segunda-feira, 21 de novembro de 2022

Noites de Paris


 O filme Noites de Paris tem início em 1981, quando Élisabeth (Charlotte Gainsbourg) se encontra em crise após ser abandonada pelo marido. Ela precisa encontrar um emprego para cuidar dos dois filhos adolescentes e consegue o cargo de produtora num programa de rádio noturno, "Os Passageiros da Noite", ao qual ela escuta rotineiramente, já que enfrenta problemas para dormir. Enquanto sua vida sofre mudanças, a França também passa por elas. François Mitterrand acaba de vencer as eleições e há um clima de otimismo no ar; contrastante com a situação da personagem, que teme um futuro incerto tanto psicológica quanto financeiramente.

De acordo com matéria do Jornal do Brasil, o diretor Mikhaël Hers comentou que tinha vontade de produzir um longa sobre os anos de 1980, o período de sua infância. “Dizem que você é um produto tanto de sua infância, como de seu país, e eu queria mergulhar naquele período da minha vida, revisitar imagens e sons. Aquelas sensações e cores que me compõem”. 

Para quem conhece os anos 80, só de ver a primeira personagem em cena, Talulah (Noée Abita), já sabemos que estamos neles. O cabelo, o figurino, a ambientação; até o mapa do metrô de Paris, no qual você acende luzes alternadas para entender a rota que irá seguir; confirmam em que década estamos. Aliás, a maneira com que Talulah observa aquelas informações reflete também sua trajetória no filme. Ela está de costas para nós, observando o mapa e acende e apaga as várias rotas como opções de um destino que ela parece escolher na hora. A personagem é uma espécie de andarilha dentro da cidade e é na rádio que conhecerá a protagonista. Talulah vai ao programa para fazer um relato. Élisabeth se identifica com ela e a traz para a sua casa; o que provoca uma nova transformação na vida de todos os familiares.

No filme, nossa sensação é de intimidade. Estamos dentro do apartamento daquela família o tempo todo. Sabemos quem são, sua rotina, seus dramas.  De forma oposta, acompanhamos Talulah, que tem em sua mochila  o mais próximo de um lar .

Bruno Carmelo, crítico da coluna papo de cinema, cometa que o drama efetua um "belo trabalho de desconstrução do imaginário comum associado à capital francesa". Sem os famosos pontos turísticos e a fotografia que objetiva valorizá-los ainda mais, convivemos na Paris do dia a dia, do cidadão comum, que tem, como a gente, de viver sua rotina e enfrentar seus dramas. Bruno comenta "a direção de arte aposta nos cenários retrofuturistas de uma periferia verticalizada, cujo horizonte é tomado por arranha-céus semelhantes entre si". 

Quando Élisabeth se desfaz do apartamento, é o fim de um ciclo. E, com ele, o fim da nossa participação. A história agora é outra. E, desta, não vamos participar. O que percebemos no filme é que ciclos terminam; outros se abrem. São encontros e despedidas. E é preciso se mover. Percebemos esta evolução em Élisabeth. O filme retrata um drama cotidiano com simplicidade e aproximação. Concluo com um trecho de Encontros e Despedidas de Milton Silva Campos do Nascimento  e Fernando Brant; letra que o filme me resgatou:  "Todos os dias é um vai e vem. Tem gente que chega pra ficar. Tem gente que vai pra nunca mais. Tem gente a sorrir e a chorar. E assim chegar e partir".