terça-feira, 7 de setembro de 2021

Lisbela e o Prisioneiro

 

Lisbela e o Prisioneiro é um filme nacional de 2003. Trata-se do primeiro trabalho do diretor Guel Arraes realizado exclusivamente para o cinema. Antes disso,  ele havia lançado  “O Auto da Compadecida” e “Caramuru – A Invenção do Brasil”, concebidos originalmente como séries de TV. O filme é curioso, envolvente, além de se tornar um conto de fadas tipicamente nacional. E, como tal, passa-se no interior do Pernambuco, possui como vilão um matador de sangue frio Frederico (Marco Nanini), nascido em Alagoas. Leléu (Selton Melo) é um conquistador e trabalhava no circo, até que um dia foi preso, por desonrar uma moça virgem. Lisbela (Débora Falabella), por sua vez, é uma mocinha típica: sonhadora, idealista e apaixonada por filmes. Logo que a produção estreou, ganhei o apelido de Lisbela na minha família. Pelo fato de a heróina ser cinéfila. Em uma cena, em que está em uma sala de cinema, ela descreve seu encantamento: "Adoro essa parte. A luz vai se apagando devagarzinho. O mundo lá fora vai se apagando, devagarzinho. Os olhos da gente vão se abrindo. Daqui a pouco, a gente nem vai se lembrar que está aqui." Esta sensação que só a exibição numa sala escura nos permite, esta desacelerada, torna-se cada vez mais necessária em um mundo que nos impõe uma pressa, muitas vezes, sem sentido.

Co-escrito por Guel Arraes, o filme teve como base a peça de autoria de Osman Lins de 1964. Os ideais apresentados na peça consistem em rebeldia contra o autoritarismo presente nas regiões do interior nordestino. O filme é narrado basicamente pelos comentários de Lisbela a respeito dos filmes que vê e que traduzem, ao mesmo tempo, a história que aguarda ela e Leléu. Lisbela vive sonhando com os galãs de Hollywood dos filmes a que assiste. Mas Leléu não é um galã de Hollywood. Imperfeito, é um príncipe às avessas; e o que o redime é sua paixão por Lisbela. Em certo  momento, Lisbela pergunta a Leléu: - “ Você nunca gostou de uma mulher?” e ele responde: - "Sim. Mas gostava de todas ao mesmo tempo. Nunca gostei de uma só para sempre...” 

O filme trabalha a metalinguagem e consegue nos transmitir o mesmo encantamento que a heroína tem pela sétima arte. Lisbela narra sua vida como se estivesse comentando um filme a que assistiu com alguém, mas ela está assistindo e narrando o filme de sua vida, que, no fundo, é o fime a que estamos assistindo. Em certo momento, ela comenta: "Eu queria ser artista de cinema, como as dos filmes americanos." E Leléu responde: "Mas tem filme nacional também." Lisbela: "Só que apenas nos filmes americanos as histórias são bonitas. Histórias como a nossa costumam acabar mal”. Então, o filme brinca com sua própria história. E esta dinâmica nos encanta e nos diverte.

Lisbela e o Prisioneiro é um lindo representante do cinema nacional. Sua cena final, que se estende além dos créditos, é uma grande homenagem não só ao cinema, mas também às salas de cinema. E, como já disse, em uma época em que acelerar parece ter virado regra, sentar em uma sala escura e se permitir entrar numa história por duas horas tornou-se disruptivo. É possível e necessário ver além dos créditos.