terça-feira, 29 de setembro de 2015

Que horas ela volta?


“Que horas ela volta?” é a pergunta que os filhos costumam fazer a quem os acompanha, quando a mãe se ausenta. No caso do filme, enquanto Fabinho faz essa pergunta à Val (Regina Casé), empregada de sua casa; Jéssica (Camila Márdila), filha de Val, faz a mesma pergunta à Sônia, que é quem cuida dela na cidade natal de sua mãe, Recife. A primeira cena resume essa situação. Assistimos à Val com Fabinho na piscina da casa.  O menino nada e pede para a babá observá-lo em ação; nesse meio tempo, ela telefona e pede para falar com a filha que está longe.

Quantas vezes não pensamos nisso? Nas pessoas que deixam seus próprios filhos em casa para cuidar da casa e dos filhos dos outros? Com isso, acabam tornando a vida dos filhos viável financeiramente, mas não constroem a relação de carinho e cumplicidade que possuem com os filhos dos patrões. O filme mostra essa dinâmica com delicadeza e naturalidade. A sensação é a de que estamos dentro da vida daquela família. E, muitas vezes, podemos encará-la como um espelho. É parecido. Já vimos isso.

No filme, dirigido por Anna Muylaert, acompanhamos Val que trabalha na casa de Dona Bárbara (Karine Teles), Dr. Carlos (Lourenço Mutarelli) e Fabinho (Michel Joelsas) no Morumbi em São Paulo. Ela cuida de Fabinho há 13 anos, numa relação praticamente de mãe e filho, mas há 10, não vê a filha.

A rotina da família vai mudar com a chegada de Jéssica que vem de Recife para tentar o vestibular. Ela, a princípio, nem sabia que a mãe morava na casa dos patrões, não entende e questiona a dinâmica daquela relação. Conforme simplifica para a mãe: “Eles são seus patrões. Não meus”. Ela, senta-se, por exemplo, à mesa da cozinha para tomar seu café da manhã e, quando a mãe a repreende, ela enfrenta: “Vou comer como? Em pé? Você comeu em pé por todos estes anos? ” Por sua vez, Val estranha a altivez da filha: “Sei lá... Ela é segura demais de si. Olha para tudo parecendo o presidente da república. ”

 A presença de Jéssica desequilibra a relação da empregada com a família. Até então, Val não incomodava. Cenas sutis pontuam a evolução do preconceito velado para ações cada vez mais explícitas. E, quando Dona Bárbara resolve esvaziar a piscina, ela, na verdade, esvazia de vez sua relação com a empregada.

“Que horas ela volta?” traz à tona os conflitos de uma relação que é íntima, mas, muitas vezes, deve limitar-se à porta da cozinha; o que fica bem claro em certo momento do filme. Com um final encorajador, saímos com a sensação de que há coisas que podem mudar para melhor. Apenas precisamos pensar sobre elas.