terça-feira, 2 de abril de 2024

Anatomia de uma Queda




Anatomia de uma Queda é um filme sobre um fato ao qual não temos acesso a todas as informações. A diretora e roteirista francesa Justine Triet não nos esclarece e somos submetidos à resolução do caso por meio das investigações e depoimentos. Portanto, cabe a nós tirarmos nossas conclusões. Justine tira de nós a vantagem de termos visto o que os investigadores não viram e nos torna um deles.

Vencedor do Oscar de melhor roteiro original, o filme narra a história de uma família que mora em uma casa isolada nos Alpes franceses. Lá, convivem Sandra (Sandra Hüller), uma bem-sucedida escritora alemã, Samuel (Samuel Maleski), seu marido francês e Daniel (Milo Machado), o filho de 11 anos do casal; que tem deficiência visual. Samuel é encontrado morto, após uma queda. A polícia passa a tratar o caso como um suposto homicídio. Sandra se torna a principal suspeita. A única testemunha, além da própria suspeita, é Daniel.

Apesar de não vermos a cena da queda, assistimos a todo o escrutínio do fato, desde a análise meticulosa do legista até a reconstrução da queda com a presença do filho e de Sandra, que deve inclusive repetir os diálogos que teve com o marido pouco antes de sua morte.

O que vemos é uma leal referência ao rigor da lei e a um trabalho sério e meticuloso de investigação. O termo anatomia é derivado do grego ana, que significa “partes”, e tomei, que significa “cortar”. E é isto que se faz naquela investigação. Analisa-se cada parte para que se consiga chegar o mais perto possível da verdade.  Com ritmo e intensidade, o filme nos prende à trama de forma bastante eficiente

A melhor estratégia de defesa para Sandra é a tese do suicídio de Samuel. A queda é improvável, a morte é suspeita; e Sandra, uma pessoa controversa. Para uma mulher. Se os papéis fossem opostos, talvez, não estranhariam tanto certas atitudes dela ao longo da relação. Porque o casamento também passa por uma devassa anatômica no processo. Poucas relações iriam passar ilesas pelo promotor que assume o caso.

Podemos dizer que, no filme, temos um ponto de vista neutro, que seria o do filho, única pessoa presente, além da mãe, que é suspeita. Seu depoimento é protegido por uma representante da lei que o acompanha o tempo todo antes do julgamento. Ela explica para ele “A lei não é sua amiga. Porque ela é igual para todos”.  E, Daniel replica que o tipo de coisa que ele iria contar ele só contaria para amigos. É um terreno incerto no qual um filho, que também não testemunhou tudo, vai depor no julgamento da mãe.

É fato que nunca saberemos o que realmente aconteceu naquela queda. Muita gente vai sair com a certeza de que aconteceu de um jeito e muitos outros sairão com a convicção que foi de outro. Vale demais o debate e a certeza de que a gente convive mesmo é com a dúvida.