sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Chega de Saudade

Chega de Saudade (2008)


Branca Machado – 12/04/2008

“Chega de Saudade” é uma frase de reviravolta. A pessoa resolve parar de mitificar o passado e passa a viver o hoje. Ótimo. Mas não é bem por aí... Dizem que saudade é uma palavra que só existe em Português. Que não há um equivalente perfeito a ela em nenhuma outra língua. Sentir saudade é saber que você teve momentos bons, que conheceu pessoas maravilhosas que, hoje, estão em qualquer outro lugar. Então, por que chega de saudade? Chega de lamento. Isso sim. A partir de agora, vou lembrar do passado com carinho, mas farei do presente algo de que eu possa sentir saudade logo ali.

É com este mote que o filme “Chega de Saudade” de Laís Bodanzky se desenvolve. Aquelas pessoas viveram. E pretendem continuar a fazê-lo. O filme se passa num clube de dança tradicional de São Paulo, decadente, com seu salão de tacos, iluminado, mesas à volta e palco ao fundo. Os freqüentadores estão, na sua maioria, com mais de 60 anos e estão sempre por lá. O objetivo é dançar. A trama se desenvolve toda numa noite só. E praticamente acontece no salão. Neste clube, “mulher não entra de calça”. A senhora que trabalha na chapelaria faz tricô no balcão. E há até aparelho de pressão para eventualidades.No baile, distribuem-se rosas vermelhas e correios elegantes. Os garçons vendem drinks e remédios.

Assistimos aos pequenos dramas de cada um no baile: Tônia Carrero como Dona Alice é uma dama, elegante, apaixonada e amante eterna de Seu Álvaro (Leonardo Villar); Cássia Kiss é Eurici, uma mulher resignada, discreta, mas igualmente apaixonada pelo galante Stepan Nercessian (Eudes). Este, por sua vez, é um Don Juan meio cafona que gosta de recitar versos ao pé do ouvido. Betty Faria é Elza, a coquete que não se conforma em não ser tirada para dançar. Figurinha carimbada no baile ela começa a imaginar se aquele dia de “chá de cadeira” não seria devido ao vestido que está usando. Maria Flor interpreta Bel, uma jovem, nova no pedaço, que se surpreende ao perceber como um baile deste tipo pode ser agradável. Há também a madame ninfomaníaca, o “gambazão”, com quem ninguém quer dançar e assim por diante.

Nada melhor para completar esta gama de variedades que a trilha sonora que as acompanha. Em um certo momento, quando já sabemos um pouco de cada uma das personagens femininas, ouvimos ao fundo: “Já tive mulheres de todas as cores, de várias idades, de muitos amores... Já tive mulheres do tipo atrevida, do tipo acanhada, do tipo vivida, casada carente, solteira feliz... Mulheres cabeça e desequilibradas, Mulheres confusas de guerra de paz ...” Aliás, a trilha do filme é perfeita. Dançante, agradável e envolvente. A imagem de Elza Soares, no palco, filmada de costas, com seu decote, sua tatuagem e músculos, com o baile ao fundo se tornará clássica.
A dança no baile não é glamourosa. Não se trata de show. É uma dança comum de um baile como muitos outros. Com pessoas normais que gostam de dança de salão. As rugas são bem enfatizadas pela câmera. Ao contrário de outras produções, a ruga ali é beleza. Beleza de uma vida. Beleza da saudade.

Há diálogos emblemáticos que enfatizam a mensagem do filme. Como quando o enfermeiro diz a Ernesto para ele parar de fumar e de beber. Ao que este replica: “Melhor mesmo é deitar no caixão e deixar a danada chegar, né?”. Este é o tipo de coisa que aquelas pessoas não vão fazer mesmo. Ou quando Eurici pergunta a Dona Alice: “Por que vocês nunca foram morar juntos?” E Alice responde: “Há coisas que só podem acontecer na juventude”. Em outro momento, Elza replica para uma colega: “Aqui não tem gatinho!” E a amiga, satisfeita: “Mas tem uns lobos velhos...”.

O filme não aprofunda, mas pontua um drama cada vez mais contemporâneo, usando o personagem de Dona Alice. Trata-se do drama do esquecimento. De pessoas perdidas porque não podem mais contar com o que, a esta altura da vida, possuem de melhor: a memória. Mesmo falando superficialmente sobre o tema, este conflito confirma ainda mais o grande tesouro que é sentir saudade.

Adriana Falcão diz que saudade “é quando o momento tenta fugir da lembrança para acontecer de novo e não consegue” e que lembrança “é quando, mesmo sem autorização, seu pensamento reapresenta um capítulo”. Ao longo do filme, percebemos que a saudade está aí para ser bem lembrada. E, principalmente, bem fabricada.

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