quarta-feira, 28 de março de 2018

Eu, Tonya


Eu, Tonya” é uma história sobre a falta de amor.  E, por isso, sobre a vontade de ser amada sob qualquer forma que este amor apareça. É também sobre o engano de achar que rispidez e violência de alguma forma podem ser considerados uma forma de afeição. 
O diretor Craig Gillepsie conta a vida da ex-patinadora artística Tonya Harding (Margot Robbie) desde sua infância até o acontecimento que a tirou da patinação para sempre.  O filme é entremeado de depoimentos dos personagens principais sobre suas versões dos fatos que levaram à derrocada de Tonya. 
Acompanhamos aquela garota com brilho nato para a patinação crescer em meio à aridez de sentimentos e à riqueza de talento. Logo no início, La vona Harding (Allison Janney), mãe de Tony, leva a filha para treinar e a treinadora (Julianne Nicholson) pede para que ela não fume na quadra. La Vona responde: “Eu fumarei em silêncio, ok? ”. Tonya tinha 03 anos e meio. Com 05, a mãe não a deixa sair da quadra para ir ao banheiro e diz para a filha patinar molhada. A menina cresce dura, amarga, com raiva e desconta toda sua energia na patinação.  
Com 04 anos e meio, Tonya ganhou sua primeira competição.  No entanto, ao crescer, a patinadora não recebe notas tão boas quanto suas concorrentes. Sua técnica explica: “Os juízes querem o convencional”. Tonya replica: “Não serei uma fada retardada”. Escolhe músicas fora do padrão, roupas chamativas, patina sem delicadeza, com força. Mas é incrivelmente talentosa. E consegue fazer o que nenhuma outra faz. Ao questionar um juiz sobre as notas que recebe, recebe a seguinte resposta:  “Nunca foi apenas sobre patinação. Você não tem a imagem que queremos mostrar. Você representa o país. Queremos a tradicional família americana. “
Toda a trajetória da personagem é truncada e ela consegue ser campeã nacional porque seu talento literalmente sobrevive a inúmeros percalços. Quando ela finalmente faz o triplo (salto) e vence o campeonato nacional, comenta: “eu era amada. ”. Mas, como se tivesse numa comédia de erros, Tonya não consegue se firmar e seu envolvimento, mesmo que não direto, no ataque sofrido por Nancy Kerrigan (Caitlin Carver), sua principal adversária, terminou de vez com sua carreira, que, desde o início, parecia condenada. Não por acaso a música que toca no carro dos agressores de Nancy é “Gloria” de Laura Branigan, tema da patinadora do filme Flashdance. A música da cena em que ela se apresenta e cai duas vezes...
Em um dos depoimentos do filme, Tonya questiona olhando diretamente para a câmera: “Nancy apanhou uma vez e o mundo inteiro ficou horrorizado. Quer dizer, para mim, era uma coisa rotineira, entendeu?”. E, na verdade, ninguém, nenhuma vez, ficou horrorizado. Olhando de fora, a vontade que temos é de salvar aquela garotinha. Mas ninguém fez isso. E ela se perdeu em meio ao caos que foi sua vida. Pensamos, pesarosos, que aquela história podia e devia ser diferente. Como muitas outras...