domingo, 4 de outubro de 2009

Elsa e Fred

Elsa e Fred – Um amor de paixão (2006)

Branca Machado

O cartaz que anuncia o filme “Elsa e Fred” contém uma frase de Pablo Picasso que diz “Leva-se muito tempo para ser jovem”. E, ao assistirmos à trajetória de Fred (Manuel Alexandre), percebemos que é assim mesmo. Muita gente pode passar uma vida sem atingir a leveza da juventude.
Assistir a Elsa e Fred é como ler uma poesia. Ele nos emociona por falar de um amor franco, verdadeiro e, o que é mais especial, que acontece com um casal com mais de 70 anos.
Elsa toca piano, dirige falando ao celular, está sempre maquiada. Usa luvas de couro vermelha e seu celular é rosa. Ela mantém uma foto de Anita Ekberg, atriz do filme “A Doce Vida” de Fellini, na clássica cena em que entra na Fontana di Trevi, pendurada na parede de sua casa. Seu sonho sempre foi conhecer a Fontana di Trevi e repetir aquela cena. Em certo momento do filme, um personagem afirma que este sonho é a única coisa verdadeira sobre Elsa. O que me fez pensar: E não é assim com todo mundo? Nossos sonhos dizem muito da gente. E, se o sonho de Elsa é aquele, só podemos concluir que ela é uma pessoa especial. Já Fred toma remédios para pressão alta, colesterol, ácido úrico. Está tão preocupado com sua saúde que, se sonha, não parece.
O diretor Marcos Carnevale realizou um filme de planos fechados, próximos aos personagens. Ele centra a trama nos diálogos, olhares, pequenos gestos. Aliás, os diálogos são envolventes e divertidos. Quando Elsa convida Fred para jantar em sua casa e usa certos argumentos para convencê-lo a comparecer, ele a chama de indiscreta. Então, ela responde: “Isso não é resposta para um convite!”. Em um restaurante, Fred reclama que o prato principal “é ácido úrico puro!” Depois, que a sobremesa “é uma montanha de colesterol!” e Elsa responde: “Ninguém morre de comer a melhor sobremesa de Madri!”. Em outra situação, Elsa comenta com Fred: “Você não ri muito... Não se preocupe, há tempo!”. Há um curioso uso de adjetivos nas conversas. Quando Elsa pergunta para Fred como era sua falecida esposa, ele responde: “Organizada”. Elsa, ao descrever Fred para seu médico, diz que ele é opaco. Além disso, eles sempre chamam um ao outro de estranhos. O irônico é que a palavra estranho em espanhol é “raro” e, para mim, o adjetivo que mais caracterizaria os personagens e o próprio filme é raro, mas no que significa em português.
As interpretações são perfeitas. Tanto China Zorrilla como Elsa quanto Manuel Alexandre como Fred nos conquistam desde a primeira vez que aparecem em cena. Ela com sua vivacidade e alegria imbatíveis. Ele com sua bondade e meiguice cativantes. Interessamo-nos por aqueles personagens, queremos passar o maior tempo possível com eles. Mas o tempo é exatamente o contraponto dramático do filme...
Elsa e Fred vivem uma paixão adolescente, mas, no dia a dia, a idade pesa. E o diretor mostra isso delicadamente com a rotina matinal dos dois em suas respectivas casas. Ela com dor no peito, ele tomando remédio. O que mais nos aflige não é um personagem cruel, ou um perigo iminente, mas o pouco tempo que aquele casal tem para viver aquele “amor de paixão”. O filme fala disso: de futuros não muito distantes. Do aqui e do agora. De ser feliz diariamente. Sobre sonhos possíveis. E, se dizem que um jogo só acaba quando termina, reservando-nos muitas surpresas; podemos ter certeza de que a vida também.

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