sexta-feira, 16 de junho de 2023

Pinóquio


Pinóquio, de Guilherme de Del Toro, vencedor do Oscar 2023 de animação, é um filme bem mais sombrio que a versão da Disney de 1940.

A assinatura do diretor está na história. Sabemos que é um filme dele. E isto é bom. Com a vitória neste ano, Del Toro se tornou a primeira pessoa a conquistar os prêmios de Melhor Animação, Melhor Direção e Melhor Filme na história do evento. As duas últimas condecorações vieram com o drama fantástico “A Forma da Água”.

Pinóquio, cuja história foi escrita pelo italiano Carlo Collodi em 1883, já teve diversas versões e o fato de o diretor ganhar o Oscar por mais uma delas engrandece, ainda mais, sua conquista.

A história originalmente era mais sombria. A versão popularizada pela Disney foi abrandada para um público mais infantil. A de Del Toro, não.

Nesta versão, vemos uma Itália violenta e cruel, permeada pela 2ª Guerra e o fascismo. Mussolini inclusive aparece no filme. Pinóquio não tem refresco e nunca se torna um menino de carne e osso; é sempre um boneco de madeira que fala.

E é por isto que chama a atenção: por ser um boneco que fala.  Para isto vai para o circo das excentricidades, juntar-se à mulher barbada e ao homem borracha.

É tratado como pária. Hostilizado por todos. Gepeto também é duro com ele,  ao mesmo que tem uma vida bem dura. Ele perde seu filho por causa da explosão de uma bomba durante a Guerra. E esculpe Pinóquio em um momento de muita dor. O boneco é mais que tudo uma expiação.

A animação em stop-motion inclui Pinóquio se juntando ao exército italiano juntamente com o filho de um alto militar fascista que fica exultante ao ver o menino se juntar aos militares. A crítica a momentos reais e não fabulares traz a história para uma reflexão bem concreta.

Não é a primeira vez que Del Toro aborda o assunto em suas obras. E,  sobre o fascismo, pontua: “É um tema que me preocupa porque é algo ao qual a humanidade parece sempre voltar.”. O diretor nos apresenta imagens belas, compostas de forma cuidadosa, com o contraponto de passar um alerta do que não pode ser esquecido. É uma fórmula que traz o encanto da imagem, do traçado; em contraste com a dureza do que é contado. Del Toro sabe trabalhar este contraste como poucos. Com ele, esta fórmula funciona muito bem. 

Sem Ursos

 


Sem Ursos é um filme iraniano de drama escrito, produzido e dirigido por Jafar Panahi. O diretor, que ganhou prêmios nos festivais de Veneza e Berlim, foi condenado a seis anos de cadeia, em 2010, por fazer propaganda contra o governo, mas conseguiu liberdade condicional. Ele foi também impedido de sair do país e proibido de dirigir filmes por vinte anos. Mesmo assim, Panahi já dirigiu filmes após a condenação. Sem Ursos é o mais recente.

É importante contextualizar a vida do diretor porque, no filme, ele praticamente faz papel dele mesmo. Assistimos a um cineasta, interpretado pelo próprio Panahi, dirigir um filme a distância por meio de videochamadas. O personagem se encontra em um vilarejo localizado na fronteira do Irã com a Turquia e está em um conflito: sem saber se atravessa e começa uma nova vida ou se fica no Irã, apesar de todas as adversidades. Conforme escreve o jornalista Marcelo Müller em sua coluna no site Papo de Cinema “Ora, um homem impedido pelas autoridades de sair do país flertando com a esperada subversão da sentença que lhe foi imposta naturalmente gera tensão.”

O vilarejo representa o que há de mais tradicional e arcaico no país. E, pelos dias vividos por Jafar ali, dá para perceber a opressão estrutural que esta tradição impõe. O diretor é o contraponto de todos aqueles costumes naquela pequena comunidade (ou será o contraponto de quase todo o país?). Pelas dificuldades que passa ali, sabemos que, por muitos motivos, seria mais fácil ele cruzar aquela fronteira. Mas, por algum motivo, ele segue tentando.

É a esta tentativa que assistimos de forma paralela: Tanto na rotina e convivência dele naquele vilarejo, quanto na trama que aparece no filme que ele insiste em terminar a distância. Ele é persistente. Para ser ele, é preciso ser.

Marcelo Müller comenta  “Desde que se tornou persona non grata pelo regime autoritário do Irã, o cineasta Jafar Panahi tem feito um cinema pautado por signos de resistência.” Sem Ursos é mais um destes signos. É um registro de dogmas religiosos, opressão e costumes que, para nós, nem seria mais possível existir. Ainda bem que temos Jafar para nos alertar. 


PS: Assisti ao filme Sem Ursos em uma das salas de Cinema do Centro Cultural Unimed-BH, localizado no Minas I e aberto ao público. O espaço é uma grata surpresa e uma boa dica para quem está em Belo Horizonte. Sala nova, pequena, imagem excelente. Perto da Praça Liberdade, a sala tem uma boa localização e um charmoso café. Além disso, conta com uma com Galeria de Arte, Biblioteca e Teatro.