sexta-feira, 16 de outubro de 2009

O Escafandro e a Borboleta

O Escafandro e a Borboleta (2008)

Branca Machado – 22/07/2008

A abertura de “O escafandro e a borboleta” apresenta uma montagem de radiografias. Naquelas radiografias, a princípio, impessoais, existe um problema. Um problema sério. Ele é raro, inexplicável e, acima de tudo, injusto. Trata-se da síndrome Locked in ou síndrome do encarceramento na qual o paciente está preso dentro do próprio corpo. Ele escuta, sente, lembra, mas não anda, se move ou mesmo consegue falar ou engolir. Sua única forma de comunicação é piscando os olhos. No caso de Jean Dominique Bauby (Mathieu Amalric), piscando somente o olho esquerdo. E foi desse modo que ele escreveu um livro. Baseado nele e no processo de sua escrita, o diretor Julian Schnabel realizou este filme.

A câmera subjetiva predomina por todo o início. Conhecemos a doença juntamente com Jean Bauby, que acaba de acordar de um coma. O olho dele se abre, a câmera se abre para a gente. Nosso olhar é o olhar de Jean, doente, deitado. O olhar dele sobre os outros. A princípio, um olhar confuso, desajeitado, que tenta entender seu novo plano de visão, conhecer o ambiente. Ele chora, a câmera embaça. Os enquadramentos são os dos olhos de Jean. Basicamente, a matéria prima do cinema é o olhar, mas, na maioria das vezes, um olhar não percebido. No caso do filme, nós o percebemos. Aqui, ele, além de instrumento, torna-se assunto.

O neurologista entra no quarto. Jean, então, enxerga o tronco do médico, até que este se senta e seu rosto toma todo o campo de visão do paciente. O médico explica: “você teve um derrame e ficou em coma por 03 meses”.Em seguida, pede para Jean dizer seu nome. O paciente diz, mas diz em pensamento. Nós, espectadores, ouvimos; o médico, não... Dominique não está sendo ouvido. Aliás, ele nem move a língua. Ele entende e responde tudo, mas não consegue demonstrar este fato! Ele descobre isso, nós descobrimos isso. Aos poucos, aquelas radiografias ganham significado. Ali, está selado um destino. O destino de um homem de 42 anos com três filhos e uma carreira brilhante.

O filme é recheado de comentários de Jean, nos quais, além de captarmos sua personalidade irônica, percebemos que, até naquela situação, ele foi capaz de rir de si mesmo: “Estou pronto para a cadeira de rodas... Que veredicto”.Ou “Ela não é minha esposa... É a mãe dos meus filhos”.Ou ainda: “Eu tenho 42 anos e sou tratado como um bebezão...”.

Durante sua doença, como não podia deixar de ser, ele reflete sobre sua vida: “Tenho sido cego e mudo todo o tempo ou minha atual situação me fez perceber minha verdadeira natureza?”; “Além da minha visão, tenho minha imaginação e minha memória. Elas não estão paralisadas. Elas são o modo de eu sair do meu escafandro. São minhas borboletas!”. Trata-se de um filme sobre ver, imaginar e lembrar. E sobre do que isso é capaz.

A partir daí, o filme assume a linguagem clássica e, depois de dividirmos com Jean sua familiarização à doença, podemos compreender e refletir melhor sobre o que veremos dali para frente. Jean pensa em como era. E o vemos, então, ativo, brilhante, alegre e confiante. Quando o filme volta para ele doente, é a primeira vez que o vemos de frente após o acidente. A câmera agora não é mais o olhar dele, mas ele refletido. E o que vemos, após o derrame, merece todo este preparo. Não dá para acreditar que a pessoa que pensa aquilo tudo é aquela que vemos ali. Simplesmente não combina.

Em uma palestra recente, David Lynch - diretor, entre outros, de “Veludo Azul” -comentou: “A memória é tão bonita”. Muitas vezes, ela é a salvação. Jean considera um milagre ter se animado a continuar vivo. E, além disso, escrever um livro. E não deixa de ser um milagre. Um milagre da lembrança e de para onde você pode voar a partir dela. Ele dedica o livro a seus filhos, desejando a eles muitas borboletas. A mesma coisa desejo aos leitores do Assista-me: muitas e muitas borboletas! E que vocês consigam encontrá-las nos lugares onde menos esperam.

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