quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Mais Estranho que a Ficção

Mais Estranho que a Ficção (2006)




Branca Machado



Em “A Dona da História”, Carolina encontra ela mesma 30 anos antes. E ela, mais jovem, não gosta do que vê 30 anos depois. Elas conversam, discutem e a mais nova decide: “Eu vou mudar a minha história!” Então, a mais velha avisa: “Veja lá o que você vai fazer!” E a jovem responde: “Veja lá como você vai contar!”. É engraçado pensar na nossa vida no papel de leitores ou espectadores. Se estivéssemos nos assistindo seríamos interessantes? Se tivéssemos a chance de mudar alguma coisa, o que faríamos? O filme “Mais estranho que a ficção” também fala sobre isso. Só que, no caso, Harold Crick (Will Ferrel) é confrontado com uma voz feminina que narra todas as suas ações e advinha suas manias e pensamentos mais íntimos. Esta voz é de Kay Eiffel (Emma Thompson), uma escritora que, no momento, escreve um livro sobre Harold, sem saber que ele existe e que o que ela escreve acontece com ele. Um filme sobre ficção e realidade confrontadas. E sobre como tudo na vida pode virar uma boa estória. Basta saber contar.

Dependendo exatamente do modo de contar e, aí, voltamos à preocupação de Carolina, a história pode ser uma comédia ou uma tragédia. O problema nesta trama é que Kay é famosa por escrever tragédias. E, como ela diz “É da natureza da tragédia: os heróis morrem, a história vive”. Desta forma, Harold está encrencado e, quando ouve a voz que narra sua vida citando sua morte iminente, vai procurar saber quem a está escrevendo para mudar seu fim. Para isso, ele procura o professor Jules Hilbert (Dustin Hoffman), especializado em Literatura.

Jules prepara um questionário sobre a vida e manias de Harold para descobrir em qual estilo de literatura essa trama se encaixa. E a cena deste interrogatório é hilária. Para se ter uma idéia, quando Harold contesta certas perguntas estranhas, Jules comenta: “Só com essas, já eliminamos metade da literatura grega, dez contos de fada e, afinal, você não está aliviado por não ser um golem?”. Jules representa a ironia dramática desta história. A certa altura, ele mesmo comenta: “Ah! Ironia dramática! O terror de todo o personagem...”.

A metalinguagem está presente em todo o filme. A trama do livro é a história do filme, mas a história do livro dentro do filme também é a história do filme. Parece confuso, mas o filme trabalha todos esses aspectos com clareza e precisão. O diretor Marc Forster filma como Kay escreve: Descrevendo momentos cotidianos de forma poética. No fundo, trata-se de um drama com momentos de humor sutis tais como quando Harold afirma: “Eu não tenho esquizofrenia. Eu só tenho uma voz falando na minha cabeça...!”.

Mais estranho que a ficção realiza uma reflexão sobre a vida e sobre o que fazemos dela. Em um momento de desespero, Harold pergunta a Jules o que fazer e este sugere várias coisas, entre elas, ir comer panquecas. Harold, então, pergunta: “Mas quem é que vai preferir comer panquecas a lutar pela sua vida?” E Jules responde: “Tudo depende do tipo de vida que está sendo vivida e da qualidade da panqueca”. A verdade é que a vida é agora. Ela está aí. E deve sempre valer mais a pena que a melhor das panquecas.

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