segunda-feira, 24 de outubro de 2022

Marte Um

 

Branca Moura Machado

Para esta edição especial do Sexta em Conexão sobre Minas Gerais, escolhi um filme totalmente produzido no estado e com atores mineiros. Não só por isto, já que Marte Um foi o escolhido pelo país a tentar uma vaga no Oscar de melhor filme estrangeiro deste ano. Mas também não só por isto. Marte Um é emocionante. Traz uma emoção bem doce, que toca fundo; o que já o torna um longa que merece ser comentado. Não à toa, além de ganhar os prêmios de melhor filme por júri popular, roteiro e trilha sonora no Festival de Cinema de Gramado; Marte Um ganhou também o prêmio especial do júri por "trazer de volta o afeto." 

   Escrito e dirigido pelo mineiro Gabriel Martins, de 34 anos, o filme conta a história de uma família negra da periferia de Contagem em sua dinâmica diária.  O caçula é Deivid (Cícero Lucas), que sonha em se tornar astrofísico e participar de uma missão (a Marte Um) que colonizará o planeta Marte em 2030. O pai, Wellington (Carlos Francisco), é porteiro de um prédio de luxo e é membro dos Alcoólicos Anônimos. A mãe, Tércia (Rejane Faria), acredita estar sofrendo de uma maldição, depois de sofrer uma pegadinha de um programa de TV. A irmã mais velha é Eunice (Camilla Damião), que se apaixona e quer mudar de casa para viver com a namorada. 

A história mostra dramas diários e conflitos interiores que, por serem tão simples e nos trazerem tanta identificação, talvez, nos emocionem mais. Queremos que Deivinho se abra com Wellington, mas entendemos como o garoto se sente ao não querer frustrar um sonho tão assumido pelo pai, que parou de beber e se apegou fortemente ao projeto de tornar o filho um grande jogador de futebol. Entendemos a relutância de Eunice entre seguir sua vida e deixar aquela família cheia de afeto, mas que precisa muito dela como uma espécie de mediadora. E sabemos que aquela aflição de Tércia não vem de uma loucura momentânea, mas de anos carregando preocupações domésticas, financeiras e a consciência de embates que percebe que um dia a família terá que lidar. São manifestações psicossomáticas representadas por aquela síndrome de pânico que a personagem enfrenta. Assistimos a dramas solitários que a família não divide totalmente entre si, mas que nós, espectadores, passamos a conhecer e compreender. 

E, por ficarmos assim, tão íntimos, queremos que tudo se resolva da melhor forma possível. Mas, o filme não nos dá esta solução milagrosa. Aquela família tem que viver um dia de cada vez. Por 24 horas, como aconselhado na reunião dos Alcoólicos Anônimos. A esperança é de que, por dividirem tanto afeto, irão ficar bem. Afinal, eles têm um ao outro, como tão bem retratado na cena final, em que todos observam o céu com Deivinho. 

Talvez, o único final feliz para o qual eu não torça tanto é que Deivinho consiga ir para Marte em 2030... Fica por aqui, Deivinho. Precisamos de você.