hierarquia social envolvida naquela viagem. Em seus vários andares, há os passageiros; a tripulação que os atende diretamente, formada por jovens atraentes; e os trabalhadores, na maioria asiáticos, que limpam e cozinham.

Não à toa, o título do filme refere-se a um termo usado por cirurgiões plásticos para a ruga de preocupação que se forma entre as sobrancelhas, que pode ser corrigida com botox em 15 minutos. No mundo dos super-ricos, não há lugar para a preocupação. Esta é a filosofia presente no navio.  

Somos introduzidos ao cruzeiro, quando uma maleta amarela, cheia de Nutella, é jogada em alto-mar, para que um tripulante a busque e a traga para o navio. Algum passageiro pediu o produto que, como não estava disponível a bordo, foi prontamente providenciado. A dinâmica do cruzeiro é esta: pediu, foi atendido. Desejou, é realizado. Para eles, nada é impossível e, com cada vontade atendida, os super-ricos tornam-se cada vez mais alienados. Aquele navio os isola em um mundo onde só ouvem “Yes, Sir” ou “yes ma'am”.

Como escreve a psicanalista Marília Velano no texto “As pontas afiadas do Triângulo da Tristeza”, o mesmo tipo de ambiente está presente na sério White Lotus (HBO, 2021) e, de forma mais discreta, no filme Parasita (2019): “O resort no primeiro caso, e o quarto da empregada no segundo. Além disso, as duas obras e o filme guardam em comum a crítica ao mundo do super ricos e seus lugares que, de tão vexatórios, parecem irreais, não fosse a porta concreta que delimita o dentro e o fora de cada um.”

Mas este é um mundo frágil e comercial como a relação de Yaya e Carl. A inversão desta dinâmica acontece na terceira parte do filme. E a pergunta que nos fazemos é “Será que ficou melhor?”. Para ficar melhor, não se deveria querer ficar no lugar do outro, mas encontrar um lugar comum. Espaço este que, neste mundo distópico que o filme nos apresenta, ainda não foi possível encontrar.