terça-feira, 3 de setembro de 2019

Era uma vez em Hollywood

 Uma das coisas de que mais gosto no cinema é que ele pode reescrever a história. Corrigir uma injustiça, juntar um casal que merecia ficar junto, mudar o destino trágico de alguém; e isto traz alento ao espectador. Tarantino reescreveu a história em Bastardos Inglórios e repete a façanha em “Era uma vez em Hollywood...” .
Desta vez, ele tem como pano de fundo os inesquecíveis e chocantes assassinatos cometidos pela Família Manson em Hollywood no ano de 1969. Em um deles, o grupo invadiu uma casa alugada por Roman Polanski em Cielo Drive, 10050, em Bel Air, assassinando sua esposa Sharon Tate (Margot Robbie) — que estava grávida — e mais quatro amigos do casal.
Para recontar esta história, o filme começa 06 meses antes da fatídica data dos assassinatos e nos apresenta dois personagens ficcionais: o ator Rick Dalton (Leonardo DiCaprio) e seu fiel dublê Cliff Booth (Brad Pitt). A cena inicial é uma entrevista com Rick que, não por acaso, está acompanhado por Cliff. Em certo momento, o entrevistador pergunta a Rick o que Cliff faz e o ator responde: “Atores costumam fazer coisas bem perigosas. O Cliff ajuda a carregar este peso”. O repórter pergunta ao dublê: “É isso que você faz?". E ele responde: “Carregar o peso dele? É. É tipo isto”. Os dois se entreolham. A dinâmica dos personagens é exatamente esta. Booth carrega inclusive o peso emocional de Dalton.
Os E.U.A estavam em plena guerra com o Vietnã, a era de ouro de Hollywood chegava ao fim, havia um tédio e uma revolta instalados na cidade; ambiente propício para consumo de drogas, rebeliões e líderes espirituais  se instalarem e multiplicarem.
O filme transmite este clima meio parado, tedioso, em que as pessoas atravessam a cidade em seus veículos à procura de uma diversão que nunca as satisfaz. Tarantino dá este tom ao filme, mas alguns dos seus espectadores não gostaram deste aspecto. Acharam que faltou mais ação, mais violência; marcas do diretor em suas obras anteriores. No meu caso, considero que este ritmo foi o contraponto perfeito para a cena final, que leva a assinatura do diretor e ficará na memória de quem assistir.
Quando Cliff visita Spahn Ranch, local onde residia o grupo de Mason, a atmosfera é bem tensa, apesar das cores e do dia ensolarado. Por sabermos o contexto daquela comunidade, do que eles foram capazes, sentimos a tensão; e Tarantino monta a cena de forma a salientar que aquela comunidade só prega paz e amor, se você não atravessar o caminho dela ou for alvo de sua revolta. E toda essa atmosfera nos prepara para a cena final, quando Cliff vai novamente se encontrar com aqueles personagens...
Muitas características do diretor continuam presentes neste seu nono filme. A violência exagerada e plástica, personagens caricatos, diálogos afiados, closes em pés femininos, trilha sonora marcante, o uso do contra-plongée (plano que filma de cima para baixo), entre outros. Mas, Tarantino usa a história para relembrar a Hollywood em que ele cresceu: meio perdida, desacreditada, com a televisão ameaçando o lugar do cinema e uma guerra injustificada, permeando tudo. E isto ele faz com precisão. Era uma vez uma Hollywood que já foi assim. Agora não é mais. Ela mudou. Como também o diretor.