sexta-feira, 1 de abril de 2022

Coda - No Ritmo do Coração


 O filme "No Ritmo do Coração" conquistou os Óscares de melhor filme, ator coadjuvante e roteiro  adaptado de 2022. Filme independente, ganhou o prêmio principal do festival  de Sundance em 2021 e foi adquirido pela Apple pelo valor de US$ 25 milhões. O longa é uma refilmagem do francês "A Família Bélier", de 2014. A  grande novidade é que, nesta versão, os atores são realmente surdos. Na família Rossi, o pai Frank (Troy Kotsur), a mãe Jackie (Marlee Matlin) , e o irmão mais velho Leo (Daniel Durant) são deficientes auditivos. A caçula, Ruby (Emilia Jones), não. E por isto carrega uma responsabilidade bem maior do que a normalmente exigida de uma menina de 17 anos. Não à toa, Frank comenta em determinado momento do filme "Ruby nunca foi um bebê". O título original do filme é CODA, que em inglês é uma sigla para "filhos de pais surdos" (children of deaf adults, no original).

É neste paralelo entre a vida com a família, sendo esta filha, ouvinte, tradutora, acompanhando pai e irmão na pesca às 03:00 e a rotina de estudante do último ano colegial, que seguimos a vida da protagonista. A narrativa é construída nesta dicotomia entre as vidas praticamente paralelas de Ruby e os conflitos que ela enfrenta a partir desta divisão. Ruby ama sua família, entende seu papel ali, sabe o peso da sua responsabilidade; mas tem 17 anos, desejos, frustrações, sonhos e um talento nato. É difícil para ela. Estes paralelos irão inevitavelmente se cruzar e, apesar da leveza do filme, sentimos, com ela, o peso das decisões.

A história tem início quando Ruby em um impulso entra para o coral da escola. E descobre que tem talento para a música. Ela sempre canta, talvez, para compensar o silêncio com que convive desde a primeira infância. Até este talento para algo que seus pais não conseguem entender por completo traz a ela um conflito injusto, mas presente. Em determinado momento, a mãe a questiona: "Se eu fosse cega, você iria escolher pintar?" Não é justo com Ruby, mas também não é justo com sua mãe. Neste filme, não há bem contra o mal. Há uma condição que se impõe àquela protagonista e como a história se desenvolve a partir dela.

Por ser uma situação que, apesar de possível, não costumamos pensar sobre, ela afeta o espectador bem diretamente. Não tem como não se emocionar com a cena do concerto, na qual Ruby canta lindamente e os pais, em sinais, conversam sobre o jantar. Eles não têm como absorver o que está ocorrendo naquele palco. Em uma cena extremamente sensível, Frank percebe que a filha está fazendo algo realmente especial ali. Ela continua no palco, cantando, mas não a ouvimos mais. Está tudo em silêncio. Somos, naquele momento, o pai, que não ouve, mas começa a observar a reação da plateia ao que está sendo apresentado no palco. E, então, ele percebe. E, ao perceber, traz para nós um alento por saber que ele pôde, finalmente, compartilhar aquele momento com a filha.

Na sua capacidade imensa de se expressar para os pais e traduzi-los para os outros, Ruby se tornou uma excelente ouvinte.  E sua sensibilidade se desenvolveu para o som.  "Coda" é também uma expressão que significa seção conclusiva de uma composição (sinfonia, sonata etc.), que serve de arremate à peça. Ao final, em uma canção apresentada por Ruby, a letra afirma: "precisamos dizer mais "eu te amo" em voz alta". No filme, percebemos, que esta voz não necessariamente precisa de som para ser alta.