quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Medos Privados em Lugares Públicos

Medos Privados em Lugares Públicos (2006)

Branca Machado – 25/09/2007

Não sei se cheguei a gostar do filme “Medos Privados em Lugares Públicos” de Alain Resnais. Sei que ele me fez pensar, saí do filme diferente do que entrei. E isto já o torna bom cinema.

O filme agride. Nós o digerimos com dificuldade. Ele não tem nada de óbvio. Não há tiros, guerra ou injustiça. Mas, no fundo, trata da pior violência que pode existir: aquela que a gente comete com a gente mesmo. Com o que fazemos das nossas vidas. Por nos mantermos em relacionamentos falidos, por nos contentarmos em fazer nada, por acabar com nossa auto-estima, por nos isolarmos, por nos escondermos atrás de crenças. Enfim, por aceitarmos assim e não de outro jeito.

A câmera chega por cima de um prédio de apartamentos em Paris. Depois, entra em um imóvel específico e a primeira palavra proferida num plano detalhe da boca de uma mulher é “petit” (pequeno). E isso não é à-toa. Somos pequenos ou nos fazemos pequenos? Penso que, ali, Resnais introduz seu tema que é justamente nosso encolhimento diante da vida.

Paris neva. Ao contrário da Paris de “Um lugar na Plateia”, esta é triste, branca, espelhada e cheia de ambientes fechados. Não há Torre, não há La Concorde, não há luz. Aqui, também conviveremos com um grupo restrito de personagens que interagem entre si. Mas não se trata mais do mundo das artes, do glamour, mas o da rotina, do acordar e do voltar para casa, do comer e assistir televisão.

Nosso microcosmo restringe-se a 07 personagens: Thierry (André Dussollier) e Charlotte (Sabine Azéma), que trabalham na imobiliária. Dan (Lambert Wilson) e Nicole (Laura Morante) que são noivos e procuram um apartamento. O pai Arthur (Claude Rich – voz) e o filho Lionel (Pierre Arditi). Thierry mora com Gaëlle (Isabelle Carré), sua irmã, e é quem apresenta os apartamentos para os noivos. Lionel é o garçom do bar que Dan freqüenta. Charlotte, à noite, toma conta de Arthur, pai doente de Lionel.

As pessoas convivem, mas não se relacionam plenamente. Acompanhamos o dia a dia de cada um com seus segredos, aflições e rotinas. Os irmãos moram juntos, mas não se conhecem.Thierry com sua fita de vídeo e Gaelle com sua flor vermelha no casaco. Aqueles objetos simbolizam muito mais do que suas simples funções: distração e enfeite. Mas só quem sabe disso somos nós. Thierry não sabe que a flor de Gaelle indica uma terrível solidão. E Gaelle não sabe como a fita de vídeo suscita uma enorme carência em Thierry, inclusive física. O noivo, apesar do que sua noiva (mais) deseja, não procura emprego. Passa o dia no bar e, sempre que está perto de Nicole, deita-se, ou melhor, esparrama-se. Mesmo assim, ela procura um apartamento de 03 quartos, pois Dan precisa de um escritório. Em certo momento, ela afirma para Thierry: “Preciso de um escritório para o meu noivo”. Ele então pergunta: “E o que ele faz?” E ela: “Não faz nada...”. Ela sofre por isso. Ele, não.

Charlotte, colega de Thierry, representa a tentação, mas, ao mesmo tempo, a castidade. Emociona Thierry e, de certa forma, aplica uma doce vingança em Arthur.Já Lionel sente que tem uma profunda dívida com o pai e se pune por isso. Ao longo da história, percebemos porque o pai não o perdoa e o motivo pelo qual agride o filho com sua tara escancarada e exagerada.

No filme, neva o tempo todo.Todas as transições de cena são realizadas com imagens da neve caindo. A cena passa, a neve fica... A princípio, do lado de fora. Mas, ela acaba entrando. Invade o ambiente fechado. O frio penetra, gela, como se mostrasse que entre aquelas pessoas não há como o calor chegar.

Resnais mostra o drama de cada um e de todos nós. Pois, a gente não chora a dor dos outros. A gente chora a nossa. Em certo momento, Lionel reflete: “Eu sou o que eu sou... Afinal, o que podemos ser além do que somos?” Penso que o diretor responde a esta pergunta de um modo fatalista e simplesmente mostra as situações como inexoráveis e inevitáveis. Mas quem sabe em vez de medos privados não se pode começar a cometer atrevimentos, ousadias e, com essa coragem, a neve pare de cair constantemente? Não custa tentar.

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