terça-feira, 15 de dezembro de 2015

No coração do mar

Branca Machado – 06/12/2015  

           “No coração do mar” conta a história real que inspirou a trama do clássico Moby Dick de Herman Melville. O filme mostra a tragédia do navio baleeiro "Essex" que, em 1820, foi abalroado por uma baleia e afundou. O roteiro é adaptado do livro homônimo escrito pelo historiador Nathaniel Philbrick, que realizou minuciosa descrição da viagem, do acidente e de seus trágicos desdobramentos, como o destino dos tripulantes que tentaram sobreviver em botes, após o naufrágio. Ao comentar este filme, aproveito para homenagear “Evereste”, “A Travessia” e “Perdido em Marte”; filmes de aventura em 3D lançados este ano, dois deles também baseados em histórias reais, que, como este, resultaram em ótimo entretenimento.
           Dirigido por Ron Howard, o filme se inicia com Herman Melville (Ben Whishaw), em 1850, chegando a Nantucket para ouvir o relato de Thomas Nickerson (Brendan Gleeson), último sobrevivente do naufrágio do Essex. Quando partiu com o navio, Nickerson tinha apenas 14 anos. À medida que ele relata os fatos, acompanhamos, em flashback, a história no filme. 
        O marinheiro inicia seu relato da seguinte forma: “Esta é a história de 02 homens, o capitão Pollard (Benjamim Walker) e seu primeiro imediato, Owen chase (Chris Hemsworth)”. Na verdade, quem deveria ser o capitão era Owen por sua experiência nesse tipo de viagem e sua desenvoltura em caçar baleias. Sobre este fato, os donos da companhia de navegação esclarecem: “Você pode ter feito 1.000 viagens, mas o sangue sempre prevalecerá. Por isso, o capitão será Pollard.”.Para o capitão, era a primeira vez em viagens desse tipo. E ele compensa sua inexperiência com arrogância. Pelo menos, até o navio afundar. Depois do acidente, podemos afirmar (finalmente) que estão todos no mesmo barco.
        Na primeira meia hora do filme, observamos como funciona o navio, seu sistema de velas, o esforço braçal dos tripulantes e suas habilidades quase circenses. Percebemos que o capitão passa a maior parte do tempo em sua cabine. Outro fato que o filme procura enfatizar é a diferença da nutrição dos oficiais e dos tripulantes. Na refeição dos tripulantes, não havia carne. E, no livro, ainda salientam que havia diferença entre a alimentação dos tripulantes negros e brancos. Esta desigualdade nutricional fará toda a diferença quando aqueles homens estiverem lutando por sua sobrevivência. 
        Em seguida, acompanhamos o primeiro encontro com uma baleia.  É incrível a coragem da tripulação de ir caçar em barcos que se tornavam minúsculos perto daqueles animais. Eles caçavam com lanças. Tinham que acertar no local exato. E, por isso, chegar bem perto delas. O filme mostra toda essa dinâmica muito bem. Mas, no momento em que a baleia é finalmente capturada, sentimos um mal-estar.  A ingenuidade daquele animal enorme nos comove. Em 1820, a pesca da baleia era comum e a base da economia de Nantucket. Estima-se que entre 1804 e 1876, mais de 225 mil cachalotes foram caçadas por baleeiros americanos. Nesta primeira caçada, o navio produziu 47 barris de óleo de baleia. O objetivo era trazer 2.000. Assim, o navio seguiu em direção ao sul, mas as baleias não eram avistadas. Quando o capitão escuta que no Pacífico, extremo oeste da América do Sul, havia montes de baleias, não hesita em ir até lá.  E o que vemos a partir dali é uma inversão de papéis que podemos até chamar de profética. Ao acabar de maneira irresponsável com a natureza, talvez, um dia, esta mesma natureza ferida acabe com a gente. Conforme relato dos navegantes após este incidente, as baleias de fato tornaram-se mais agressivas, ou, “mais assustadas” e, por isso, mais difíceis de capturar. 
        Ao final, passamos a entender perfeitamente a conclusão de Moby Dick: “Tempos depois de ter vivido o sabor da sua amarga aventura e ter visto o quanto o homem pode ser tolo por razões tão naturais como o instinto animal, e criar seus fantasmas justamente por sua pretensão, Ismael não tem mais vontade de voltar para o mar. Deveras, já vira de tudo.”.