A Última Noite (2006)
Branca Machado – 18/12/2006
Para quem gosta de boa música country, folk e tem saudade das antigas salas de teatro, de cinema, dos shows ao vivo de rádio e das radio-novelas, o filme “A Última Noite” é um programa obrigatório. Apesar de um certo clima nostálgico, o filme nos proporciona um grande prazer ao resgatar o clima da transmissão de um programa de rádio ao vivo gravado em um antigo teatro.
Esta coluna também é uma homenagem ao diretor Robert Altman. Sempre contraventor, ele realizou pequenas obras-primas como “O jogador”, “Short Cuts” e “Assassinato em Gosford Park”. Em “A última noite”, ele fala sobre o fim das coisas. Em Belo Horizonte, vivemos o fim de algumas salas como as do Cine Metrópole, Nazaré, Palladium, entre outros. No filme, o velho prédio do teatro Fitzgerald será demolido para virar um estacionamento. E, com ele, também termina o show de rádio que é transmitido ali há mais de 30 anos aos sábados. Naquela noite, acontecerá a última transmissão do "A Prairie Home Companion". Acompanhado por milhões de pessoas, o programa inclui apresentações ao vivo de bandas e cantores, comerciais e anedotas. Como afirma um dos ouvintes, os participantes daquele show já se tornaram seus amigos e aquele será o fim de uma grande amizade. Mas, em seu último show, mesmo pesarosos, aqueles artistas farão daquele “limão, uma limonada”.
O apresentador G.K. (Garrison Keillor) não quer falar de despedidas, nem de assuntos ruins, e sim fazer um show alegre para todos se lembrarem. Esta posição dele é bem salientada em uma discussão que ele tem com Lola (Lindsay Lohan) sobre sua decisão de não mencionar a morte de um colega durante a transmissão. Lola lhe pergunta: “Você não quer que se lembrem de você depois de sua morte?” E ele responde: “Eu não quero que mandem se lembrar de mim”. Este é o mesmo sentimento que ele tem com relação ao programa: que ele seja naturalmente lembrado. Sem maiores dramas.
Altman é fiel ao seu estilo: pessoas falando ao mesmo tempo, um certo ar de improviso. Há cenas maravilhosas como o movimento de câmera que ele realiza do camarim ao palco, de baixo para cima, sem cortes. Neste momento, o teatro é apresentado para gente, passamos a ter carinho por ele. Ou, quando Tomy Lee Jones, o interventor, responsável pela demolição do teatro, assiste ao show sozinho no camarote e sua imagem se funde com as “Jackson Girls” (Meryl Streep e Lily Tomlin) no palco cantando a música em homenagem à mãe. Ele se emociona e também nos emocionamos: Será que se deve acabar com isso mesmo? Altman insere uma reflexão sem usar palavras em nenhum momento.
A trilha sonora é perfeita para o filme. Acompanha o enredo e transmite as subtramas e relacionamentos entre os artistas através das letras da música e interpretação do cantor, o que é muito apropriado num filme sobre um programa de rádio. O diretor contou com um elenco de primeira e só para citar alguns, temos Meryl Streep, Woody Harrelsson, John C. reilly e Kevin Kline. Penso que Altman ainda aproveita para dar sua habitual alfinetada em Hollywood através da seguinte música: “Por que trabalhamos tanto para conseguir algo que nem queremos?”.
O filme praticamente se passa no teatro. E o velho prédio tornou-se personagem com toda sua arquitetura e histórias de corredores que vão deixar saudade. Sentimo-nos com relação ao teatro como Carlos Drumond de Andrade ao escrever sobre o fim do cine Odeon: “Não amadureci ainda bastante para aceitar a morte das coisas, que minhas coisas são, sendo de outrem, e até aplaudi-la, quando for o caso. (amadurecerei um dia?)”.
Robert Altman, em seu último filme, fala sobre a última apresentação de um programa de rádio que não se faz mais. Será uma coincidência? Mas não deixa de ser uma grande metáfora. Suas obras, verdadeiros filmes de autor, em que ele deixa sua marca, não serão mais realizadas. Mas também aqui façamos deste limão, uma limonada e vamos lembrar de Altman naturalmente com o prazer de assistir à sua obra única.
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