quinta-feira, 3 de outubro de 2019

Bacurau (2019)

Branca Moura Machado

No início de Bacurau, a personagem Tereza (Bárbara Colen)  pega carona no caminhão pipa que abastece a cidade para comparecer ao enterro de sua avó, Dona Carmelita. Em determinado ponto da estrada   há uma placa que indica Bacurau - 17 KM e a seguinte recomendação: "Se for, vá em paz". Ao acompanharmos o caminhão em sua trajetória até Bacurau, percebemos o quanto a cidade está isolada em meio à paisagem do sertão nordestino. E este fato fará bastante diferença no decorrer da trama a que iremos assistir.
Como a cena do casamento da filha de Don Corleone em "O Poderoso Chefão", o velório é a oportunidade de o diretor Kléber Mendonça Filho nos apresentar os personagens, a relação entre eles, a dinâmica daquela comunidade, os conflitos latentes, o cenário local e outras referências que serão retomadas ao longo do filme. E um dos aspectos que podemos notar neste início é que toda aquela comunidade se conhece, apoiam-se uns nos outros e são bastante unidos,  já que, ao que parece, não há mais ninguém para olhar por eles. Numa cena, bastante simbólica, o candidato à reeleição, Tony Jr., chega à cidade para fazer campanha e ninguém aparece para recebê-lo. É como se a cidade se escamoteasse para se proteger. E esta é outra característica que terá grande utilidade em certo momento da história. 
Coisas estranhas começam a acontecer por ali. Drones sobrevoando a cidade,o caminhão pipa é atacado por tiros, turistas surgem por ali, o sinal de celular é cortado  e Bacurau some do mapa... Não aparece mais no google maps, quando os alunos procuram por ela durante a aula, ou em qualquer referência geográfica. Em um ambiente árido e isolado como aquele, e, a partir dali, inexistente para o mundo, o que restará é matar ou morrer. Não à toa o diretor considera o filme um western brasileiro.
Passamos, então, a acompanhar aquela comunidade que se unirá em defesa de quem são, onde estão e do que não conhecem. Há várias metáforas políticas que podem ser realizadas no filme. Mas o que realmente conta é que a dinâmica cinematográfica funciona bem. Os aspectos clássicos da luta entre o bem e o mal com a catarse construída de modo a nos satisfazer e aceitar o final como o único possível é uma característica de todos os bons filmes do tipo. Como afirma Kléber Mendonça: "De Asterix a Mad Max 2, de O Cavaleiro Solitário, de Clint Eastwood, a Kill Bill e Star Wars, todos usam a mesma estrutura clássica de vilões e heróis, dos que agem versus os que resistem.".
 De certa forma, Bacurau nos remete também à  Dogville, de Lars Von Trier: uma cidade isolada, sem outras comunidades a sua volta, com poucos habitantes e um funcionamento social bem definido. Mas, ao final, a reação do espectador de Dogville se dá contra a própria comunidade local que passamos a conhecer durante o filme. Já, em Bacurau, estamos ao lado da comunidade contra aquilo e aqueles que a atacaram e encurralaram.

Nenhum comentário:

Postar um comentário