terça-feira, 6 de outubro de 2009

A Dúvida

A Dúvida (2009)




Branca Machado – 02/04/2009



Toda história tem dois lados. E, mesmo ouvindo ambos a distância, como espectadores, muitas vezes não temos certeza de qual dos dois lados ficar ou em qual acreditar.Normalmente, a empatia nos influencia, mas não necessariamente nos torna mais justos. Tendemos a acreditar naquela pessoa e, principalmente, queremos acreditar nela.

No caso de “A dúvida”, o diretor John Patrick Shanley nos coloca do lado do padre Flynn, interpretado com maestria por Philip Seymour Hoffman. É com ele que criamos empatia, apesar de nunca sabermos o que realmente aconteceu.

O filme começa com um sermão do padre sobre a dúvida: “O que você faz quando não tem certeza?”. Por meio de exemplos, ele comprova que normalmente convivemos bem mais com a dúvida que com a certeza. E que a dúvida pode ser um vínculo poderoso a sustentar tanto como a certeza: “Quando você tem dúvidas, você não está sozinho”.

Este padre moderno e um tanto filósofo é o novo pároco da escola St. Nicholas, localizada no Bronx, Nova York, em 1964. A diretora do local é a irmã Aloysius Beauvier (Meryl Streep), uma rígida e tradicional freira. O embate entre o Padre Flynn e a irmã Aloysius é estabelecido logo no incício em um plano que coloca a imagem da diretora na janela de sua sala, observando a tudo e a todos, sobreposta à imagem dos alunos que chegam à escola. Quando um dos alunos toca na irmã James (Amy Adams), a diretora grita horrorizada da janela: “Ele tocou a irmã James! Venha cá! Agora!” Após esta cena, Padre Flynn comenta com irmã James: “O dragão tem fome!”.

Mais tarde, no jantar com as freiras, irmã Aloysius começa a questionar o sermão do padre: “O Padre Flynn está em dúvida?” Que sermão foi aquele? “Eu quero que todas fiquem alertas”. Irmã James, jovem, inocente e ansiosa por agradar, leva tal missão ao pé da letra, e, uma tarde, ao ouvir o seguinte comentário de Irmã Aloysius sobre Donald Miller, o primeiro aluno negro da escola: “...alguém ainda vai bater nele”, acaba respondendo: “Não vai. Ele tem um protetor. O padre Flynn.” Tal resposta já basta para fornecer a isca para quem tem fome. Muita fome. A desconfiança de Irmã James gera uma certeza incondicional em irmã Aloysius.

No momento da conversa entre as duas freiras, surge uma funcionária da escola com uma ratazana na mão que diz: “Tá vendo? O gato a pegou! Tudo que precisamos é de um gato”. A partir de agora, Irmã Aloysius será a gata e o padre Flynn, o rato.

No filme, dividimos nossa aflição com Irmã James que está sempre questionando sua própria suspeita: “É inquietante olhar as pessoas com desconfiança...Sinto-me longe de Deus.” “Eu não falei que há algo errado! Talvez não seja nada!”. A angústia de Irmã James é semelhante à angústia de Brionny no filme Desejo e Reparação. Afinal, uma cena mal interpretada ou uma impressão mal descrita pode selar o destino de todos os envolvidos. E a verdade é que não se pode saber tudo.

No momento em que Irmã Aloysius confronta Padre Flynn sobre o que Irmã James julga ter visto, há um constrangimento quase palpável. O padre usa caneta, unhas grandes, gosta de açucar; ela abre a persiana, ele a fecha. Há uma rivalidade subliminar. Por trás daquele acontecimento, encontra-se o verdadeiro conflito: um padre progressista em confronto com a igreja tradicional.

O segundo sermão do padre é sobre a fofoca. Ele conta a história de uma mulher que perguntou a um padre se fofoca era pecado. O padre diz a ela para voltar para casa, pegar um travesseiro e uma faca, subir ao telhado e estripar o travesseiro com a faca. Ela faz o que ele pede e volta à igreja. Ele pergunta: “Qual foi o resultado?” Ela responde: “Plumas! Plumas em todos os lugares”. O padre, então, pede que ela junte todas as plumas novamente. Ela reclama: “Mas é impossível!” O padre conclui: “Então, isso é fofoca!”

As plumas de Irmã James já saíram do travesseiro e, agora, não há mais como recolhê-las. Em seu terceiro sermão, Padre Flynn afirma: “Há um vento atrás de nós que nos leva pela vida. Não entendemos de onde ou como ele vem. Mas ele nos leva.” O jeito é confiar no vento e nos deixar levar. O filme nos deixa com a dúvida e, no fundo, é com ela que convivemos, mesmo sem querer.

Um comentário:

  1. Muito boa reflexão pro momento que vivemos. As pessoas livres, que são capazes de refletir com menos preconceitos, assustam os rigidos. Adorei, vou assistir.

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