quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Jogo de Cena

Jogo de Cena (2007)

Branca Machado – 26/12/2007
O documentário “Jogo de Cena” brinca com a realidade e a ficção. Com a emoção verdadeira e com a mesma emoção interpretada. E acaba comprovando que interpretamos no dia a dia e que somos capazes de sentir emoções reais, quando representamos.

O diretor Eduardo Coutinho que, entre outros, dirigiu o brilhante “Edifício Master”, partiu de depoimentos de mulheres que procuraram a produção depois de um anúncio colocado nos classificados dos jornais. Em junho de 2006, 23 delas foram filmadas no Teatro Glauce Rocha. Em setembro do mesmo ano, atrizes interpretaram, a seu modo, as histórias contadas por elas. Desta forma, aquelas mulheres se disponibilizaram a dividir e contar suas vidas aos espectadores. E aquela câmera não deixou de ser um divã.

Assistimos, então, a uma gama variada de depoimentos corajosos, sobre vidas diferentes que valem a pena ser contadas. E que, por isso, mantêm nosso interesse durante todo o filme, apesar de as mulheres estarem sentadas em uma cadeira, olhando para a câmera em tempo integral.

O filme realiza uma experiência interpretativa. Ao colocar atrizes, entre elas, Fernanda Torres, Marília Pêra, Andréa Beltrão, interpretando as histórias relatadas, constrói-se uma mescla do real com a representação. Algumas vezes, aparece a personagem real, depois a atriz; em outras, vemos a atriz, depois a mulher. E, ainda, temos a o relato todo contado por uma e, depois de algumas cenas, o mesmo caso contado pela outra. Sobre esta experiência, Fernanda Torres comenta: “O personagem fictício pode ser mais medíocre porque você o constrói. Mas o personagem real mostra o lugar que você deveria ter chegado... E, aí, fica difícil!”.

O assunto que impera nos depoimentos é a maternidade. Trata-se de um tema que acaba funcionando como interseção entre as mulheres e as atrizes. Onde elas se identificam. E se emocionam plenamente. Andréa Beltrão chora, quando a mulher verdadeira não chorou. Marília Pêra deixa de chorar, quando a verdadeira chorou. Qual foi o real? Qual foi o representado? O que descobrimos é que há uma boa dose de interpretação no real, mas também uma boa dose de realidade na interpretação.

As mulheres que estão ali, apesar de relatarem percalços amargos na vida, são corajosas, firmes. Elas se expõem e é comovente perceber como as emoções se afloram, apesar da câmera (ou por causa dela?). São capazes de dizer coisas maravilhosas. E comover. Ouvimos frases como: “Você acredita que tem gente que não olha para o céu?”; “Eu me amo tanto, eu me adoro tanto que já nem ligo mais para esta coisa de amor!”; “Achar homem hoje em dia é igual a pegar papel em ventania!”. São momentos únicos e, o que é melhor, não roteirizados.
A temática do filme lembrou-me da peça “Seis personagens à procura de autor”, de Luigi Pirandello. Na obra de Pirandello, seis personagens, rejeitadas por seu criador, invadem um ensaio e tentam convencer o diretor da companhia a encenar suas vidas. Tal como as mulheres reais que, em “Jogo de Cena”, falam de suas vidas, as personagens o convidam a encenar seus dramas, mostrando que mereciam ter uma chance. Na peça, as personagens não querem ser representadas pelos atores da companhia. No filme, há um paralelo entre as interpretações, mas, se observarmos bem, acabamos concordando com Pirandello: ninguém pode representar melhor a história de uma pessoa que ela própria.

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