Antes do Amanhecer

Antes do Amanhecer (1995)

Branca Machado – 10/05/2006

O filme “Antes do Amanhecer” de Richard Linklater é uma grata surpresa a todos os que o assistem. Seu enredo é relativamente simples. Não há tramas paralelas, grandes tensões ou conflitos. Também não é um romance comum, cheio de encontros e desencontros, pessoas querendo atrapalhar, desenganos. O filme é sobre um só encontro. Trata-se de duas pessoas que se conhecem e se apaixonam na medida em que conversam e passeiam por Viena.
Desde o princípio, Jesse (Ethan Hawke) e Celine (Julie Delpy) possuem um interesse genuíno em conhecer um ao outro. O que, na verdade, também traduz o interesse do público. O filme já começa com uma aproximação interessante entre os dois personagens em um vagão de trem: A troca de olhares, o primeiro diálogo; tudo nos faz desejar que aquelas pessoas convivam mais tempo para que também possamos conhecê-las melhor. O diretor, então, realiza um filme no qual os personagens, enquanto exploram e passeiam pela cidade de Viena, também se conhecem e se descobrem ali. E, se dizem que só se conhece verdadeiramente uma cidade andando por ela, podemos dizer que foi assim também que aqueles dois personagens se conheceram, ou melhor, se descobriram.
Apesar de não ser um romance comum, o filme possui algumas características de todo bom drama romântico. Tudo gravita em torno daquele casal. Os outros personagens surgem em função deles, para serem úteis aos diálogos, ou à próxima descoberta que um fará sobre o outro. A câmera fica por muitas vezes parada apenas enquadrando os dois, ou realiza um plano e contra plano de seus rostos durante os diálogos. Em certo momento, Jesse reclama com Celine: “Droga! Estamos voltando ao tempo real...”. E é isso mesmo: o tempo deles é especial, mágico e é só deles ( e, na verdade, nosso que temos o privilégio de compartilhá-lo). Quando algo ameaça aquele tempo, nos sentimos angustiados. Como na clássica história da Cinderela ao chegar à meia-noite, nesse filme, o encanto se acabará ao amanhecer.
As cenas são praticamente todas externas ou dentro de transportes públicos com grandes janelas e, portanto, vistas externas. A câmera acompanha os protagonistas a andar pela cidade. Mesmo assim, não se filma a cidade pela cidade, como cartão postal. A não ser que aquela vista tenha algo relacionado com a situação dramática ou alguma lembrança de um dos personagens, ela não será filmada. O cemitério em que Celine esteve quando criança com seus pais é um exemplo disso. Os ambientes são claros, alegres, leves como assim são (ou estão?) os protagonistas.
“Antes do Amanhecer" é ainda cheio de outros aspectos interessantes. Os diálogos são interessantes, os dois são charmosos e o que eles dizem é relevante e, por isso, em hora nenhuma, o filme nos entedia. Não é à toa que os dois aparecem lendo no começo do filme. São pessoas que possuem algo a dizer. E, sendo assim, eles podem (e devem) passar o resto do filme trocando idéias. Há um aspecto muito atual nos diálogos dos dois personagens que não possuem nenhum caráter estereotipado. Devo confessar que, quando eu tinha meus vinte anos, tinha os mesmo conflitos que eles, e vivi situações parecidas com aquele encontro. A identificação foi imediata.
O diretor termina o filme, realizando o caminho inverso de seu começo. Se antes, os personagens estão juntos num mesmo vagão de trem; agora, Celine está dentro do trem e Jesse, fora. E, ao focalizar os lugares em que antes estavam os personagens, agora vazios, o diretor nos emociona. Percebemos como aquele encontro foi especial só com a falta deles naquelas imagens. Sentimos-nos angustiados como também devem estar se sentindo os personagens. Entretanto, o filme nos deixa uma possibilidade. Não temos certeza do que vai acontecer, mas podemos sempre torcer por uma coisa boa...